As palavras podem mudar o sentido da mensagem quando trocam de lugar

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Redação Publicado em 19/06/2022, às 00h00 - Atualizado às 13h24

Dependendo da forma como você usa as palavras e constrói as frases, a mensagem poderá ter diferentes sentidos. Muda tanto que em certas circunstâncias bastará trocar a posição das informações para transformar o resultado de uma comunicação que poderia ser negativa em argumentação convincente e persuasiva. E vice-versa. 

Histórias curiosas

Alguns exemplos simples podem nos ajudar a entender como é possível organizar o pensamento para que a comunicação tenha mais chances de ser vitoriosa.

Vou contar duas histórias curtas para mostrar como esse objetivo pode ser conquistado. Tive o prazer de ouvir esses relatos das próprias personagens envolvidas. São essas lições espontâneas de comunicação que nos permitem refletir e aprimorar a maneira de nos relacionarmos com as pessoas.

Jogo de cintura

A primeira delas é das mais curiosas. Esse relato foi feito em sala de aula por um aluno, juiz de direito. Contou que no início de sua carreira teve de trabalhar em uma cidadezinha do interior. Por ser uma localidade pequena, ali quase todos os habitantes se conheciam pelo nome. Frequentavam o mesmo supermercado, a mesma praça, e, no final de semana, depois da missa, iam ao único campo de futebol para se divertir vendo os pernas de pau bater uma bola, ou, segundo o meritíssimo, apanhar dela. 

O juiz não tinha muito trabalho. Exceto uma ou outra discussão de vizinhos por causa de divisa de propriedade, os dias passavam sem novidades. Durante um julgamento, entretanto, ele precisou usar de muito jogo de cintura para sair de uma situação delicada. 

Para resolver o caso que estava sendo julgado ele tinha de confirmar se o réu bebia muito. Em certo momento o juiz se voltou para um velho companheiro dos jogos de bocha, que fora chamado como testemunha, e naturalmente fez a ele uma pergunta, como se estivessem batendo papo, tomando uma cervejinha no boteco:

Bebe muito?

– Juarez, conta pra nóis aqui, você sabe se o Zé Antonio bebe muito?

Sem se preocupar com o fato de que estava participando de um julgamento, Juarez respondeu como se também estivesse conversando na pracinha:

– Ó doutor, pra explicar assim de um jeito facinho de entendê, digo que ele bebe que nem nóis. Nem mais, nem menos.

O juiz, sentindo que estava com um belo abacaxi para descascar, voltou-se para o responsável pelas anotações e determinou com a severidade própria do cargo e da posição que ocupava:

-Para que não paire dúvidas sobre essa questão, deve ficar consignado que a testemunha alega que o réu bebe…moderadamente.

Esse é um bom caminho a seguir – suavizar as palavras e reinterpretar certas respostas como saída para nos defendermos de situações delicadas e constrangedoras. Assim, nas conversas, ou em reuniões profissionais ao responder a perguntas dos interlocutores, com pequenas adaptações, será possível restabelecer o rumo mais apropriado para o sentido que desejamos.

O seminarista fumante

Essa outra história foi contada por um dos mais brilhantes comunicadores que conheci, o Padre Vasconcelos. Ele foi um dedicado estudioso da comunicação e se tornou famoso em São Paulo, especialmente na região do Paraíso, por suas extraordinárias pregações. 

Era uma espécie de Padre Fabio de Melo dos anos 70. Falava rápido e interagia com o público durante todo o tempo. Embora eu tenha ouvido o relato da boca do próprio padre, desconfio que ele, querendo mostrar com bom humor como as alterações na ordem das palavras podem torná-las muito mais persuasivas, tenha viajado com sua imaginação e carregado um pouco nas cores. Como dizem os italianos: se non è vero è ben trovato.

Ele contou que em um dia repleto de orações, um seminarista estava com muita vontade de dar umas tragadas. Antes que você se assuste, vamos nos lembrar de que nos anos 70, cerca de cinco décadas atrás, nem os padres se preocupavam muito com o fato de que contar histórias de fumantes era politicamente incorreto. Por ser obediente e não desejar transgredir as rígidas normas que proibiam fumar sem autorização, assim que avistou o bispo, o seminarista se dirigiu a ele e perguntou:

Pediu autorização

– Reverendíssimo, será que eu poderia fumar enquanto estou rezando?

O bispo não pensou duas vezes para negar o pedido do seminarista.

No dia seguinte, sem se conformar com a negativa que havia recebido, dirigiu-se ao mesmo bispo e fez a mesma pergunta, com uma pequena mudança no seu pedido:

-Reverendíssimo, será que eu poderia rezar enquanto estou fumando?

O bispo pensou um pouco e respondeu com o semblante alegre:

-Claro que pode, meu filho, seria muito bom se enquanto você estivesse fumando pudesse rezar.

O cuidado com as palavras é procedimento simples, que exige apenas um pouco de atenção, e pode ser fundamental para que possamos encontrar boas soluções para os problemas de comunicação. Siga pelo Instagram: @polito

Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão Corporativa e Gestão de Comunicação e Marketing na ECA-USP. Escreveu 34 livros com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no contatos@polito.com.br

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