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Ética: as armadilhas da racionalização

Ética: as armadilhas da racionalização - Imagem: Freepik

Danilo Talanskas Publicado em 23/03/2023, às 08h32

Muitos fatos em nosso dia a dia profissional nas companhias para as quais trabalhamos, nos fazem chegar muito perto da tênue linha que nos separa de um comportamento íntegro e daquele em que uma atitude dentro de princípios éticos deixam de ser tomadas.

Nesses momentos enfrentamos o desafio da racionalização, ou seja, você busca por desculpas e justificativas para deixar de tomar a decisão correta. Não raro, você pode ganhar uma convicção tão forte, que aquilo passa a ser a “sua verdade”. Sua consciência simplesmente pára de agir... amortece.

Vou citar algumas dessas frases que ouvi durante a minha carreira.

Uma das mais comuns é “fiz, porque o chefe me mandou”. Ou então “esta é uma prática global em nossa companhia”. É simplesmente incrível o número de pessoas que são verdadeiros “camaleões”, pois os princípios pessoais mudam de acordo com a gestão que têm. Com essa frase apaziguam os seus conflitos, pois por iniciativa própria, “nunca fariam isso”.

 O executor de uma tarefa suspeita tem tanta responsabilidade quanto o mandante. Seria a mesma coisa que dizer que um assassino que agiu sob as ordens de outra pessoa, nunca seria condenado.

É preciso de uma estatura moral muito sólida para enfrentar situações como essas, às vezes afetando o próprio emprego

Outra frase muito comum é “precisamos atingir os resultados a todo custo”. Com essa atitude em primeiro lugar, a transparência com clientes passa para um segundo plano, o reconhecimento e o custo por erros de nossa responsabilidade deixam de ser assumidos, contratos não são devidamente cumpridos, ou leis trabalhistas não são respeitadas.

Atitudes desse tipo podem levar a longos embates nos tribunais com alto custo para os dois lados e um desgaste da imagem do fornecedor nesse cliente e até mesmo no mercado. Polpudos bônus são mantidos com esse comportamento, pois os custos da companhia não são afetados.

Isto, sem se falar na manipulação de dados contábeis, fatos esses tão fortemente divulgados pela mídia no mundo inteiro. No final de tudo o “botton line” sofre muito mais do que uma companhia com firmes atitudes éticas, sejam quais forem as circunstâncias.

Outro comportamento perigoso é quando se diz para si mesmo que “não fui eu quem fez isso, portanto, nada tenho a ver com o fato”. Com esse comportamento, muita gente deixa de reportar fatos graves que estão ocorrendo, tornando-se coniventes com atitudes que podem trazer grandes prejuízos à companhia. Preferem a autopreservação do que a exposição e conseguem ter uma noite de sono tranquila, por não serem os atores principais e sabem que um dia “a bomba vai estourar”.

Nossa responsabilidade profissional não se limita àquilo que fazemos, mas também por aquilo que deixamos de fazer. Esse é um perigoso “amortecedor de consciências”. Por outro lado, já fui alvo da síndrome de “se matar o mensageiro” e sei o que isso representa, mas a paz de consciência é a maior vitória.

Constantemente recebemos “boas notícias” de alguém que “é amigo de quem trabalha na concorrência”. Dessa forma, informações estratégicas são trocadas entre concorrentes (não acredito na constante afirmativa de que foi apenas o outro lado que falou...informações são geralmente trocadas). Em vários mercados, informações entre concorrentes são compartilhadas com tal descaramento, que leis antitruste deixam de ser cumpridas, afetando  a livre concorrência e prejudicando fortemente o mercado comprador.

Não esqueço a experiência do telefonema do CEO de meu principal concorrente (por incrível que pareça, também uma multinacional), dizendo que o meu comportamento com alguns produtos “iriam acabar com as margens do nosso mercado”. Desliguei o telefone no meio da conversa e reportei o fato à minha matriz.

Nossa eficiência global permitiu que fossemos mais agressivos nos preços e ganhamos participação de mercado, lucrativamente.

Muitas vezes achamos que cumprir muito bem parte da responsabilidade, nos faz ter a ilusão de que toda a responsabilidade está sendo cumprida. Certa ocasião acompanhei um de nossos engenheiros de vendas a um cliente com o qual ele tinha um ótimo relacionamento, mas para o qual não vendíamos.

Fomos muito bem recebidos na área técnica onde nosso vendedor “navegava” com grande conhecimento e intimidade com o cliente. Ao visitarmos a área de compras, para minha surpresa, quando dei o meu cartão de visita, o vendedor teve o mesmo gesto. Ou seja, ele nunca havia pisado naquela área.

Dilemas éticos fazem parte de nossa vida profissional. Cabe a nós criarmos poderosos anticorpos para o mais grave dos ataques do “vírus” que vive dentro de nós mesmos: a capacidade de racionalizar.

 

 

 

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