Histeria Futebol Clube

O futebol no Brasil é caso para psiquiatra. Dos bons.

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Redação Publicado em 26/04/2021, às 00h00 - Atualizado às 15h06

Torcedor brasileiro vive à beira de ataque de nervos e, às vezes, mais atrapalha do que ajuda

O futebol no Brasil é caso para psiquiatra. Dos bons.

Paixão não se analisa friamente, mas aqui as coisas extrapolam.

Alguns comportamentos são histéricos.

Em questão de minutos, o treinador passa de bestial a besta, como dizia Oto Glória, e o jogador vai de craque a perna-de-pau.

Aí entra em cena o comportamento “criativo” da parcela histérica dos “torcedores”. Muros pichados, ameaças veladas, pipocas atiradas, protestos, listas de dispensa etc.

Uma vitória e os “jênios” acham que foi por causa da pressão deles.

Como gosta de dizer o Cléber Machado, “vocês da imprensa” têm culpa.

Temos.

Há análises precipitadas, falsos debates e, principalmente, erramos ao dar importância para manifestações violentas e intimidadoras de minorias e para o manicômio das redes sociais.

Torcedor histérico acha que pode falar o que quiser. Mas só ele e mais ninguém. Desde que saia de sua boca, qualquer estupidez tem valor. Dita por outro e, se for da mídia, vira apenas estupidez.

Vamos aos fatos.

Ariel Holan pede demissão do Santos. Antes de completar 15 jogos em um clube afogado em dívidas, que atrasa salários cotidianamente e conseguiu na semana passada a liberação para contratar jogadores. Talvez tenha percebido que repetir o trabalho de Cuca em 2020 depende muito mais do acaso do que da repetição.

Rogério Ceni chegou ao Flamengo com diagnóstico fechado por parte dos torcedores e influenciadores de arquibancada digital: não é técnico para o Flamengo. Provavelmente por causa do sebastianismo gerado na passagem espetacular de Jorge Jesus pelo clube. Não basta ganhar taça, vencer de virada, de goleada. Uma pisada em falso e o tribunal sebastianista condena Ceni. A impressão é que para ser aceito precisa de uma atuação de gala a cada partida. O que nem o elenco fantástico do Flamengo conseguirá.

Roger Machado vira e mexe vive essa dicotomia. Moderno, atualizado, ousado na boa fase. Após uma derrota ou eliminação, vira Professor Pardal. Está no estágio namoro com a torcida do Fluminense. Tudo são flores.

Nem Renato escapou desse julgamento em sua vitoriosa residência no Grêmio.

O São Paulo vive lua-de-mel com a torcida graças ao começo avassalador de Crespo. Mas não custa lembrar que o elenco, mantido em absoluta maioria, foi execrado pelos tricolores ao final de 2020, com acusações de pipocada e falta de compromisso. Daniel Alves, ora em grande fase, outrora era alvo de pedidos de banco na derrocada do time no Brasileiro.

Mancini no Corinthians estava sendo indicado para o RH pela torcida. Ganhou um clássico e os apressados começam a enxergar novos craques entre os garotos que chamavam de porcaria há uma semana.

O caso mais emblemático desta histeria é o de Abel Ferreira no Palmeiras. Potencializado pelo comportamento ítalo-brasileiro da torcida, que eleva à máxima potência o desequilíbrio emocional. Para os palmeirenses, o time oscila entre Real Madrid da América e porcaria em minutos.

Abel Ferreira, técnico do Palmeiras — Foto: Cesar Greco

Abel Ferreira foi anunciado pelo Palmeiras no fim de outubro de 2020. Vai completar seis meses de trabalho agora. Assumiu num turbilhão insano de jogos em sequência. Treinador iniciante, conseguiu suas primeiras taças no Brasil. Conquistas que muitos clubes e grandes técnicos não têm em seus currículos. Pouco treinou, mal fez pré-temporada. Sua ideia de futebol ainda não é conhecida.

Aos poucos, começa a implantar a saída de bola com três jogadores na última linha defensiva. O que nada tem a ver com jogar com três zagueiros, mas torcedores e alguns colegas insistem em levar a discussão para este lado sem base alguma. Abel se irrita com as perguntas. Faz parte. Para ele, esse tipo de atenção e cobrança ainda são novidades. Vinha de trabalhos em times com pouca ambição e, rapidamente, experimentou a consagração num dos maiores clubes do Brasil.

Os palmeirenses, recentemente, se dividiram entre os críticos e os defensores de Abel. Registre-se: a divisão foi provocada por parte da própria torcida após a derrota em um clássico jogando com o time reserva. Mas aí a mira sempre é direcionada para o inimigo de estimação da torcida verde: a imprensa.

Comentei o jogo do Palmeiras com o Mirassol. Ótima atuação de um time reserva e basicamente de garotos no primeiro tempo, diante de um adversário bem treinado e com bons jogadores sob o comando de Eduardo Baptista. Abel Ferreira, que tem mostrado mão pesada para mexer no time, o fez e a coisa degringolou. Ressaltei várias vezes que a experiência do primeiro tempo é válida, que é preciso calma nas análises dos garotos. Mas nas hashtags de acompanhamento online do jogo meu colega Odinei Ribeiro registrava mensagens de palmeirenses pedindo a cabeça do jovem Lucas Esteves e de outros. Reforcei que é insanidade palmeirenses e o Palmeiras cogitarem qualquer mudança no comando técnico.

Abel não é imune a críticas, desde que fundamentadas. Ninguém é imune. Não existe vacina para críticas. Como imunes não são Crespo, Ceni, Roger, Renato, Holan. Opiniões existem para serem emitidas. Concorda-se ou discorda-se. A verdade não tem dono.

Eu acho que no estadual paulista, se um time grande não chega até as semifinais, é vexame. Porque o torneio é todo pensado e formatado para que os quatro gigantes alcancem esse estágio. Eles são cabeças-de-chave, não disputam vaga dentro dos grupos, têm os maiores orçamentos, os melhores jogadores, os melhores estádios. Em alguns casos, um grande jogador do quarteto fantástico bandeirante paga a folha de cada um dos outros times do campeonato.

Estou certo? Não sei. É apenas uma opinião.

Basta dizer isso para que a ira dos histéricos encontre a vítima favorita e esqueça que foram alguns de seus iguais, como quase sempre, que começaram com as pichações e o “acorda, Abel”. O torcedor acha que tem o direito de “queimar” um garoto numa rede social, mas decide apontar sua ira histérica para um comentário.

Jogadores, dirigentes e treinadores preferem não se indispor com certos grupos de torcedores e descontam em opiniões.

Assim como identifica suas qualidades no sucesso de seu time, o torcedor histérico projeta suas frustrações e seus fracassos pessoais nas derrotas. No Brasil, há mais times grandes e tradicionais do que em outra pátria boleira. A disputa é mais acirrada e faz explodir esse universo de frustrações e decepções. É pouca taça para muita ambição.

Li uma frase atribuída a Nietzsche que parece perfeita para o torcedor brasileiro de futebol: “Nos indivíduos a loucura é algo raro – mas nos grupos, nos partidos, nos povos, nas épocas, é regra”.

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Fonte: Ge – Globo Esporte.

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