Uma curitibana conseguiu na Justiça Estadual do Paraná o direito de cultivar e manusear maconha medicinal para uso próprio contra sintomas causados por um
Redação Publicado em 13/07/2018, às 00h00 - Atualizado às 16h50
Uma curitibana conseguiu na Justiça Estadual do Paraná o direito de cultivar e manusear maconha medicinal para uso próprio contra sintomas causados por um tumor benigno no cérebro. A decisão é do fim de junho.
A doença se manifestou em 2010 e, segundo a paciente, arruinou a qualidade de vida dela — houve pioras na mobilidade e na visão, fortes dores de cabeça, fraqueza muscular profunda, perda de consciência, espasmos musculares e alterações hormonais.
“Chegou ao ponto de não mais poder dirigir, não mais poder trabalhar, não mais poder fazer as atividades básicas. Por mais que às vezes a gente acredite que poderia ser sanado pelo tratamento convencional, não teve o sucesso esperado”, conta a mulher, que prefere não se identificar.
O tratamento convencional, ao qual ela recorreu inicialmente, envolve a prescrição de oito medicamentos diferentes. A paciente seguiu a recomendação à risca por mais de quatro anos, mas diz ter sentido uma série de efeitos colaterais e progressiva ineficiência das doses.
Por isso, decidiu buscar tratamentos alternativos. Foi aí que encontrou, em artigos científicos publicados na internet, a indicação do uso do óleo de cannabis para o alívio das dores e dos espasmos. Com o consentimento de seus médicos, passou a utilizá-lo como apoio à terapia que já estava em curso.
“Houve uma melhora imediata, principalmente na parte de espasmos musculares e de sono. Imediatamente quando você começa a utilizar o óleo, você já sente a diferença na qualidade de vida absurda. Eu sempre digo que não é o óleo só, mas é um olhar multidisciplinar do paciente, onde também tem o olhar do médico e do tratamento com o óleo conjunto”, afirma.
A planta utilizada no óleo é rica em canabidiol (CDB), substância com efeito anti-inflamatório, analgésico e neuroprotetor, e não tem tetra-hidrocarbinol (THC) — ou seja, não há efeitos alucinógenos.
Sem autorização legal, inicialmente, a paranaense relata que teve que viver a clandestinidade e o medo de ser presa para produzir o óleo.
“É tão difícil quando você está na sua pior fase da doença, porque você passa por duas etapas: você estar doente e você ter organizar isso dentro da sua vida, porque você quer ter o acesso ao que te faz bem, a um óleo de uma planta que é importantíssimo para várias doenças”, diz a paciente.
Ela conta que, pouco depois, conseguiu autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importação do óleo de maconha pronto. O custo, no entanto, era inviável: ao mês, a medicação custa em média R$ 2 mil por mês.
A paciente então buscou a Justiça e conseguiu um habeas corpus que permite a produção própria e impede a polícia de investigar, repreender ou atentar contra a liberdade dela.
“O juiz ponderou o direito à vida da paciente, que é um direito constitucional garantido. Ela não pode jamais ser considerada traficante de drogas, porque ela busca acesso à saúde. É obrigação do Estado. Se o Estado não tem como possibilitar esse direito a ela, então ela tem os meios legais. A Justiça está possibilitando o exercício de um direito pleno”, comenta o advogado da paranaense, Anderson Rodrigues Ferreira.
Conforme a decisão, deve-se seguir rigorosamente um método aprovado por técnicos e pelo juiz responsável — entre outros cuidados, há o limite de cultivo de até 1 metro quadrado da planta.
A produção do óleo é feita artesanalmente pela própria paciente, na casa dela, com o uso de uma panela comum de cozinha e os devidos cuidados de luz e adubo.
A Anvisa permite o uso da maconha medicinal no Brasil, contanto que siga regras definidas pela própria agência mediante dados que comprovem segurança e eficácia.
No país, já existe inclusive o registro do medicamento Mevatyl®, à base de THC e canabidiol, indicado para um tratamento sintomático relacionado à esclerose múltipla.
De acordo com a Anvisa, a cannabis e suas substâncias são regulamentadas por duas convenções internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU): a Convenção de 1961 sobre Substâncias Entorpecentes, que mantém a planta Cannabis proibida e sob controle e supervisão, com exceção para fins médicos e científicos, e a Convenção de 1971 sobre Substâncias Psicotrópicas, que proíbe o uso do canabinóide Tetrahidrocanabinol (THC), também excetuando fins científicos e propósitos médicos muito limitados, por meio de estabelecimentos médicos e pessoas autorizadas pelas autoridades governamentais.
A agência nacional ressalta que essas convenções foram internalizadas em leis e decretos vigentes no país. No entanto, afirma que ainda é necessária regulamentação específica do Congresso para o plantio com fins de pesquisa e uso medicinal.
Um projeto de lei apresentado na Câmara Federal pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP), na terça-feira (10), sugere o controle, a fiscalização e a regulamentação do uso da cannabis no país.
O texto sugere a liberação de até 40 gramas de maconha não prensadas por mês, tanto a usuários recrativos quanto a pacientes como a curitibana.
Quanto ao uso medicinal, a proposta obriga prescrição médica e só permite o fornecimento de insumos ou da planta por ONGs devidamente autorizadas pela Anvisa.
O projeto de lei aguarda despacho do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para ir a plenário.
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