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Defesa diz que síndrome rara pode ter levado mãe a injetar insulina em bebê no DF

Advogado do casal acusado de tentativa de homicídio contra o próprio bebê, Rafael dos Santos Alves disse que profissionais que atendem a família e o próprio

Defesa diz que síndrome rara pode ter levado mãe a injetar insulina em bebê no DF
Defesa diz que síndrome rara pode ter levado mãe a injetar insulina em bebê no DF

Redação Publicado em 16/10/2017, às 00h00 - Atualizado às 08h24


Advogado do casal acusado de tentativa de homicídio contra o próprio bebê, Rafael dos Santos Alves disse que profissionais que atendem a família e o próprio Ministério Público analisam se a mãe sofre de Síndrome de Munchausen por procuração – síndrome rara que faz com que pais inventem sintomas ou provoquem ferimentos nos filhos para forjar uma doença ou atrair atenção.

A mulher foi flagrada aplicando injeção de insulina no neném enquanto ele estava internado no Hospital Universitário de Brasília. O casal foi indiciado pela Polícia Civil e denunciado pelo Ministério Público.

Alves foi contratado após a Justiça determinar que o bebê e três irmãos fossem encaminhados para um abrigo e não tivessem mais contatos com os pais. As investigações da polícia apontam que a família tentava a ganhar dinheiro por meio de comoção popular com suposto quadro de hiperinsulinismo congênito. Dois outros filhos morreram com o suposto diagnóstico.

“Já fizemos a defesa. Está na mão do MP, aguardando o juiz”, disse.

“A gente não pede o retorno das crianças nesse momento. A gente pede que seja feita toda uma avaliação com a família, dos dois, nesse contexto todo, o caso é muito sério.”

As investigações começaram em junho deste ano, mas o caso só se tornou público na semana passada. De acordo com a polícia, o bebê deu entrada no HUB com convulsão. Ele melhorou com o tratamento, e os médicos decidiram investigar se ele teria a mesma doença relatada pelos pais.

Exames feitos na criança apresentaram, porém, resultados incoerentes entre si. Os testes foram repetidos e continuavam apontando que o quadro de hiperinsulinismo não tinha origem genética. Um exame feito em um laboratório particular comprovou as suspeitas.

O caso foi denunciado ao Conselho Tutelar, e o bebê foi transferido para uma ala mais “reservada” do hospital. Dias depois, a mãe chamou a equipe de enfermagem para dizer que o filho estava em crise. Imagens do circuito de segurança mostraram que, minutos antes, ela havia feito a aplicação de insulina.

“Ela é um pouco fechada, não esboça querer conversar muito. O pai está totalmente transtornado. Ele quer provar na justiça que o que está sendo falado não é verdade”, afirmou o advogado.

“O pai tem plena convicção do que a mãe fez. Mas cada um responde pelo ato praticado. Ele não pode responder pelo que ela fez.”

Pediatra e comentarista na área de saúde da TV Globo, Luiz Antônio Silva disse que costuma ver “um caso ou dois” por ano de Síndrome de Munchausen por procuração. “A criança às vezes não tem nada e a mãe diz que tem febre, está vomitando. Aí você interna a criança, investiga e não acha nada.”

Segundo ele, quem tem a doença costuma agir buscando atrair algum objetivo. Quem sofre do quadro precisa procurar um psiquiatra. A síndrome é considerada um tipo de maus-tratos contra criança por profissionais da área.

Trecho de decisão judicial que deu indenização de R$ 70 mil a pais por morte de criança com suposto quadro de hiperinsulinismo congênito (Foto: Reprodução)

Trecho de decisão judicial que deu indenização de R$ 70 mil a pais por morte de criança com suposto quadro de hiperinsulinismo congênito (Foto: Reprodução)

Em maio deste ano, o casal ganhou na Justiça uma indenização de R$ 70 mil pela morte de outra filha. Os pais alegam que ela sofria de hiperinsulinismo congênito e morreu aos 2 anos, em janeiro do ano passado, sem assistência do governo do Distrito Federal. A Procuradoria-geral do GDF recorreu da decisão.

Como o caso foi descoberto

O bebê deu entrada na unidade de saúde aos 50 dias de vida com uma crise convulsiva. A glicemia capilar dele era 18 mg/dL – a referência é de 60 mg/dL a 99 mg/dL em jejum. O quadro, considerado grave, foi revertido. Como os pais relataram que três irmãos do bebê (incluindo os dois que morreram) tinham hiperinsulinismo congênito, os médicos decidiram investigar se ele também apresentava a doença.

De acordo com relatório dos profissionais, mesmo recebendo a medicação adequada, o bebê apresentou insulina > 1.000 mcUI/ml, quando a referência é 2,6 mcUI/ml a 24,9 mcUI/ml. “Valores tão elevados de insulina não são esperados para hiperinsulinismo endógeno (quando o próprio pâncreas do indivíduo produz a insulina), mesmo em situações em que se suspeita de hiperinsulinismo congênito.”

Diante disso, os médicos pediram novo exame (dosagem de peptídeo C). De acordo com os profissionais, quem apresenta a doença também tem o peptídeo C elevado. O resultado do teste, porém, foi de 0,29 ng/mL (referência 1,1 ng/mL a 4,4 ng/mL). A incompatibilidade dos dados somada ao fato de que o bebê apresentava hipoglicemia intercalada com hiperglicemias relevantes chamou a atenção da equipe.

“Novas investigações foram realizadas, inclusive com a redução medicamentosa para observação do comportamento da glicemia no paciente em comento, tendo sido verificado um quadro ainda mais grave, com insulina marcando 6.422,3 mcUI/ml e peptídeo C suprimido, confirmando-se, portando, o quadro de hiperinsulinismo factício”, informou o hospital à polícia.

Mãe aplica insulina

Após investigação do hospital apontar que o quadro era “proposital”, o Conselho Tutelar foi acionado. Além disso, o menino foi encaminhado à Unidade de Cuidados Intermediários Neonatais (Ucin) do HUB, onde o acesso da família era limitado.

Já instalado na Ucin, o menino apresentou novo quadro de hiperinsulinismo. De acordo com a investigação, por volta das 18h do dia 19 de julho, a equipe de enfermagem foi acionada pela mãe da criança para avaliação da glicemia.

Imagem de câmera de segurança de hospital do DF do momento em que mãe teria aplicado insulina em bebê (Foto: Reprodução)

Imagem de câmera de segurança de hospital do DF do momento em que mãe teria aplicado insulina em bebê (Foto: Reprodução)

O hospital decidiu analisar as filmagens do circuito de segurança. Por volta de 17h50, a mulher estava com o menino no colo, “em movimento que sugere a administração exógena de substância que se acredita tratar de insulina de ação rápida, o que justifica a alteração do quadro de hipoglicemia exposto”, segundo a investigação.

“O efeito da insulina é diminuir as concentrações de glicose no sangue. A administração inadequada em quem não precisa pode levar a hipoglicemias graves, crises convulsivas, lesões irreversíveis do cérebro, comprometendo o desenvolvimento da criança, e até óbito, caso não vista e socorrida a tempo.”

Envolvimento do pai

O caso foi denunciado à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). Uma seringa foi encontrada pela delegada dentro da roupa íntima da mãe. Em depoimento à polícia, a mulher confessou ter injetado o medicamento no bebê alegando que “ele estava com a glicemia muito alta”, mesmo sabendo que ele estava sendo medicado e que a conduta dela poderia colocar a vida do filho em risco.

Ela não quis dizer como conseguiu insulina. Para a investigação, o pai do menino – que trabalha há um ano como entregador de uma farmácia – forneceu o produto.

Tribunal de Justiça do Distrito Federal (Foto: Raquel Morais/G1)

Tribunal de Justiça do Distrito Federal (Foto: Raquel Morais/G1)

Por decisão da Justiça, os pais não puderam mais ter contato com o bebê nem com os outros três filhos. Os quatro foram encaminhados para um abrigo, onde estão há dois meses. Em depoimento à polícia, o médico disse que o quadro do bebê melhorou.

“Era uma criança irritadiça e chorosa que se transformou após o afastamento da genitora, ficando mais tranquilo e interagindo com os cuidadores”, disse.

“Do ponto de vista médico, ele não fez mais nenhuma crise convulsiva e nenhum episódio de hipoglicemia, mesmo sem uso de qualquer medicação para controle do açúcar no sangue durante os 10 dias que permaneceu afastado dos outros genitores naquele hospital”, informou o médico.

Novas investigações

Também por decisão judicial, a outra filha do casal que tem o diagnóstico de hiperinsulinismo congênio foi internada por dez dias para que se verificasse se os quadros de hipoglicemia e de crises convulsivas descritos pela família eram verdadeiros ou se também eram provocados. Os remédios usados pela menina, que tem 6 anos, foram suspensos. Desde então, ela não teve sintomas da doença. As taxas de glicose e insulina foram normalizadas, afirma a investigação.

Segundo o médico, a garota tem pequeno atraso no desenvolvimento neurocognitivo, que pode ter sido provocado pelos episódios de hipoglicemia. Por causa da doença, ela recebia o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

A Polícia Civil abriu inquérito para investigar se o mesmo crime foi cometido contra a menina. A corporação também pediu acesso aos laudos médicos dos dois filhos que o casal diz terem morrido com a doença.

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