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Brasil realizou 8 transplantes de pulmão pós-Covid: entenda por que procedimento raro não é solução para a doença

Após mais de um mês de sedação por causa da Covid-19, o analista de sistemas Henrique Batista do Nascimento, de 31 anos, estava num leito da Unidade de

Brasil realizou 8 transplantes de pulmão pós-Covid: entenda por que procedimento raro não é solução para a doença
Brasil realizou 8 transplantes de pulmão pós-Covid: entenda por que procedimento raro não é solução para a doença

Redação Publicado em 04/11/2021, às 00h00 - Atualizado às 07h09


Após mais de um mês de sedação por causa da Covid-19, o analista de sistemas Henrique Batista do Nascimento, de 31 anos, estava num leito da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Instituto do Coração (Incor), em São Paulo, quando recebeu uma visita dos médicos. Com graves complicações, o paciente ouviu que o comprometimento de seu pulmão era considerado irreversível. Mas havia ainda uma chance: o transplante total do órgão.

“Na hora em que ela [a médica] falou, parecia que minha alma ia sair do corpo”, lembra Nascimento. Leigo sobre o procedimento, ele não sabia nem que isso era possível, mas topou. “Para que eu continuasse vivo, tinha de fazer o transplante. Eu queria voltar pra casa, ver meu filho, o que me deu muita força também para aceitar”, afirma.

O consentimento do paciente é um dos critérios necessários para que o transplante de pulmão pós-Covid possa ser realizado. Doentes que não tenham condições de serem acordados para a consulta não podem ser transplantados, ainda que haja consentimento da família (veja, mais abaixo, as demais condições para a realização da cirurgia).

A cirurgia é rara, complexa e feita pelos maiores centros hospitalares do mundo. No Brasil, até aqui, foram realizados oito: três no Incor, quatro no Hospital Israelita Albert Einstein, também em São Paulo, e um na Santa Casa de Porto Alegre – a maior parte, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Desses oito, quatro pacientes não resistiram. Algumas mortes aconteceram mais de 30 dias após o transplante, por outras complicações.

O transplante de pulmão é feito há cerca de 30 anos no país, mas o paciente grave de Covid trouxe desafios e imprevisibilidades novas aos médicos.

“Eu já cuidei de, talvez, mais de 500 pacientes transplantados de pulmão [desse total, quatro casos eram de infectados por coronavírus]. E é uma situação nova e desafiadora, mas o mais desafiador é a reabilitação do paciente”, diz José Eduardo Afonso Júnior, coordenador médico do programa de transplantes do Einstein.

Partiu do hospital a iniciativa da elaboração de uma lista de parâmetros que norteou as cirurgias de transplante de pulmão pós-Covid no estado de São Paulo. O texto também foi encaminhado ao Sistema Nacional de Transplantes.

Além disso, o transplante pós-Covid também acelerou um debate no corpo médico do Brasil: a questão da chamada “priorização” na hora de definir quais pacientes devem ser colocados à frente na fila espera pelo procedimento de pulmão.

Hoje, essa lista de espera é organizada basicamente em ordem cronológica (ou seja, a prioridade é de quem chega primeiro). Isso significa que não se leva em conta, na hora da priorização, a gravidade de cada caso. E é precisamente a possibilidade de esse parâmetro passar a ser adotado que passou a ser discutida (leia mais ao final desta reportagem).

A exigência de uma série de critérios clínicos para que alguém possa ser transplantado não é só importante para que a pessoa tenha boas chances de recuperação. É também para que não se tire a chance de alguém com possibilidades melhores, já que há mais pessoas na lista de espera do que pulmões disponíveis.

“Transplante de pulmão não é a solução para a Covid. É um procedimento ultracomplexo e que só se enquadra para poucos pacientes extremamente selecionados”, conta o médico Afonso Júnior. “Considerando que tem mais de 600 mil óbitos por Covid, ter feito 8 transplantes pós-Covid é irrisório, se comparado a qualquer opção terapêutica.”

Nesta reportagem, você lerá sobre os principais desafios médicos do transplante de pulmão pós-Covid e as histórias de pessoas que passaram pela cirurgia, como o o morador de Maceió de 61 anos que teve alta após 257 dias de internação e a moradora de Natal que pegou Covid quando estava grávida, teve de fazer um parto de emergência e depois recebeu um novo pulmão.

Critérios para o transplante

O Einstein começou a avaliar pacientes para o transplante de pulmão ainda em 2020. Sem uma diretriz nacional, o hospital usou sua expertise para definir quem estaria apto à cirurgia. “Nós acabamos tomando uma decisão de assumir a frente dessa situação, porque temos toda condição tecnológica e de estrutura dentro do hospital para fazer transplantes de alta complexidade”, afirma Afonso Júnior.

O primeiro transplante de pulmão pós-Covid do hospital – e do Brasil – aconteceu em 18 de novembro do ano passado. O transplantado era um médico de 50 anos que morava no Tocantins e havia se infectado cuidando de pacientes com Covid. Ele já chegou ao Einstein intubado.

O médico teve complicações infecciosas e não resistiu. Após a morte ele, a equipe de transplantes do Einstein reviu todas as etapas do processo de avaliação, tornando a seleção de pacientes para o transplante ainda mais rígida e restrita. A conduta também foi discutido com centros de transplante de fora do Brasil.

Em seguida, o Einstein apresentou a nova diretriz à Câmara Técnica da Central de Transplantes da Secretaria Estadual de Saúde. Finalmente, com outras instituições, foi criado um documento oficial que passou a nortear norteou as cirurgias de transplante de pulmão pós-Covid no estado de SP, em texto também encaminhado ao Sistema Nacional de Transplantes.

Veja, abaixo, quais são as principais exigências que habilitam um paciente a passar pelo procedimento:

  • recuperação do pulmão considerada irreversível, em diagnóstico feito seis semanas após os primeiros sintomas de Covid;
  • mínimo de seis semanas de dependência de ventilação mecânica ou ECMO (oxigenação do paciente feita por uma membrana fora do corpo);
  • demais órgãos (como rim e coração) devem estar preservados e não apresentar disfunções;
  • exame PCR negativo para Covid antes da cirurgia;
  • força e possibilidade de reabilitação muscular;
  • e o paciente lúcido e acordado para ser consultado sobre a cirurgia.

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G1

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