Sim, eu sou isentão!

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Redação Publicado em 09/07/2022, às 00h00 - Atualizado às 09h28

No meu mundo ideal, a política seria racional. Os projetos seriam apresentados, os caminhos seriam detalhados e as pessoas decidiriam o melhor para o futuro individual e coletivo. Depois, testar-se-ia de tempos em tempos, escolhendo por continuar ou não nos mesmos caminhos. Tudo com argumentos, lógica e análise de resultados, mais ou menos como os ditames da democracia liberal preveem.

Porém, o meu mundo ideal não existe. E o que a gente tem é carinho, paixão, carência, frustração, afetos, enfim, emoções que fazem com que o nosso ambiente político seja essa bagunça que vemos.

No Brasil, e em vários lugares do mundo, política não tem nada a ver com projetos, com racionalidade. E é por isso que a gente tem as motociatas do Bolsonaro, as toalhas do Lula, os beijos em crianças, os discursos emocionados, a defesa da família em cada fala dos candidatos.

Mas não se preocupe, porque isso não é mesmo exclusividade nossa. Em Portugal, por exemplo, em meio a uma enorme crise na saúde pública, com falta de médicos que tem ocasionado o fechamento de hospitais por todo o país, a imagem dos últimos tempos no ambiente político foi a do presidente Marcelo Rebelo de Sousa (aquele mesmo que não almoçou com Bolsonaro) beijando a barriga de uma mulher grávida.

Sim, herdamos isso dos portugueses e de tantos outros povos que nos influenciaram na cultura política. E assim vamos tendo o resultado desses afetos na defesa dos amigos, no tráfico de influência, nas emendas secretas para manter o poder, na capacidade de fazer o “bem” dos políticos por todo o país.

Isso está acontecendo exatamente agora, nas pré-campanhas aceleradas, que apenas não são campanhas porque os candidatos ainda não têm número. E não somente entre os presidenciáveis, mas também na maioria das lideranças que vão tentar ganhar uma cadeira nos Governos dos Estados, na Câmara, no Senado e nas Assembleias Legislativas.

Para quem, assim como eu, pensa no mundo ideal da política racional, vale pensar que o nosso mundo seria sem graça, sem grandes notícias de corrupção nos jornais, sem vídeos emocionantes nas redes sociais, enfim, sem grandes narrativas.

Então, sabendo que a maioria quer a emoção e o afeto na vida política, resta-nos escrever textos como este, encher o saco para que haja racionalidade, para que projetos sejam apresentados e para que resultados sejam cobrados.

O ruim é que isso nos deixa com essa cara de chatos, com a fama de isentões ou ainda convivendo com as acusações de cada um dos grupos apaixonados de estarmos a serviço dos adversários.

Mesmo assim, eu prefiro perguntar a Lula, Bolsonaro e a todos os seus defensores-torcedores: cadê os projetos? Onde estão as estratégias pelo menos para os próximos quatro anos?

Afinal, é melhor isso do que achar que quem sorri melhor ou fala mais bobagens deve ganhar o meu voto.

Kleber Carrilho é professor, analista político e doutor em Comunicação Social
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