Desde o princípio dos tempos, a humanidade convive com duas senhoras que não se dão de jeito nenhum. Elas jamais permanecerão juntas no mesmo lugar. Uma não
Redação Publicado em 23/05/2021, às 00h00 - Atualizado às 10h31
Desde o princípio dos tempos, a humanidade convive com duas senhoras que não se dão de jeito nenhum. Elas jamais permanecerão juntas no mesmo lugar. Uma não pode ver a outra na frente. Assim que surge a sombra de uma delas, a outra se afasta imediatamente. São elas a vergonha e a confiança.
O desafeto entre as duas é tão intenso que elas só conseguem sobreviver se ficarem longe uma da outra. Uma só mostra a cara quando a outra não está presente. O fato de elas precisarem viver afastadas, entretanto, não significa que não desejem o mesmo espaço. Pelo contrário, é o que mais almejam. Essa luta é interminável.
Essas duas senhoras atuam no campo de batalha como se fossem dois grandes generais. Ao longo desses milênios, descobriram exatamente onde estão os pontos fortes e frágeis da inimiga.
Outro aspecto importante na relação delas é que são onipresentes. Tanto assim que conseguem fazer de cada pessoa, independentemente da parte do mundo em que estejam, o seu campo de batalha. Elas são terríveis. Desde o momento em que o homem deu o primeiro suspiro já passou a servir de ringue para essas duas contendoras.
O mais curioso dessa história é que embora vivam em permanente disputa, jamais se hostilizam diretamente. São sorrateiras, e aproveitam as oportunidades para ocupar seu espaço no território. Elas possuem a mesma competência, a mesma energia, a mesma determinação. Só se diferenciam pela estratégia que costumam adotar nas ações de batalha.
Para participar da sua vida, a confiança depende da sua colaboração para recrutar aliados dispostos a lutar. Já a vergonha conta com um verdadeiro batalhão de voluntários extremamente beligerantes e competentes.
Como ocorrem as ações de combate da vergonha? Ela é insinuante, ardilosa e muito perspicaz. Ao primeiro sinal de fraqueza surge de mansinho, como quem não quer nada, e passa a comandar cada uma de suas ações.
Quando você menos espera, as bochechas ficam vermelhas, os olhos se voltam para o chão, os dedos das mãos se entrelaçam e a voz perde o vigor. São os sinais evidentes de que a “senhora ardilosa” acaba de chegar.
Você vira prisioneiro. Ao sentir que ela se alojou em você, sua reação natural é tentar de todas as formas se livrar do sentimento indesejável. A confiança, que seria a única defesa eficiente para socorrê-lo, como não suporta a presença da vergonha, e não se vê protegida pelos aliados que você deveria ter providenciado, está longe do seu alcance.
Com a vergonha não se pode vacilar. Seus cúmplices poderosos são nossos conhecidos: menosprezo, fracasso, humilhação, censura, desdém, crítica e inadequação. Todo esse pelotão foi muito bem preparado para que a vergonha tenha sucesso e tome conta de você.
Por isso, se esses inimigos baterem à sua porta e você se sentir envergonhado, convoque sua guarnição de combate para permitir que a confiança o proteja e o liberte desse sentimento negativo.
E aja com determinação, já que em certas situações a vergonha encontra um cantinho tão aconchegante que passa a ser hóspede permanente.
Por ser tão desejada, a confiança fica na dela esperando ser cortejada. Para estar ao seu lado ela faz questão da presença de uma guarnição de primeira: preparo, experiência, humildade, tolerância, trabalho, persistência, autoconhecimento, personalidade, entre inúmeros outros atributos. Sim, ela é exigente.
Vale a pena ceder aos seus caprichos. Com ela ao seu lado você pode fazer praticamente tudo o que desejar: conversar com desenvoltura e desembaraço, participar com muita competência das reuniões e dos debates, apresentar com eficiência projetos e produtos, participar de forma admirável de entrevistas em emissoras de rádio e televisão, fazer palestras excepcionais, persuadir e convencer as pessoas nos processos de vendas e de negociações, liderar e motivar equipes.
Cuidado, todavia, para não confundir vergonha com outro sentimento bastante parecido que é a culpa. Embora guardem semelhanças e disputem o mesmo espaço têm origem distinta e características peculiares.
Se você perceber que de alguma forma sua integridade foi violentada, quem bateu à sua porta foi a vergonha. Se, entretanto, você concluir que errou na maneira de agir, a visitante foi a culpa.
Independentemente de quem o visite, a melhor defesa será sempre a confiança. Cultive a confiança e deixe-a o tempo todo ao seu lado. Assim, a vergonha, a culpa ou qualquer outro sentimento semelhante ficarão distantes de você.
Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político e Gestão corporativa na ECA-USP. Escreveu 34 livros, com mais 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram: @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no contatos@polito.com.br