Reinaldo Polito: A PF diz que alguns prefeitos e governadores meteram a mão na grana

Já perdi a conta do número de operações deflagradas pela Polícia Federal em cima de prefeitos e governadores desde o início da pandemia. Até a minha última

Reinaldo Polito: A PF diz que alguns prefeitos e governadores meteram a mão na grana -

Redação Publicado em 06/06/2021, às 00h00 - Atualizado às 10h21

A PF diz que alguns prefeitos e governadores meteram a mão na grana

Já perdi a conta do número de operações deflagradas pela Polícia Federal em cima de prefeitos e governadores desde o início da pandemia. Até a minha última contagem, em números redondos, dava por volta de 80 operações, 150 prisões e 1.200 mandados de busca e apreensão. As suspeitas rondam dez estados e se referem a fraudes em licitações, superfaturamento de contratos e desvios de verbas. A PF divulgou que os trambiques nos contratos nos estados superam a casa dos 2,1 bilhões. É currículo pra bandidagem nenhuma botar defeito.

Essas falcatruas não constituem novidade. Sempre existiram e, pelo jeito, continuarão a existir. O mais triste da história é que alguns políticos, que deveriam defender os interesses da população, só pensam no benefício próprio. Mas resta esperança. O povo, que sempre reclamou da roubalheira, mas nunca saiu do sofá, agora parece que resolveu arregaçar as mangas e mostrar nas ruas o seu descontentamento. Se observarmos bem, algumas das reivindicações mais expressivas nas manifestações estão no combate à corrupção e à impunidade.

As redes sociais também entraram nessa campanha. As tias do zap se transformaram em uma frente enérgica para indicar quem são os larápios. E não é pouco. As notícias da ladroagem chegam rapidinho a todos os cantos. E são atualizadas diuturnamente. Muitos gatunos que pensavam estar a salvo dos olhares investigativos, quando menos esperam já estão sendo apanhados com as calças nas mãos. Literalmente, pois para chegar às cuecas é preciso se despir.

Mas por que será que essa turma resolve meter a mão nos pixulecos, mesmo sabendo que há risco de que descubram? Pois é, a certeza da impunidade é que motiva boa parte dos políticos a ultrapassar a linha amarela da honestidade. Vamos organizar essa análise para que possamos entender melhor.

Para começo de conversa, temos de ter em mente que são as ações sociais que comandam as condutas éticas. Significa que cada sociedade se organiza com base em valores morais norteados pela sua própria cultura e sua própria história, em determinado tempo e espaço. Ou seja, o que é crime para uma sociedade, pode não ser para outra. Quer ver alguns exemplos curiosos?

Como você julgaria um nobre, dono das terras de determinado feudo, que tomava para si a primazia de desvirginar a noiva no dia do casamento dela? Por mais estranho que possa parecer, na Idade Média, em alguns locais, por lei, primeiro ia o senhor feudal, depois o noivo, que ficava à espera, aguardando a vez. Quer mais uma interessante? Em algumas tribos indígenas, aqueles que roubavam cavalos eram vistos com admiração entre os guerreiros, um sinal de bravura e coragem.

Quando observamos esses acontecimentos com olhar distante no tempo, não nos conformamos com essa realidade cultural. Não será difícil deduzir, também, que daqui a alguns anos as nossas condutas sociais talvez sejam vistas com estranheza por aqueles que nos sucederão. Portanto, independentemente de quais sejam os princípios éticos, a nossa vivência prática será sempre sustentada por eles. E a nossa vida em sociedade seria insuportável se não se apoiasse nesses contratos de convivência.

Assim sendo, nos dias atuais, temos os princípios éticos que nos norteiam. Entre eles está o de não roubar. Nossa tradição judaico-cristã é rigorosa com relação a esse valor. Ora, como os políticos estão inseridos nessa mesma teia social, por dedução óbvia, também não deveriam roubar.

Se esses conceitos são tão evidentes, por que, então, alguns surrupiam a grana alheia? Podemos elencar três patamares para que cheguem a essa deformidade ética:

Ausência de medo. Eles têm tanta certeza da impunidade que não temem ser apanhados no cometimento de seus crimes. Se sentissem algum tipo de receio de que poderiam ser punidos por causa de seus malfeitos, pensariam duas vezes antes de delinquir.

Ausência de vergonha. Como a roubalheira é mais ou menos generalizada, esses malfeitores se tornam anestesiados, e consideram suas ações perfeitamente normais. Se souberem ou não de seus deslizes, não terão escrúpulos para pôr a cabeça no travesseiro e dormir.

Ausência de culpa. Quem definiu a culpa com muita propriedade foi o psiquiatra Flávio Gikovate: culpa é a capacidade de se colocar no lugar do outro. Quando sentimos na própria pele o mal que fazemos a outra pessoa, experimentamos o sentimento da culpa. Muitos desses inescrupulosos beiram à psicopatia – sentimento zero.

A partir dessas ponderações podemos concluir que um político deve ser louvado pela elevação de seus princípios éticos. De tal forma que se cruzasse a linha da decência e da correção, antes de sentir medo da punição, ele se sentiria culpado e envergonhado pelas suas atitudes.

O conceito de Churchill é bastante conhecido, mas vale a pena citar: a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras. Ela nos permite aprender a votar, e com o tempo vamos mantendo os bons, e substituindo os marginais que hoje habitam a política. Essa é a única pena que assusta suas excelências – perder as eleições.

Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político e Gestão corporativa na ECA-USP. Escreveu 34 livros, com mais 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram: @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no contatos@polito.com.br

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