Juiz de paz surpreende noivos com promessa durante os votos no interior de SP: ‘Prometo não agredi-la’

"Prometo ser fiel, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias de nossas vidas." Os tradicionais votos de casamento que marcam o momento

Juiz de paz surpreende noivos com promessa durante os votos no interior de SP: ‘Prometo não agredi-la’ -

Redação Publicado em 31/10/2018, às 00h00 - Atualizado às 11h52

Associação dos cartórios afirma que mudanças são permitidas desde que Código Civil seja cumprido. Juiz da Vara da Violência contra a Mulher de Sorocaba (SP) aprovou iniciativa.

“Prometo ser fiel, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias de nossas vidas.” Os tradicionais votos de casamento que marcam o momento esperado por muitos casais ganharam um juramento a mais durante as cerimônias realizadas em um cartório de Sorocaba (SP).

Ao firmar o compromisso perante a lei, os noivos que oficializam o relacionamento no cartório do bairro Brigadeiro Tobias são surpreendidos com um “novo voto” que fala sobre violência.

“E prometo mais, não levantar as minhas mãos para agredi-la, até o fim da minha vida.”

A frase deve ser repetida pelos dois noivos. Foi o que fizeram Ellen Nocetti Benedete e Eric Moraes Benedete. Juntos há quase 11 anos, eles se casaram no sábado (27) e foram surpreendidos no momento das juras de amor eterno.

Eric e Ellen oficializaram a união de quase 11 anos em Sorocaba — Foto: Janaína palmezani/Arquivo pessoal

“É um momento de muita emoção e quase nem lembro o que falamos, mas foi bem diferente do que vimos na internet, fugiu do planejado. No momento dos votos caiu a ficha que eu estava casando”, conta a advogada.

Ellen conta que eles foram surpreendidos positivamente. “Pensamos coisas boas e positivas, e ele [juiz] abre a mente do casal. Por mais especial que seja o momento, as frases tradicionais já são batidas na nossa cultura. Não consigo erguer a mão para ninguém, mas achamos legal.”

O juiz de paz Benedito Roberto de Ramos, que aparece no vídeo, celebra casamentos há 20 anos e disse ao G1 que não pode dar entrevistas.

Os outros três cartórios civis da cidade procurados pela reportagem informaram desconhecer a novidade no momento dos votos.

Sorocaba conta com Juizado Especial de Violência Doméstica — Foto: Priscila Mota/TV TEM

Sem fugir da lei

Ao G1, a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP) afirmou que, desde que o Código Civil seja seguido, não há problemas em modificar ou incluir o texto lido nas cerimônias de casamento.

O artigo 1.535 do Código Civil, lei 10406/02 que trata sobre o casamento, determina apenas que após o si dos noivos, e diante das testemunhas, seja dito:

“De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados”. A Arpen-SP ressalta que a frase é adaptada em caso de união entre pessoas do mesmo sexo.

Para o juiz Hugo Maranzano, diretor do Fórum de Sorocaba e titular da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Sorocaba, a inclusão do voto no juramento pode ajudar no combate à violência.

DDM de Sorocaba registrou 111 casos de violência em setembro de 2018 — Foto: Reprodução/TV TEM

“Muito bacana e interessante, porque é uma medida que a gente trabalha no dia a dia, a prevenção. É uma forma muito interessante de no momento do casamento falar isso para os noivos. Desde que não infrinja a lei, por que não?”, diz.

Maranzano ressalta que o casamento é o ato jurídico mais solene da legislação, e que a ideia do juiz de paz pode ajudar a chamar a atenção para o problema que assola tantas famílias. “As coisas já são feitas de maneira tão automática, então bacana isso em um momento tão importante, junto com a família e tantas testemunhas.”

Rede de atendimento à mulher

Em Sorocaba, as mulheres vítimas de qualquer tipo de violência contam com uma rede de atendimento formada por diversos setores. A começar pela Delegacia de Defesa da Mulher, onde os casos são registrados.

A delegada titular da unidade, Ana Luiza Salomone, afirma que foram registrados 111 casos de violência contra a mulher no mês de setembro. No ano passado, a DDM registrou por dia, em média, 10 casos amparados pela Lei Maria da Penha.

Graças a um sistema informatizado, as denúncias são enviadas rapidamente à Vara da Violência Doméstica e Familiar contra Mulher. A Vara, inaugurada em 2013, foi a primeira do interior de São Paulo. Assim, é possível agilizar a emissão de medidas protetivas, que estabelecem uma distância mínima para que os agressores fiquem longe das vítimas.

O juiz Hugo Maranzano conta que ao longo de 2017 foram expedidas 436 medidas protetivas, média de 36 por mês. Já de janeiro a setembro deste ano, o índice subiu para 423, cerca de 47 por mês.

Descumprir a medida protetiva é crime e o agressor pode ser condenado a cumprir pena de três meses a dois anos de prisão.

As mulheres também recebem atendimento multidisciplinar no Centro de Referência da Mulher em Sorocaba e, desde fevereiro deste ano, podem instalar no smartphone o aplicativo “Botão do Pânico”. A ferramenta criada pela prefeitura visa proteger as mulheres que possuem medida protetiva.

Caso o agressor descumpra a determinação da Justiça, a vítima aciona o Botão do Pânico e o sinal é enviado para a central da Guarda Civil Municipal (GCM), que em poucos minutos chega ao local indicado.

Para ter acesso ao aplicativo é preciso solicitar uma senha no Cerem. Durante os cinco primeiros meses em funcionamento, o Botão do Pânico foi acionado 39 vezes e sete suspeitos foram presos.

Botão do Pânico ajuda mulheres vítima de violência que têm medida protetiva em Sorocaba — Foto: Reprodução/TV TEM

Lei Maria da Penha e Feminicídio

Criada em agosto de 2006, a Lei Maria da Penha reúne mecanismos para coibir, prevenir e punir os agressores envolvidos em casos de violência doméstica.

Conforme a lei, é considerada “violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, independentemente da orientação sexual.

Desde 2015, o código penal conta com uma modalidade de homicídio qualificado: o feminicídio. Considera-se feminicídio toda ação “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”, o que inclui violência doméstica e familiar, e menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

SP DIARIO Juiz de Paz surpreende

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