Jovem indígena sonha em fazer Unicamp para unir sabedoria da enfermagem e cultura de benzimento

O esforço para organizar as ideias em língua portuguesa torna ainda mais evidente a dimensão do sonho e do desafio que Carlos Roberto Lima Orjuela se propôs.

Jovem indígena sonha em fazer Unicamp para unir sabedoria da enfermagem e cultura de benzimento -

Redação Publicado em 30/11/2018, às 00h00 - Atualizado às 13h05

Aos 21 anos, Buá fará vestibular indígena porque quer melhorar a saúde da cidade mais indígena do Brasil, São Gabriel da Cachoeira (AM), onde vive. Veja perfil dos candidatos por sexo, idade e etnia.

O esforço para organizar as ideias em língua portuguesa torna ainda mais evidente a dimensão do sonho e do desafio que Carlos Roberto Lima Orjuela se propôs. Aos 21 anos, o jovem da etnia Tuiuka deseja fazer faculdade de enfermagem para unir conhecimento acadêmico à cultura de benzimento praticada por lideranças espirituais, e ajudar a comunidade dele em São Gabriel da Cachoeira (AM). O curso é o mais concorrido do 1º vestibular indígena da Unicamp.

Carlos Roberto Lima Orjuela, conhecido como Buá, pertence à etnia Tuiuka e quer fazer faculdade de enfermagem na Unicamp. — Foto: Fabricio Corsi Arias/G1

Buá, como ele é chamado no idioma nativo, e outros 610 inscritos farão a prova da universidade de Campinas (SP) no próximo domingo (2). Veja, abaixo, o perfil dos inscritos.

“A saúde aqui no município é precária. Quero ajudar nosso povo que sofre por causa dessa saúde”, diz o indígena com dificuldade para formular as sentenças na língua de um Brasil, que ele não domina.

Benzer e cuidar

Buá e os jovens da comunidade, localizada em uma vila bem próxima da região central da cidade, realizam semanalmente danças típicas da cultura Tuiuka para tentar manter vivos os costumes do próprio povo.

E é, também, bebendo nos saberes dessa cultura que ele pretende se formar e exercer o ofício na área de saúde.

“A minha visão é que, entre a cultura e a escolha do meu curso, se envolvem as duas coisas: a área de conhecimento e a cultura, que é o benzimento. Também através disso eu poderia praticar tanto a cultura quanto a área de enfermagem”, explica.

Carlos Roberto Lima Orjuela, conhecido como Buá, mora em São Gabriel da Cachoeira e quer unir a enfermagem com a cultura de benzimento ao prestar o vestibular da Unicamp. — Foto: Fabricio Corsi Arias/G1

Buá e os números

Buá representa bem o perfil dos vestibulandos do processo seletivo inédito da Unicamp.

Segundo dados da Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (Comvest), a maioria dos inscritos (283) tem entre 21 e 30 anos de idade. A maior parte é do sexo masculino (325). Em relação à escolha do curso, o mais procurado foi o de enfermagem (191). Foram inscritas 62 etnias diferentes. Veja os números:

Sexo

Idade

Etnias com mais inscritos

Vestibular Indígena

Curso Vagas Inscritos
Administração – noturno 2 56
Administração Pública- noturno 2 28
Arquitetura e Urbanismo- noturno 2 15
Artes Cênicas -integral 2 4
Artes Visuais- integral 2 5
Ciências do Esporte- Integral 1 6
Ciências Econômicas- integral 2 7
Ciências Econômicas- noturno 2 5
Ciências Sociais – integral 2 6
Ciências Sociais- noturno 2 6
Comunicação Social- Midialogia- integral 2 9
Dança- integral 2 5
Enfermagem- integral 2 191
Engenharia Agrícola – integral 2 14
Engenharia de Manufatura- integral 1 1
Engenharia de Produção- integral 1 8
Engenharia Elétrica- integral 2 21
Engenharia Elétrica – noturno 2 12
Estudos Literários- integral 2 0
Farmácia- integral 2 47
Filosofia- integral 2 7
Geografia- integral 2 6
Geografia- noturno 2 2
Geologia- integral- 2 8
História- integral 2 1
Letras-Licenciatura- integral 2 9
Letras-Licenciatura- noturno 2 6
Licenciatura Integrada Química/Física-noturno 3 7
Linguística- integral 2 9
Música: Licenciatura- integral 2 1
Nutrição- integral 1 37
Pedagogia- Licenciatura- integral 4 35
Pedagogia- Licenciatura- noturno 4 18
Tecnologia em Saneamento Ambiental- noturno 5 18
Total 72 610

Escola indígena

Buá concluiu o ensino médio no ano passado e é a primeira vez que ele presta um vestibular. A conclusão desta etapa em uma faixa etária superior a dos jovens brancos reflete as dificuldades enfrentadas pelos indígenas para avançar nos estudos.

Não por acaso, segundo a Comvest, a faixa etária dos vestibulandos indígenas é maior que a dos vestibulandos do processo tradicional.

Professora Tarcilda da Cruz Lopes, da etnia Tukano, leciona na comunidade Ilha das Flores, em São Gabriel da Cachoeira (AM). — Foto: Lana Torres/G1

Em São Gabriel da Cachoeira mesmo, na comunidade conhecida como Ilha das Flores, distante da cidade uma hora de voadeira (barco motorizado) pelo Rio Negro, apenas dois professores são responsáveis pela educação das 20 famílias do entorno em todas as séries do ensino fundamental.

As aulas acontecem em malocas – espécies de cabanas construídas com material semelhante a palha -, em salas de madeira ou em salões improvisados.

“Na área de ciências exatas, eu pego o assunto que pode realizar o mesmo assunto em cada série. Na área de português, faz assim: explica de uma forma igual, mas, nas atividades, diferencia. E assim a gente vai tocando. E é muito pesado”, conta a professora Tarcilda da Cruz Lopes.

Professora Tarcilda da Cruz Lopes e mais um único professor ensinam alunos da comunidade em todas as séries do ensino fundamental, em São Gabriel da Cachoeira (AM). — Foto: Lana Torres/G1

Tarcilda é da etnia Tukano e leciona diariamente em uma mesma sala para alunos com até 11 anos de diferença de idade.

Segundo entidades representativas do setor de educação e pesquisadores da região, o desafio de Tarcilda na Ilha das Flores não representa uma exceção.

Menina estuda na escola da comunidade indígena Ilha das Flores, na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM). — Foto: Lana Torres/G1

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