Por Jair Viana
Redação Publicado em 11/06/2021, às 00h00 - Atualizado às 11h18
Por Jair Viana
Um contrato bilionário prorrogado pelo governador João Doria (PSDB), foi suspenso por uma liminar do Tribunal de Justiça Paulista por violar a Constituição Federal e a lei de licitações. O contrato que envolve R$ 22,6 bilhões foi prorrogado mantendo como concessionária a Metra Sistema Metropolitano de Transportes, que explora o serviço de 1997.
O contrato tem como objeto o corredor de ônibus estilo BRT que vai ligar a rede metroviária da capital às cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, no ABC Paulista. A obra, contratada sem nova licitação, está no rol das promessas de campanha do governador Doria.
Na decisão que suspendeu o contrato, o Desembargador Marrey Uint explica: “Embora este Relator, em primeiro momento, tenha atinado com a legitimidade formal dos atos administrativos adotados com o objetivo de manutenção do serviço de transporte coletivo no Estado de São Paulo (a fim de evitar solução de continuidade), fato é que, em avanço criterioso ao conteúdo do artigo 175 da CF e à lei de regência e princípios informativos do direito administrativo, bem como em contraste à legislação estadual, não é possível que se realize prorrogação do contrato de parceria público-privada por período superior ao limite legal estabelecido no artigo 5º, I, da Lei nº 11.079/2004, suprimindo a realização de procedimento licitatório próprio”.
Em outro trecho da decisão, Uint observa que o contrato já se arrastava de longa data e sua prorrogação não tem respaldo legal. “Cumpre notar que, em breve histórico, a empresa privada Metra – Sistema Metropolitano de Transportes Ltda. possui a concessão de uso do sistema viário de transporte coletivo intermunicipal por ônibus e trólebus no Corredor Metropolitano São Mateus/Jabaquara, derivada de contrato administrativo lavrado em 1997 (Contrato de Concessão EMTU/SP nº 020/1997), sob a égide da então Lei Geral de Licitações nº 8.666/1993 e, em específico, da Lei de Concessões nº 8.987/1995.”, diz.
O projeto foi iniciado no governo Geraldo Alckmin (PSDB) levando o metrô até o ABC Paulista, o que se daria por um monotrilho. O projeto original chegou a ser assinado em 2018, mas nunca saiu do papel. A obra seria executada pela Metra Sistema Metropolitano de Transportes, empresa que opera a rede de trólebus que já existe no ABC, ligando Santo André, São Bernardo e Diadema até a Estação Jabaquara, da Linha 1-Azul do Metrô.
Em março, o Governo de São Paulo assinou um novo termo aditivo ao contrato de concessão da empresa, que se arrastava há 23 anos. Por um prazo adicional de 25 anos, a Metra levou, sem processo licitatório, a continuidade da concessão existente que resultou no monopólio do transporte intermunicipal de ônibus nas sete cidades que compõem o ABC, que têm 2,5 milhões de habitantes, e o direito de construir e operar o BRT.
A empresa que vencer a futura licitação ficará com a receita vinda da venda das passagens do transporte e poderá explorar comercialmente os terminais rodoviários que gerenciar. Em troca, além de requalificar o trólebus existente, terá de viabilizar o prometido BRT – obra estimada em R$ 860 milhões, a ser executada integralmente pela Metra.
A Metra, que tem no comando em empresário João Antonio Setti Braga, um dos empresários de ônibus do ABC que, em 2002, tem um histórico de cheio de problemas. Setti Braga chegou a admitir pagamento de R$ 2,5 milhões, cerca de R$ 7,1 milhões, em propinas à Prefeitura de Santo André, na gestão de Celso Daniel (morto em janeiro daquele ano), para operar na cidade. Ele não chegou a ser indiciado. Decreto publicado por Doria, ainda em março, previu que a empresa poderia usar o contrato do Governo como garantia no sistema bancário para contrair financiamentos para a empreitada.
DEZ ANOS – Para o desembargador Marrey Uint, esticar a vigência do prazo contratual até 2046 não encontra amparo legal. “… embora já vigente o contrato de concessão celebrado inicialmente por 25 anos, a ele deve se aplicar a regulamentação global constante do artigo 5º, I, da Lei 11.079/2004, a fim de que não se estenda de maneira desproporcional no tempo: Art. 5º As cláusulas dos contratos de parceria públicoprivada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: I o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação; (…). (grifos nossos) Em vigência por período superior a 20 anos, a concessão alcançará seu prazo inicial em 2022, aos 25 anos, e, portanto, o contrato poderia ser prorrogado, observadas suas disposições internas, por apenas por mais 10 anos.”
O governo afirma que optou por esse modelo para viabilizar a obra porque “apresentou-se como de maior vantagem em benefício da população”. A decisão foi aprovada pelos Conselhos de Desestatização e do Programa Estadual de PPPs.
Entendendo que a suspensão do contrato não oferece prejuízo ao Estado, o desembargador Marrey Uint acatou o pedido do empresário Alceni Salviano da Silva, concedendo a tutela antecipada, suspendendo a renovação do contrato da Metra com o governo paulista até o julgamento do mérito.
O Diário não conseguiu posição do Governo e da empresa sobre a decisão do Tribunal de Justiça.