Fronteiras abertas, falta de testes, apagão de dados públicos, quarentenas descumpridas e desavenças entre autoridades. Uma sucessão de erros levou o Brasil à
Redação Publicado em 21/06/2020, às 00h00 - Atualizado às 13h18
Fronteiras abertas, falta de testes, apagão de dados públicos, quarentenas descumpridas e desavenças entre autoridades. Uma sucessão de erros levou o Brasil à marca de 50.058 mil óbitos pela Covid-19, segundo o consórcio de imprensa formado por O GLOBO, Extra, Folha de S.Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo.
A doença já havia deixado um rastro de tragédias bem antes de aterrissar aqui — segundo estudo da Unicamp, o país foi o último entre as 15 maiores nações do mundo acometidas pelo coronavírus.
Não faltaram exemplos internacionais sobre como evitar — ou, ao menos, amenizar — a multiplicação de óbitos no Brasil. Hoje estável em diversas regiões do país, o índice de mortes pode, de acordo com especialistas, voltar a subir nas próximas semanas, com a abertura de serviços em grandes centros urbanos, como Rio e São Paulo.
— A Argentina fechou suas fronteiras e registrou menos de mil mortes. O Brasil é um país muito maior e esta operação seria mais complicada, mas poderia ter sido feita, ao menos, nos aeroportos de Rio e São Paulo, com centros de controle para testagem de passageiros — diz o pesquisador Alessandro Farias, coordenador da força-tarefa da Unicamp contra a Covid-19.
A escassez de testes impediu um panorama efetivo do alastramento da doença no país.
— O Brasil optou por concentrar os exames em pacientes suspeitos ou em estado grave. Assim, temos uma taxa de testes positivos superior a 30%. Em muitos países, este índice é de 5%, porque há testes para examinar mais pessoas — explica. — A subnotificação aqui é fenomenal. Estima-se que a taxa de óbitos seja pelo menos cinco vezes maior do que a notificada oficialmente.
Farias adverte que mesmo os casos bem-sucedidos de quarentena podem sofrer revezes, o que implicaria em restringir novamente a circulação de pessoas:
— Muitos governos sucumbiram ao lobby econômico e à pressão da população e permitiram a reabertura dos serviços antes da hora. O aumento do número de infecções pode pressionar novamente a necessidade de leitos de UTI. O ideal é que menos de 80% deles estejam desocupados, e esta não é a realidade em diversos locais do país — alerta.
Farias ressalta que a comunidade científica ainda conhece muito pouco sobre o Sars-CoV-2. Entre suas características preocupantes está o alto tempo em que permanece no organismo — até 21 dias — e o fato de que não precisa passar por muitas mudanças até atingir o sistema imunológico. É, como define, um vírus “muito bem-sucedido”. A ocorrência de uma “segunda onda” é provável — sua duração e gravidade, desconhecidas.
Doutor em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Paulo Petry sublinha a alta taxa de contágio do Sars-CoV-2. No Brasil, cada infectado chegou a transmitir o vírus para até três pessoas, segundo estudo do Imperial College de Londres.
— O distanciamento é fundamental para o achatamento da curva epidemiológica. Mas enfrentamos problemas, como a aglomeração nas periferias — lamenta.
O “descontrole governamental”, segundo Petry, também impulsionou a curva de óbitos. É referência a declarações como a do presidente Jair Bolsonaro, que comparou a Covid-19 a uma “gripezinha”, e protagonizou embates com prefeitos, governadores e os próprios ministros.
Desavenças com Bolsonaro levaram às saídas de Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich do comando do Ministério da Saúde. A pasta é agora ocupada por um interino, Eduardo Pazuello, militar que não tem experiência na área. Uma das marcas do início de sua gestão foi o “apagão” de informações do portal do governo sobre o coronavírus. Pesquisadores protestaram contra o sumiço de dados sobre o histórico da pandemia no país.
— Houve uma tentativa de apagar os dados, fundamentais para gerar informações científicas e políticas públicas — explica Petry. — Estamos pagando com vidas o baixo investimento em pesquisas e o equipamento precário do SUS. Com investimento, dependeríamos menos do insumo e da tecnologia estrangeiras para atender os pacientes.
O epidemiologista estima que, com o início do inverno, a taxa de mortalidade provocada por doenças respiratórias graves pode até quadruplicar no Sul do país, uma prova de que a pandemia ainda está longe de um fim.
Na casa da professora Márcia de Paiva, de 58 anos, em Petrópolis, o coronavírus provocou um estrago avassalador. Ela, o marido, o irmão e a mãe contraíram a Covid-19 — a mãe, Maria Lúcia, de 85 anos, faleceu.
— No começo, pensávamos que era gripe ou dor de garganta. Mas depois senti falta de ar, perdi o apetite, quase desmaiei porque não comia. Meu irmão queria me levar ao hospital para tomar soro, mas eu não quis, tinha medo de me contaminar — lembra Márcia.
Ao fazer o diagnóstico, o médico recomendou que a professora tomasse cloroquina. Márcia recusou, por temer os efeitos colaterais.
— É triste ver a dimensão que a doença pode ter. Vejo pessoas sem máscara na rua. Só vão sentir a dor quando a doença chegar às famílias.
IG
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