O mundo aguarda com ansiedade a chegada das Olimpíadas de Tóquio, cuja cerimônia de abertura será realizada em menos de com dias, a 23 de julho. Mas quem quiser entender o que a megalópole futurista, das luzes e movimentos, vai proporcionar a atletas e espectadores pode extrair excelentes impressões do passado.
A capital japonesa já tinha cara de século 21 mesmo antes da virada do milênio, e isso ficou amplamente demonstrado na primeira vez que a cidade recebeu os Jogos Olímpicos, em 1964. O evento foi um marco da reconstrução japonesa e o encontro do país com características que o definiriam nas décadas seguintes, como a vocação para a tecnologia, engenharia e inovação.
Em uma série de três episódios, o ge e o Esporte Espetacular contam como o fato de ter se tornado uma cidade olímpica catapultou Tóquio e o Japão a uma era de modernização sem precedentes.
Tóquio é nasceu – ou renasceu – das cinzas. Entre 1923 e 1945, foi quase que totalmente arrasada duas vezes. Primeiro, por um grande terremoto. Duas décadas depois, por intensos bombardeios durante a Segunda Guerra Mundial que ajudaram a consumar a derrota do Eixo (Alemanha, Japão e Itália) para os Aliados – as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, marcaram o fim do conflito e representam, até hoje, a destruição do Japão.
![Cerimônia de abertura de Tóquio 1964 — Foto: Getty Images](https://i2.wp.com/s2.glbimg.com/_-yjYCzct_vbAMZbE0qtCkR9hmE=/0x0:1060x868/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_bc8228b6673f488aa253bbcb03c80ec5/internal_photos/bs/2019/Z/v/cnKOKPTHKvQRAeHgOwdw/toquio-1964-getty.jpg?resize=647,530&ssl=1)
Cerimônia de abertura de Tóquio 1964 — Foto: Getty Images
Os bombardeios em Tóquio, entre 1944 e 1945, fizeram com que mais de 70% da cidade queimasse. E estimativas apontam que mais de 200 mil japoneses foram mortos na campanha aérea.
– 1945 foi terrível. O Japão perdeu a Guerra e foi ocupado por uma nação estrangeira pela primeira vez na história. O país estava devastado economicamente, fisicamente, psicologicamente. Boa parte da juventude foi perdida. As pessoas passavam fome e não tinham trabalho – afirmou o escritor Roy Tomizawa.
A situação só começou a mudar após a rendição japonesa, que selou uma aliança com os Estados Unidos que possibilitou a reconstrução do país. Em pouco tempo, a terra arrasada virou canteiro de obras, e Tóquio começou a ganhar os contornos que a tornaram conhecida mundialmente.
– O crescimento econômico nos anos 1950 e início dos 1960 foi enorme, com investimentos em Tóquio incrivelmente altos. Vieram linhas de trem, rodovias, infraestrutura. O trem bala, por exemplo, cujo projeto já existia antes. Mas, quando o Japão ganhou o direito de realizar os Jogos Olímpicos, acabou sendo um feliz casamento. Tudo aconteceu na hora certa – disse Tomizawa, um americano de origem japonesa que escreveu um livro em que analisa a primeira edição dos Jogos Olímpicos na Ásia.
O ano de 1964 entrou para a história do Japão como o das novidades. O trajeto entre o aeroporto e o centro de Tóquio ganhou um monotrilho, que funciona até hoje. Outro símbolo de inovação foi o shinkansen, o trem de alta velocidade – na época o mais rápido do mundo – e que começou a circular na época dos Jogos.
![Cerimônia de encerramento de Tóquio 1964 — Foto: KEYSTONE-FRANCE/Gamma-Rapho via Getty Images](https://spdiario.com.br/media/uploads/legacy/3/f/c44cf36b7034b38af77eefe4d12e5c5183fa025e.jpg)
Cerimônia de encerramento de Tóquio 1964 — Foto: KEYSTONE-FRANCE/Gamma-Rapho via Getty Images
– Todo mundo só falava do trem bala. Nossa equipe viajou no segundo dia de funcionamento da nova linha. Fomos de Tóquio para Nagoya e fiquei muito impressionado. Era muito mais rápido do que estávamos acostumados – contou o ex-ginasta medalhas olímpico Shuji Tsurumi.
Tóquio 1964 também representou a primeira vez que as Olimpíadas foram transmitidas ao vivo, via satélite, para a Ásia, América do Norte e Europa. O mundo viu um Japão moderno e arrojado.
Outro trunfo foram as instalações esportivas, com linhas arquitetônicas que chamavam a atenção como em ginásios como o Yoyogi, com seu telhado em forma de chapéu de samurai, e grandes parques e estádios.
Muitos dos quais, por sinal, serão reutilizados na edição de 2020 das Olimpíadas de Tóquio. Cinquenta e sete anos depois, os dois Jogos Olímpicos da capital japonesa guardam inúmeras semelhanças em inovação, pioneirismo e reconstrução, como se a história estivesse sendo reescrita.
O megaevento de 1964 marcou o deslocamento do eixo europeu da disputa. Antes daqueles Jogos, houve 14 edições olímpicas, 11 delas na Europa. Depois de Tóquio, nas 14 Olimpíadas seguintes, apenas cinco aconteceram no continente europeu.
![Construção do estádio Yoyogi, com teto em forma de chapéu de samurai — Foto: Smith Collection/Gado/Getty Images](https://spdiario.com.br/media/uploads/legacy/9/d/9fb3b3a9d6870a63905ca723050841d6f68cd2ef.jpg)
Construção do estádio Yoyogi, com teto em forma de chapéu de samurai — Foto: Smith Collection/Gado/Getty Images
As inovações foram da tecnologia à engenharia, passando, é claro, pelo esporte.
– Eu comecei a jogar em 1967, e já sabia que o Japão tinha sido campeão olímpico no [vôlei] feminino e lógico que era um esporte de elite no país. Aqui, no Brasil, o vôlei estava caminhando, engatinhando, dando seus primeiros passos – relembrou o tricampeão olímpico José Roberto Guimarães.
O vôlei foi um dos esportes introduzidos naqueles primeiros Jogos no Japão. Uma outra modalidade que se provaria vitoriosíssima no Brasil também teve sua estreia naquela edição.
– Acredito que não só pelo judô ter nascido no Japão, por meio do sensei Jigoro Kano. Mas toda a disciplina, toda a história, postura, tudo tem muito a ver com a cultura japonesa – disse a ex-judoca olímpica Vânia Ishii, cujo pai, Chiaki, um japonês, ganhou a primeira medalha olímpica do judô brasileiro.