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Brasil sem internet?

Construção de usina na praia no CE ameaça "derrubar" internet no Brasil; entenda

As empresas de banda larga afirmam que a obra traz risco aos cabos submarinos que ligam o Brasil à rede mundial de computadores

As empresas de banda larga afirmam que a obra trás risco aos cabos submarinos que ligam o Brasil à rede mundial de computadores - Imagem: Reprodução/Site: www.ceara.gov.br
As empresas de banda larga afirmam que a obra trás risco aos cabos submarinos que ligam o Brasil à rede mundial de computadores - Imagem: Reprodução/Site: www.ceara.gov.br

Ana Rodrigues Publicado em 29/09/2023, às 10h23


Um embate entre o governo cearense e as operadoras de banda larga e data centers começou após o anúncio da construção da maior usina de dessalinização de água do mar do país, em Fortaleza. As empresas afirmaram que há risco aos cabos submarinos que ligam o Brasil à rede mundial de computadores.

Segundo matéria do UOL, o principal problema foi o local escolhido. A obra será feita na Praia do Futuro, onde chegam 17 cabos e está a segunda maior hub do mundo de sistema ópticos submarinos, atrás apenas de Marselha, na França. Segundo o Ministério das Comunicações, 99% do tráfego da internet do Brasil passa por esse hub. Onde também atende países vizinhos e até mesmo a África.

O governo cearense ainda afirmou que não há mais como mudar o local da obra, porém falam que não há qualquer risco. Já as empresas dizem que, se não houver relocação há um risco de "apagão" de internet no país. O governo federal vê o impasse com grande preocupação.

A cidade de Fortaleza foi escolhida justamente por possuir uma logística estratégica para o setor por estar mais próxima dos Estados Unidos, onde está o grosso dos dados de internet do mundo.

A obra pode gerar apagão de internet no país porque não está se colocando uma usina onde tem um cabo, mas onde tem um hub todo! Hoje, ninguém pensa em chegar com internet no Brasil por outro caminho que não seja o de Fortaleza", afirmou Luiz Henrique Barbosa, presidente executivo da TelComp, entidade que representa operadores de telefonia, banda larga e acesso à internet; TV por assinatura e data centers.

Caso haja um dano de cabo, um conserto pode levar semanas, diz Luiz, o que causaria no mínimo uma redução de tráfego de dados durante o período. Ele ainda afirmou que o setor não vê problema em ter a usina na cidade, mas questionou a escolha do local.

Se a gente voltasse 20 anos e já tivesse a usina, nenhuma companhia escolheria colocar cabo lá porque haveria unidade industrial. Essas áreas são escolhidas justamente por serem ideais para investimentos. Falamos de valores bilionários."

O projeto já sofreu algumas alterações. Inicialmente, o projeto previa dois dutos de captação e emissão dos resíduos instalados a uma distância de 40 e 50 metros dos cabos. Atendendo a solitação feita pelo setor, o governo cearense ajustou, e agora a obra prê dutos com distâncias superiores a 500 metros. Luiz, entretanto diz que só isso não é suficiente para dar segurança, porque haverá cruzamento de tudos na área terrestre.

Estamos falando de obra em escala industrial."

Em média, os cabos submarinos têm uma vida útil de 20 a 25 anos. Os primeiros que chegaram a Fortaleza estão em sua fase final e devem ser substituídos em breve. Mas, há outros mais recentes, que estão no início de operação. Há ainda três projetos de novos cabos para chegar ao Brasil, que ainda estão em andamento.

Para ele, caso a obra seja feita mesmo no local, Fortaleza pode ser deixada de lado, e os empresários vão buscar outros pontos.

Hoje, Fortaleza é um parque tecnológico, e isso levou diversas empresas a se instalarem lá. São mais de 40 mil empregos diretos. Causa um desconforto muito grande fazer o projeto lá; de alguma forma, macula a região. O governo está colocando tudo a perder por um projeto mal concebido", falou Luiz.

Apesar disso, o governo do Ceará não vê risco. O presidente da Cagece (Companhia de Água e Esgoto do Ceará), Neuri Freitas, afirmou que, a reclamação das empresas ocorre fora de hora, visto que o projeto começou a ser estudado em 2017, passou por debates, consultas e audiências públicas.

Agora, quando a gente tem a licitação concluída e a ordem de serviço emitida, as empresas falam que não pode ter a obra lá? É intempestivo", informou Neuri.

Ele lembrou que o governo cearense já mudou o projeto atendendo a empresas e mudando o local dos dutos. Para isso, usou como referência dados internacionais que orientam uma distância de pelo menos 500 metros. A distância hoje, é de mais de 560 metros. Só para alterar o projeto, o governo disse que, precisou refazer estudos, o que atrasou o início da obra em um ano e elevou os custos da planta em R$35 milhões. 

Uma obra distante de Fortaleza necessitaria fazermos uma adutora para trazer a água, e isso custaria muito mais. Hoje a planta está orçada em R$ 520 milhões, e esse valor poderia subir 30%. E mesmo assim não adiantaria, porque a tubulação tem de entrar na cidade."

Ainda falando sobre o cruzamento de cabos na área terreste, Neuri afastou qualquer risco. Disse que no local já há, por exemplo, tubulação de 1.000 milímetros de espessura, que é do tamanho que será colocado na área terrestre.

Esse argumento é absurdo. Hoje quem entrega água e coleta esgoto para os data center somos nós. Já há obras e interferência de dutos, não só nossos, mas de gás e de energia, além de um gasoduto da Petrobras. O que parece é que eles querem a praia do Futuro só para cabos de fibra ótica, uma reserva de mercado", afirmou Neuri Freitas.

Após ser procurada pela UOL, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), afirmou que está acompanhando o caso e esta promovendo um evento em Fortaleza, para debater a obra e a importância dos cabos.

Lembrando que há um Decreto nº 9.573/2018, que institui Política Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas, protege instalações e sistemas "cuja interrupção ou dano, total ou parcial, resulta em sérios impactos nas esferas social, ambiental, econômica, política, internacional e na segurança do Estado e da sociedade." Já o Ministério das Comunicações diz que "está atento e acompanha de perto a discussão a respeito da construção da usina".

Também está ciente do receio das entidades e defende que "qualquer situação que gere impacto deve ser profundamente discutida, analisada e avaliada para a construção das melhores soluções para a preservação do hub internacional de Fortaleza".

Atuam nas discussões, o MCom, a Anatel, a SPU [Secretaria de Patrimônio da União], a Marinha, o governo do Ceará, além dos consórcios que operam os cabos, as entidades do setor, no sentido de construir um ambiente seguro e sem riscos para as infraestruturas".

O Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel, Celular e Pessoal também disse à coluna que acompanha as discussões e as empresas manisfestam preocupação com os riscos apontados pela área técnica da Anatel.

As empresas reforçam ainda a importância de se manter a integridade dos cabos submarinos para a disponibilidade de todo ecossistema de telecomunicações do nosso país e manutenção da comunicação do Brasil na internet".

A usina está esperando o licenciamento ambiental e liberação da SPU e a empresa vencedora da PPP (parceria público-privada) fará um investimento de R$520 milhões na planta, mais R$2,5 bilhões para a manutenção e operação do sistema por 30 anos.  Com a obra, será fornecido água para abastecer cerca de 700 mil pessoas da capital, mas deve ajudar todo o estado, já que a água que abastece a capital cearense - que não tem mananciais - vem do interior.

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