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COLUNA

Das antigas paixões ao crush contemporâneo – amor, uma história que se repete

O Beijo, de Gustav Klimt - Imagem: Divulgação
O Beijo, de Gustav Klimt - Imagem: Divulgação
Marlene Polito

por Marlene Polito

Publicado em 08/10/2024, às 08h07


Uma viagem pelo tempo

As pessoas amam de formas diferentes. Podem amar de um jeito ou de outro, mas podem também até vivenciar todas as possibilidades de amor ao mesmo tempo. Algumas são instintivas, primárias, a própria natureza no sentido mais rústico; outras levam em conta a reciprocidade, o dar e receber; há aquelas, ainda, que privilegiam a entrega total, pensando mais no bem-estar daqueles com quem convivem.

Para compreendermos as formas de cortejar e as diferentes concepções de amor, precisamos olhar para trás, para as sociedades que nos antecederam. Cada época, cada contexto histórico, deixou sua marca nas ideias sobre o amor e a sedução.

Na Antiguidade, o amor era concebido pelos gregos de maneira diversa: Eros, o desejo ardente, movia homens e deuses, como no caso de Helena de Troia e Páris. Eros representava o impulso primitivo e instintivo de união, um anseio profundo que muitas vezes beirava o irracional, já que era visto como uma força poderosa e imprevisível, capaz de inspirar grandes feitos, mas também de levar ao desespero.

Philia era o amor fraternal, marcado pela amizade, pela lealdade e pelo afeto mútuo. Era um tipo de amor fundamentado na reciprocidade, na confiança e na busca pelo bem-estar do outro, sendo considerado uma das formas mais nobres de conexão humana.

Agape se referia a um amor que transcendia interesses pessoais e se preocupava com o bem-estar do outro de forma genuína e abrangente. Era um amor espiritual e universal, frequentemente ligado ao amor divino ou ao amor pela humanidade.

Esses conceitos gregos de amor — eros, philia e agape — não influenciam apenas a linguagem, mas também moldam nossas expectativas sobre as relações humanas.

Eles fornecem um meio para categorizar sentimentos e tipos de relacionamento, definindo como enxergamos e o que esperamos das conexões que estabelecemos.

Os romanos, por outro lado, eram mais práticos em suas relações amorosas. O amor estava profundamente associado à virtude e à honra familiar. O conceito de virtus, um dos motores da sociedade romana, englobava qualidades como coragem, disciplina e lealdade, aplicáveis tanto à vida pública quanto às relações pessoais. Assim, o amor não era apenas um sentimento individual, mas uma responsabilidade social e um pilar da vida familiar e comunitária.

Com a queda do Império Romano, o amor assumiu novas formas na Idade Média. Surgiu o amor cortês, uma adoração quase sagrada pela dama, idealizado e distante, que raramente se consumava fisicamente, mas que era sublime e inspirador. Esse amor era retratado como uma experiência transformadora, que elevava o cavaleiro, levando-o a realizar feitos heroicos para merecer e honrar sua dama. Nas histórias de Rei Artur e a Távola Redonda, temos o amor de Lancelot e Guinevere, que, embora ilegítimo, era visto como nobre e elevado.

O Renascimento trouxe uma nova perspectiva ao amor, centrada na valorização do indivíduo. O sentimento passou a ser visto como algo pessoal e menos atrelado às convenções sociais. O ato de cortejar obedecia mais ao desejo do indivíduo, com menos formalidades, dando ensejo a encontros furtivos e ao desenvolvimento de uma intimidade mais espontânea.

Já na contemporaneidade, o ato de cortejar adquiriu características únicas. O avanço da tecnologia, as mudanças culturais e a influência do marketing social criaram um ambiente dinâmico e diversificado. Aplicativos de relacionamento, por exemplo, trouxeram uma nova forma de flertar e conhecer parceiros, tornando o processo mais rápido e aberto a diferentes formas de expressão. Hoje, cortejar não se limita ao olho no olho. A paixão, que antes dependia de encontros em bailes, agora se resolve com um deslizar de dedo na tela, enquanto as promessas de "match" criam uma nova visão sobre o destino.

Embora as formas de atuar sejam mais diretas e menos ritualizadas, ainda carregam influências do passado: dos gregos, que exaltavam o desejo como motor da vida, aos trovadores medievais que elevavam o amor a um ideal inatingível, passando pela paixão dos tempos modernos, até chegarmos aos dias atuais, em que as maneiras de amar se multiplicam e se reinventam, desafiando convenções e redefinindo limites.

O que nos leva, então, ao longo dos séculos, a buscar essa união incrível com o outro, essa necessidade de pertencimento e deslumbramento que nos transforma e nos eleva?

O valor simbólico na obra de Klimt e nos versos de Neruda

Essa essência parece transbordar no quadro de Gustav Klimt, em O Beijo. Os amantes, envoltos em um manto dourado, se dissolvem um no outro. Não é um nem outro, mas uma fusão de existências que vai além do físico, na aura que os envolve e os transforma em eternos, alienados de um tempo e espaço.

Assim como no abraço dourado de Klimt, Pablo Neruda, no Soneto XVII, transforma o amor em um espaço onde o 'eu' e o 'tu' não mais existem – há apenas o 'nós', inseparável e eterno.

"Te amo sem saber como, nem quando, nem onde, te amo diretamente sem problemas nem orgulho: assim te amo porque não sei amar de outra maneira. Tão perto que tua mão sobre meu peito é minha, tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho."

Mas, afinal, o que nos faz buscar essa entrega absoluta, essa fusão de almas?

Talvez, como Neruda, buscamos uma maneira de amar que transcenda o tempo e o espaço, que seja capaz de nos transformar e nos libertar. Talvez!

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