A torcida do São Paulo está “cresponizada”. É assim que a empolgação pelo trabalho de Hernán Crespo se manifesta nas redes sociais. Além das cinco vitórias, o time vem mostrando bom desempenho, venceu dois clássicos e promete para a estreia na Libertadores – o Tricolor encara o Sporting Cristal, nesta terça-feira, às 21h30.
O bom começo de ano tem tudo a ver com Crespo. O argentino mudou bastante o estilo de jogo de Diniz e fez algo que todo são-paulino gosta: usa o sistema de três zagueiros, que deu muito certo no tricampeonato brasileiro com o hoje coordenador Muricy Ramalho.
O esquema é um 3-4-1-2 bem nítido. Fundamental no tri e de volta ao clube, Miranda é o zagueiro da sobra, com Léo e Arboleda aos lados. Rodrigo Nestor, que encantou Crespo, faz uma dupla de volantes com Luan. Já nas alas, o argentino colocou Daniel Alves pela direita – e o camisa 10 brilhou em mais uma vitória contra o Palmeiras no Allianz Parque.
Crespo implementa o 3-4-1-2 no São Paulo, com três zagueiros de origem — Foto: Reprodução
Vale lembrar que o 3-4-1-2 já era usado por Crespo no Defensa y Justicia, e Muricy usou pouco o sistema em suas últimas passagens como técnico. O motivo dos três zagueiros, aqui, têm tudo a ver com o modelo que Hernán implementa: um time que trabalha a bola, força o jogo pelos lados e marca sempre em cima.
Zagueiros têm papel fundamental no ataque: conduzem e armam
Crespo sempre diz nas coletivas que a melhor forma de enfrentar uma defesa fechada é “jogar largo”. Para isso, os alas do São Paulo estão sempre abertos. Colados na linha de fundo, com a dupla de volantes por dentro. É uma maneira do time se espalhar e garantir que Igor Gomes e Luciano não tenham que buscar tanto a bola, ou que Luan não precise recuar até a linha de zagueiros – ou do goleiro, como era com Fernando Diniz.
Com os três zagueiros, os meias e atacantes não precisam voltar para buscar a bola — Foto: Reprodução
Alargar o campo, como Crespo quer, também depende dos zagueiros. Algo marcante nesse início de trabalho é como Léo e Arboleda funcionam como armadores quando o São Paulo tem a posse de bola. Eles não ficam só atrás: conduzem a bola, procuram os companheiros e muitas vezes geram triangulações pelos lados, como na imagem.
Observe como o time todo se volta ao zagueiro. E como Pablo, titular com Crespo, não precisa voltar ou se movimentar. Tudo está conectado: os zagueiros encontram os meias numa faixa entre as linhas do adversário, e Pablo faz o papel dele, de prender a defesa ou jogar de costas. O time fica mais direto e prensa mais o oponente em seu próprio campo, como foi contra Guarani e Bragantino.
Léo e Arboleda, que jogam bem com os pés, muitas vezes avançam e criam triangulações — Foto: Reprodução
Liberdade aos alas, que entram na área
Zagueiros conduzindo, jogando direto com os atacantes, Nestor e Luan como articuladores, mais atrás. Sobram os alas, que têm função fundamental com Crespo: eles ajudam o time a atacar melhor. Podem ficar bem abertos, alargando o campo, até o adversário se desorganizar. Quando é hora de atacar e finalizar ao gol, Reinaldo e Daniel Alves podem se movimentar por todo o campo.
Reinaldo, que desperta sentimentos contraditórios na torcida, é o ala que mais apoia. O lado esquerdo do time é muito forte, com ele, Léo e Igor Gomes caindo por lá. Se a jogada está no outro lado, Reinaldo não fica preso ao lado: entra na área, como centroavante, para ser mais uma opção de finalização. O mesmo acontece com Igor no lado direito.
Reinaldo entra na área e ajuda o time a finalizar com mais qualidade — Foto: Reprodução
Os alas são tão importantes que Galeano e Wellington, reservas imediatos, foram fundamentais na vitória contra o Guarani.
A entrada de Daniel Alves como ala foi a surpresa na escalação contra o Palmeiras. Sua função foi diferente: ele continuou como armador, jogando como camisa 10 mesmo, mas saindo do lado direito e abrindo o corredor. Uma forma de confundir a marcação e permitir ainda mais movimentação a Igor Gomes e Luciano.
Crespo dá liberdade para os alas armarem o jogo – Dani foi quase um armador, mesmo ala — Foto: Reprodução
Sem a posse, marcação bem avançada e zagueiro no meio-campo
Outro ponto que salta aos olhos no início de Crespo é como o São Paulo é agressivo sem a bola. Dá para dividir a forma como o time se defende em duas etapas: a primeira é a marcação avançada, com o adversário ainda em seu campo de defesa. E a outra é com o time mais atrás, protegendo o próprio gol.
A primeira etapa é marcada por muita coragem e sufoco. Todos os adversários que o São Paulo enfrentou, com destaque para Santos e Palmeiras, tiveram imensa dificuldade de construir pelo avanço da linha de atacantes e meias na saída de bola. Até os zagueiros poderiam avançar e marcar quem recuasse, como Arboleda faz na imagem.
Marcação por pressão, no campo adversário, é uma das marcas do time — Foto: Reprodução
Marcar avançado assim era algo que nem sempre acontecia com Diniz. Aliás, uma das mudanças mais marcantes de 2019 para 2020 foi justamente na defesa: o São Paulo de Diniz gostava de esperar um pouco mais, ou variava: nos jogos contra o Flamengo, sufocava, mas em outros, esperava mais atrás e saía “quebrando linhas” com Brenner e Luciano, como o próprio Diniz citava.
Com Crespo, a marcação avançada é um dos pilares da equipe. A ideia é sempre induzir o adversário ao chutão, ou fazer a jogada terminar em falta. Se sai o chutão, os três zagueiros estão prontos para dar aquela cabeçada e afastar ou perigo ou retornar para Volpi.
Alejandro Kohan e Hernán Crespo em treino do São Paulo — Foto: Divulgação
E se o adversário supera essa marcação por pressão? Não fica perigoso, com pouca gente lá atrás?
A ideia é que o São Paulo tenha sempre três zagueiros e um volante, no caso Luan, para fazer essa cobertura. Se algo dá errado, então é hora de Miranda sair de trás e “caçar” o atacante de mais qualidade, ou aquele que prende a bola e aciona o pivô. É o que ele faz contra Luiz Adriano na imagem. E se não dá certo? Então o time todo volta e faz encaixes mais individuais, tentando o tempo todo roubar a bola.
Miranda é o zagueiro da sobra e muitas vezes “caça” o atacante mais perigoso do outro lado — Foto: Reprodução
A consistência defensiva do São Paulo na temporada vem muito desse plano mais detalhado de Crespo para lidar com a defesa. Havia a ideia que Diniz focava muito no ataque e, muitas vezes, o time ficava sem comportamentos bem definidos quando não tinha a posse.
Já com Hernán, há um plano para tudo: ao marcar pressão, marcar no meio ou se encolher no próprio campo. E como visto contra o Guarani, o modelo é o mesmo aos reservas: mesmo esquema, mesmo jeito de atacar e defender. Necessário para a cruel maratona de abril: o Tricolor fará mais quatro jogos nos próximos onze dias.
O presidente Julio Cazares promoveu várias mudanças: de direção, comando técnico e preparação. Trouxe vários ídolos de volta, como Zetti e Muricy, e apostou em um técnico ainda inexperiente, com novas contratações, para remontar o elenco. O objetivo é o título do Paulistão, que não vem desde 2005.
Tudo pode acontecer. Mas que fazia tempo que o torcedor não via um desempenho tão bom….muito por conta das ideias de Hernán Crespo, o resgate dos três zagueiros e um time “cresponizado” no início de 2021.