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Xô, censura. Você também anda com medo de externar suas opiniões?

Reinaldo Polito

Xô, censura. Você também anda com medo de externar suas opiniões?
Xô, censura. Você também anda com medo de externar suas opiniões?

Redação Publicado em 05/09/2021, às 00h00 - Atualizado às 11h38


Reinaldo Polito

Xô, censura. Você também anda com medo de externar suas opiniões?

Eu vivi o movimento de 64. Dos dois lados. Ainda garotão, participava de passeatas lá em Araraquara, no interior de São Paulo, minha cidade natal. Escrevi e representei peças de teatro. Fazia manifestações dentro e fora da Faculdade de Ciências e Letras. Era “um revolucionário”. Na verdade, nem sabia contra quem eram as nossas críticas. Os líderes estudantis diziam que éramos contra os imperialistas americanos, contra a burguesia, contra os militares, contra a repressão. Ok, então viva Che Guevara, viva la revolucion!

Descobrimos depois que havia alguns manifestantes que eram infiltrados do governo. Ficavam de olho para ver quem eram os participantes festivos, e quem eram os que efetivamente queriam pegar em armas e derrubar o sistema.

Por outro lado, na mesma época também servi o Tiro de Guerra. Nas instruções diárias éramos alertados sobre os perigos que a esquerda representava ao tentar tomar o poder pela força. O sargento contava, com detalhes, como aqueles revolucionários haviam sido treinados para a guerrilha, muitos deles em Cuba, como era o caso de José Dirceu.

Até hoje me lembro do temor que eu e os meus colegas sentíamos ao ficar de sentinela à noite em frente ao quartel. Nós colocávamos cordas a mais ou menos cinco metros de distância do prédio com receio de que fôssemos atacados de madrugada pelos “terroristas”. Era assustador. Todo veículo que passava era suspeito.

Os comandantes alertavam: cuidado com esse pessoal da guerrilha, eles não medem consequência. Não se esqueçam de que temos armas aqui dentro do quartel, e é exatamente o que eles procuram. Em seguida baixavam a temperatura da conversa: fiquem mais atentos ainda para não enxergar assombração em todo lugar. Não me saiam por aí dando tiro na sombra. E nós, com dezoito aninhos, sem saber bem como agir. Afinal, era para desconfiar ou não?

O que mais me marcou nesse período foi a falta de liberdade de expressão. Não se podia fazer reuniões, pois esses encontros eram considerados subversivos. Censuravam os jornais. Era comum as edições aparecerem com receitas de bolo ou com versos de Camões estampados na primeira página. Um sinal de que as notícias haviam sido cortadas pelos censores.

O que vejo hoje, com a reserva das proporções devidas, não é muito diferente. A cada dia, mais e mais pessoas são repreendidas pelo que dizem ou escrevem. Alguns têm suas páginas retiradas do ar pelo Twitter ou pelo Youtube. Outros são desmonetizados por causa das matérias que levaram ao ar. Acompanho quase todos e sei que alguns foram penalizados injustamente. A Bárbara, do Te Atualizei, por exemplo, sempre teve o cuidado de reproduzir notícias da grande mídia, e emite opiniões sobre o que a imprensa publicou. O que fizeram com o canal dela, tirando seu ganha-pão, foi um ataque sem limite. Quase todos os jornalistas foram solidários a ela.

Acho até que estamos vivendo um momento de censura mais acentuada. Conseguiram colocar medo na cabeça das pessoas. Muitos de meus amigos ficam com receio de externarem suas opiniões. Eu mesmo, que escrevo praticamente todos os dias, analiso diversas vezes os meus textos para me certificar de que não estou correndo nenhum tipo de risco.  Não foram poucas as oportunidades em que apaguei meus artigos temendo que pudesse sofrer algum tipo de represália. Até a família entrou nessa paranoia. Estão sempre perguntando se continuo tomando cuidado com as minhas opiniões. E essa preocupação vem acompanhada de um exemplo de alguém que foi preso por dizer o que pensava.

Fico imaginando até quando iremos viver assustados, sempre pensando que as opiniões que emitimos poderão nos prejudicar. E, como já aconteceu com vários brasileiros, até com a privação da liberdade.

Em 64, afora aqueles que estivessem participando ativamente dos grupos revolucionários, não me lembro de alguém ter receio de opinar sobre os temas que nos envolviam no dia a dia. Essa falta de liberdade, com a censura imposta pelas autoridades e até pelos responsáveis pelas mídias sociais, torna a população inibida, desorientada, sem perspectivas. Aspirar pela liberdade de expressão é o mais legítimo sonho do ser humano. Apenas nos regimes totalitários os cidadãos têm esse direito reprimido. Vivemos em um país livre, e desejamos que todos nós possamos usufruir dessa liberdade. Xô, censura. Siga pelo Instagram @polito

Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão Corporativa e Gestão de Comunicação e Marketing na ECA-USP. Escreveu 34 livros com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no [email protected]

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