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Vítimas da prótese francesa PIP: mulheres relatam ‘pesadelo’ após implante de silicone

“O sonho que eu tive em 2008 se mostrou um pesadelo”. A frase, dita pela professora Maria Cristina Geremias Martins, de Guarapuava (PR) sintetiza a sua

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Redação Publicado em 30/05/2021, às 00h00 - Atualizado às 09h54


O número de vítimas no mundo é estimado em 400 mil pessoas. No Brasil, a Anvisa suspendeu o uso dos implantes em 2012.

“O sonho que eu tive em 2008 se mostrou um pesadelo”. A frase, dita pela professora Maria Cristina Geremias Martins, de Guarapuava (PR) sintetiza a sua relação com as próteses de silicone da marca francesa Poly Implant Prothèse (PIP), que utilizava silicone industrial, em vez do gel Nusil autorizado pelas agências de saúde e que a companhia dizia aplicar.

Mulheres que utilizaram as próteses feitas com silicone industrial relataram, mesmo em casos imperceptíveis de vazamento, reações alérgicas, mastite e suspeitas de câncer.

Entre 2001 e 2010, um milhão de próteses de silicone para implantes mamários foram vendidas — muitas delas na América Latina. A quantidade de vítimas no mundo é estimada em 400 mil pessoas.

A empresa fabricante das próteses, fundada em 1991 no sul da França, declarou falência após o escândalo que denunciou a substância com que eram feitas as próteses. Em 2019, com a morte do fundador da fabricante, o processo contra a produtora das próteses se encerrou.

No último dia 20 de maio, a Justiça francesa decidiu que a empresa de certificação de qualidade TÜV Rheinland, da Alemanha, teve responsabilidade no caso das próteses de silicone fraudulentas PIP e deve indenizar centenas de vítimas do caso.

A professora Maria Cristina Geremias Martins após a cirurgia para a troca dos implantes de silicone — Foto: Arquivo pessoal

A professora Maria Cristina Geremias Martins após a cirurgia para a troca dos implantes de silicone — Foto: Arquivo pessoal

Maria Cristina resolveu passar pelo procedimento estético em 2008 para corrigir a flacidez e o tamanho das mamas que ficaram desiguais após duas gestações.

“Por conta de uma mastite que eu tive, eu só consegui amamentar meus filhos por um dos meus seios. Meus seios ficaram muito desproporcionais e isso me incomodava muito. Mexia muito com a minha autoestima”, afirma a professora.

A escolha da marca dos implantes foi por recomendação médica. Ela procurava uma prótese que não precisasse ser trocada em um curto espaço de tempo.

Na época, ainda não havia reclamações contra os implantes PIP. As denúncias começaram em 2010, quando irregularidades na produção do produto foram detectadas pela agência sanitária francesa. Além da utilização da substância incorreta para a fabricação das próteses, o produto da marca PIP se mostrou mais suscetível à ruptura.

Em 2011, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) cancelou o registro da PIP no Brasil e no ano seguinte suspendeu o uso das próteses em todo território nacional.

Em nota ao G1, a Anvisa afirmou que não possui dados sobre o número exato de brasileiras que ainda possuem os implantes da marca francesa.

Prótese de silicone da marca francesa PIP — Foto: Reuters

Prótese de silicone da marca francesa PIP — Foto: Reuters

“Eu tinha medo de morrer o tempo todo”

Embora já houvesse denúncias contra os implantes da PIP em 2010, Maria Cristina tomou conhecimento da possibilidade de ruptura das próteses apenas em janeiro de 2012, após ver uma reportagem.

Na época, ela trabalhava em uma escola de inglês e não podia se ausentar durante o ano letivo e, por isso, agendou a cirurgia para a troca das próteses para o mês de julho, período de férias escolares.

“Nesse meio tempo, eu acabei engravidando da minha terceira filha e tudo ficou bem mais complicado. Eu procurei o médico e ele me disse que eu poderia ficar tranquila quanto à minha gravidez e quanto à amamentação. Que poderíamos adiar a cirurgia porque a troca dos implantes era apenas por garantia, para evitar problemas. E foi o que eu fiz”, afirma ela.

Por cerca de dois anos e meio o assunto foi postergado. Maria Cristina passou pelos nove meses de gestação e mais de um ano e meio amamentando a filha recém-nascida sem que voltasse a se preocupar com a troca dos implantes. O caso voltou à tona depois que passou a ter dores de cabeça intensas e com frequência.

“Foi então que eu senti, pela primeira vez, uma dor muito grande debaixo das minhas axilas. Eu fui me consultar com o cirurgião que havia colocado as próteses e ele mandou que eu fizesse a troca do silicone no dia seguinte. Eu fiquei apavorada”, relata.

A expectativa de 15 dias de recuperação se transformou em longos e dolorosos meses.

Ao entrar em cirurgia, o médico constatou que as próteses estavam rompidas e a substância havia se espalhado pelo corpo. Segundo ela, para conter os danos, foi necessário a retirada de boa parte do tecido mamário, o que acarretou em uma grande cicatriz que demorou a fechar. As próteses PIP rompidas foram substituídas por outras, que ela utiliza até hoje.

Nos meses subsequentes à cirurgia, a professora relata que entrou em uma grave depressão.

“Depois que eu fiz a cirurgia, eu tinha medo de morrer o tempo todo. Eu imaginava que tinha silicone pelo meu corpo, que isso iria me causar um câncer. Além dos danos estéticos. Eu tive uma infecção e pontos que não fecharam. Eu não deixava o meu ex-marido me tocar. Eu não conseguia nem pegar minha filha no colo”

Oito meses após o problema com as próteses, Maria Cristina se divorciou de seu marido. Ela se casou novamente em 2020.

“Eu não sabia a marca do meu silicone”

A educadora física Viviane Assis, de Volta Redonda (RJ), é uma das mulheres que procurou a intervenção cirúrgica para retirar as próteses de silicone após conviver 15 anos com os implantes PIP sem saber dos riscos que corria.

“Eu não sabia a marca do meu silicone. Não sabia dos problemas relacionados à ela. Eu só fui descobrir depois, quando tive que preencher os dados para o explante”, revela Viviane.

Viviane Assis, que teve problema com prótese de silicone da marca PIP — Foto: Arquivo pessoal

Viviane Assis, que teve problema com prótese de silicone da marca PIP — Foto: Arquivo pessoal

Ela colocou os implantes após se formar na faculdade, em 2005, por motivos estéticos. Desde então, a relação com o silicone é marcada por altos e baixos.

Apenas três meses após a cirurgia para colocar os implantes, a educadora teve que voltar ao centro cirúrgico porque as próteses haviam se deslocado dentro do corpo.

Quatro anos depois, em 2009, ela começou a sentir um nódulo debaixo da axila direita. Um exame de punção detectou que o nódulo era um siliconoma – um aglomerado de silicone encontrado livre ao redor do implante.

“O médico na época me falou que eu poderia levar uma vida normal e não havia nada com o que me preocupar. Hoje eu me pergunto: como assim, vida normal? Naquela época já havia indícios de que a prótese estava com ruptura – e isso mais ou menos 12 anos atrás”, relata Viviane.

A ideia de retirar as próteses surgiu em 2020, após acompanhar o relato de uma blogueira ao descrever os sintomas da síndrome Asia – ou doença do silicone, como é popularmente chamada.

A Asia é consequência de uma reação inflamatória do organismo à presença do silicone. O primeiro registro na literatura médica é de 2011.

Ela apresenta muitos sintomas diferentes, como cansaço exagerado, dores pelo corpo e queda de cabelo. Quem decide retirar as próteses diz que os sintomas desaparecem pouco tempo depois.

“Quando as próteses iam completar 15 anos, eu resolvi que iria trocá-las. Nesse momento eu ainda não pensava no explante. Foi acompanhando a trajetória de uma blogueira que descobri o que era síndrome Asia e identifiquei os meus sintomas”, fala.

A decisão de retirar definitivamente as próteses surgiu apenas após um exame preventivo revelar que um dos implantes estava rompido e o seu conteúdo disperso dentro do corpo.

O que me deixa apreensiva é o tempo que essa prótese ficou rompida dentro de mim”, revela

Após conviver por 15 anos com as próteses, Viviane realizou o explante no dia 29 de abril deste ano. Atualmente, ela não faz uso de nenhuma prótese de silicione.

Explante: um desejo em ascensão

A cirurgia plástica para o aumento do seio ainda é a mais comum do país, segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica (dados mais recentes, colhidos em 2019), com 211.287 procedimentos por ano. Por outro lado, a retirada do silicone registrou 19.355 cirurgias, com uma alta de 33% em relação ao ano anterior.

Mesmo que a cirurgia para colocar a prótese ainda seja a mais frequente (15% do total no mundo), os dados sinalizam uma possível mudança de comportamento: a retirada do silicone já está na lista das 20 intervenções mais procuradas (2% do total) – em 2010 nem era mencionada no relatório.

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Fontes: G1 – Globo.

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