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“Vi a guerra e a paz lado a lado”

O jornalista Diego Freire e sua mochila não conhecem fronteiras. Pra você ter uma ideia, ele já morou na Irlanda, Inglaterra, Croácia, Polônia e Rússia. Lá

“Vi a guerra e a paz lado a lado”
“Vi a guerra e a paz lado a lado”

Redação Publicado em 15/06/2020, às 00h00 - Atualizado às 14h40


Diego Freire desbravou 67 países. Aprendeu quatro idiomas. Enfrentou o novo Coronavírus na Ásia. Sua meta é alcançar o centésimo território no planeta.

O jornalista Diego Freire e sua mochila não conhecem fronteiras. Pra você ter uma ideia, ele já morou na Irlanda, Inglaterra, Croácia, Polônia e Rússia. Lá fora, além de estudar, ele trabalhou como cuidador de cachorro, ajudante de cozinha, camareiro e game tester. Esse último, em uma das maiores empresas do Mundo, a Playstation, onde assumiu também, após meses, a posição de Relações Públicas devido a sua desenvoltura e liderança. "Vi a guerra e a paz lado a lado"

Nos últimos anos, viajou os quatro cantos do planeta: 67 países ao total. Em seu passaporte, o viajante exibe com orgulho os carimbos da imigração. “Cheguei a preencher todas as folhinhas, nenhuma em branco”, conta com orgulho.

Já visitou os lugares históricos que fazem parte da civilização e da história do Mundo, como Egito, Grécia e Itália. Pisou nos principais cenários da Primeira e da Segunda Guerra Mundial: Alemanha, Rússia e Japão. “Muita gente não sabe qual foi o fato da origem da Primeira Guerra Mundial. Eu sei e fui conferir. Tudo ocorreu em uma esquina pacata na cidade de Sarajevo, na Bósnia, onde houve o assassinato do Ferdinando, herdeiro do trono austríaco”, destacou a curiosidade.

"Vi a guerra e a paz lado a lado"Além disso, conheceu in loco os rastros de guerras ao redor do mundo, como nos países da Sérvia, Israel, Palestina e Vietnã. Assim como chorou aos prantos na Polônia quando esteve dentro de Aushwitz, o maior centro de concentração nazista e principal símbolo do Holocausto.

Em suas andanças, esteve nas mais diferentes culturas, entre elas na Índia e em Marrocos, isso sem contar os lugares mais luxuosos do planeta, como Dubai, Qatar e Emirados Árabes.

De ponta a ponta, conheceu o extremo do planeta, ao Norte na cidade de Hammerfest na Noruega e, ao sul, Ushuaia, a cidade conhecida como fim do mundo, situada na Argentina.

Diego Freire tem como sua máxima ter abraçado o “Bom Velhinho”, em Rovaniemi, no norte da Finlândia, onde fica oficialmente a casa do Papai Noel. “Foi emocionante! Ainda andei de trenó puxado pelas renas na neve! Um sonho realizado”, relembra.

Freire fez até uma lista com alguns perrengues que já passou. Certa vez, se perdeu sozinho no Deserto do Saara, o mais quente do mundo: “me vi só no meio do nada! Foi desesperador, achei que ia morrer, ou no calor tórrido do dia ou no frio congelante da noite”. Ele ainda garante que no deserto chega a nevar. “Na minha ida com os berberes, tribo local, pegamos muita neve, principalmente na cidade de Ain Sefra, na Argélia, conhecida como porta de entrada para o deserto. Essa você não sabia, né?!”, conta.

Você pensa que esse foi o maior perrengue? Está enganado. Foi apenas mais um. Imagina você entrar no ônibus errado na Síria e parar do lado da concentração de guerra em percurso? “Cheguei atrasado na rodoviária e não chequei de forma atenciosa à escrita. Tudo escrito em árabe. Um acentinho muda todo o sentido. Aprendi com o medo”, recorda.

Confere aí o bate papo com esse grande aventureiro:

Quando começou essa sua paixão por viajar?

Bom, acredito que eu seja um Wanderlust, palavra alemã que poderíamos traduzir, em “vontade de viajar”, de Wander (caminho) e Lust (desejo).

Já nas minhas andanças ao redor do mundo, aprendi que podemos usar também entre os viajantes a palavra alemã Fernweh, é aquela formiguinha que nos mantém inquietos com vontade e ansiosos de viajar. Ok. Momento cultura finalizado. Vamos para o que interessa.

Tudo começou nas aulas de Geografia e História quando observava nos livros inúmeras fotos e fatos ao redor do mundo, e a oportunidade aconteceu quando ganhei uma bolsa para estudar fora do Brasil. De lá pra cá, não parei nunca mais.

O que você leva na mochila?

Depende do lugar que vou. Sempre me preparo com o básico, mas preparado para que se algo der errado, eu tenha em mente o plano B e até o C, se preciso for . Por diversas vezes precisei mudar de plano. Seja para encurtar ou estender a viagem. Exemplo disso, foi quando fecharam as fronteiras da Hungria em razão de muitos refugiados oriundos da Grécia usarem o trajeto do país húngaro para alcançar a Alemanha. Eu estava lá passando uns dias e morava na Croácia. Tive que ficar por mais duas semanas além do planejado.

Ao contrário disso, na Suíça, um país extremamente caro, onde planejava ficar duas semanas, consegui, infelizmente, permanecer (financeiramente falando) apenas seis dias.

Então, além de um roteiro (roteiros), levo as roupas adequadas para aquela estação e uma camisa do Brasil: meu coringa.

Curiosa essa dica da camisa do Brasil. Me fale mais dessas experiências?

Tive várias situações em que usei a camisa e fui “salvo”. A mais inusitada foi na imigração do aeroporto de Marrocos, às 21h. A polícia marroquina fez uma confusão imensa com o meu passaporte. Lá, fiquei isolado por quase duas horas sem entender nada. , após a quarta hora, resolvi trocar de roupa para uma mais quente.

Quando tirei meu casaco, eu estava com a camisa amarela do Brasil. Ao verem a camisa, os semblantes dos policias mudaram e eles logo resolveram o mal entendido.

Me pediram mil desculpas. De pronto agrado, me deram carona de viatura até o hotel. Ao chegar, ligaram as sirenes com um barulho ensurdecedor e o povo todo da rua saiu para ver o que acontecera. Parecia alguém importante chegando na cidade.

Desci, me despedi de todos e ouvi mais umas dezenas de desculpas em inglês e árabe. Ao fechar a porta, o comandante deles me chamou no canto e pediu a camisa. Tirei da mochila e dei. Me agradeceram com um Assalamu Alaikum – “salamaleico” seria a versão aportuguesada desta saudação árabe, que significa “que a paz esteja sobre vós”.

A frase é seguida com o gesto da mão direita tocando o coração, depois a testa e, por último, faz-se um meneio no ar para cima da cabeça. Após isso, em todo mochilão sempre levo uma.

Qual foi o lugar mais incrível que você já visitou?

Tem muitos! Seria difícil e injusto enumerar um apenas. Posso destacar cinco? Vamos lá. Veneza, na Itália, me encantou muito. Me senti num filme romântico. Reza a lenda dos italianos que você deva ir com seu amor eterno. Eu fui. Comigo mesmo.

Seguindo, acho que em Tóquio, no Japão, eu me senti realizado. Era um sonho de criança. Do outro lado do mundo imerso na tecnologia, na cultura, na culinária, nos desenhos, enfim, em tudo. Amei!

Também destaco o Deserto do Saara. Loucura andar de camelo nas areias e debaixo do sol escaldante de 60 graus. Já a noite, o céu mais brilhante do mundo! Que loucura!

Na lista, preciso destacar a Via Dolorosa, em Jerusalém, onde Jesus passou e foi crucificado. Isso é divino. Um local puramente santo para os cristãos. Sem palavras.

E por último, e não menos incrível, o fenômeno natural Sol da Meia Noite, no norte da Finlândia. São dois meses com a luz solar 24h do dia, sem que haja noite. Loucura né? Já no inverno acontece o inverso, dois meses na escuridão.

Você esteve em Aushwitz, o maior centro de concentração nazista e principal símbolo do Holocausto. Qual foi o sentimento de pisar nesse local?

Foi horripilante. Um lugar tenebroso e muito tenso. Tive uma sensação de medo com tristeza ao pisar naquele lugar de tragédia e morte. Mais de um milhão de pessoas perderam a vida. Tudo começa quando você passa pelo portão com o slogan “Arbeit macht frei”, que significa “o trabalho liberta”. Infelizmente, era uma mentira! Uma farsa! .

Andei em todo campo nazista, e, ao entrar nos blocos e dentro das salas, você se depara com cabelos dos prisioneiros, óculos, sapatos, roupas de crianças, malas, panelas, diversos utensílios, brinquedos das crianças e até próteses que eram retiradas dos prisioneiros. Fui em todos os lugares de execução e a sala de julgamento, única em que ainda há um retrato de Adolf Hitler. Isso é tenebroso!

Além disso, tem a câmara da morte, onde deixavam os prisioneiros morrerem de fome e sede. Também vi as câmaras de gás que comportavam cerca de 800 pessoas. Nelas, inalavam um gás venenoso, baseado em cianeto de hidrogênio .

Era uma agonia coletiva, pois quando o veneno começava a fazer efeito, as pessoas se distanciavam das saídas de gás e se amontoavam nas portas. Crianças e idosos eram esmagados por causa do pânico geral. Até hoje existem marcas de unhas nas paredes das pessoas que morriam por sufocamento.

A morte era lenta e dolorida. O processo durava 20 minutos. Se houvesse lotação, quem sobrava era executado a tiros na hora.

Ainda me lembro até hoje do calafrio que senti percorrendo aquele lugar de morte. Me atrevi a entrar nos fornos crematórios nos quais, para não serem acusados de crime de guerra, os alemães queimavam os corpos em fornos gigantes.

Por fora sequer podemos imaginar o ambiente sombrio que é o lado de dentro. Só não faça igual eu fiz. Na entrada, os guardas aconselham que a sua saída tem que obrigatoriamente ser às 14h30. Eu perdi a hora dentro daqueles blocos, observando cada detalhe, quando me atentei o relógio já marcava 15h e lá fora estava tudo escuro, exatamente tudo escuro.

Me senti num filme de terror. Ouvi muitas vozes, barulhos de gente andando e muitos choros. Por sorte, um guarda veio resgatar a mim e mais quatro americanos. Foi o maior medo da minha vida. Eu fiquei com trauma por quase 1 mês dormindo sem apagar as luzes.

Enfrentou alguma dificuldade em países com cultura e religião diferentes?

Sim, muitas. Por exemplo, uma das últimas foi na Coreia do Sul, fui em um dos principais templos budistas Yonggungsa e, sem querer, entrei no lugar reservado para o presidente. Não tinha nenhuma advertência, tampouco em inglês. Quase fui preso.

Já no Egito, eu estava tirando foto de um palácio e dois vendedores de rua me avisaram logo em seguida que era extremamente proibido com pena de decapitação. Saí correndo para meu hotel. Não sei se era verdade, mas resolvi não arriscar.

Na França, eu beijei no metrô a menina que namorava na época. Precisei pagar uma multa. É proibido. Existem locais certos para tal ato.

A dica é: sempre que for para qualquer país, se oriente de todas as leis. Principalmente, devemos estar atentos para as que são tão diferentes das nossas brasileiras.

Você recomendaria países islâmicos para mulheres?

Sim e não. Sim, se forem acompanhadas, preferencialmente, por algum homem. E não, se for sozinha ou apenas em grupo feminino.

Te explico melhor. É tenso para as mulheres, pois já vi mulheres sendo assediadas na rua, leia-se, sendo tocadas nas partes íntimas e quase sendo cometido o estupro.

Para os muçulmanos e na sua maioria, os ombros e o joelhos descobertos despertam atenção. Isso soma-se ao cabelo que nunca deve estar visível na rua. Sempre cobertos. Caso contrário, as mulheres ficam vulneráveis a ataques machistas, infelizmente.

Você já esteve na Grécia, berço da civilização. Essa é uma das paradas obrigatórias para qualquer mochileiro?

Sim! Todo mochileiro e viajante que se preza tem que ir a Grécia. O berço da civilização Ocidental. Quase tudo nasceu lá. A democracia, a ciência, a filosofia, o direito, a cultura. Enfim, quase tudo que temos hoje.

A Grécia é incrível. Apesar de a filosofia ter nascido com os egípcios, foram os filósofos gregos que, principalmente através da escrita, sistematizaram a arte de pensar sobre a existência humana, a ética, a moral e o conhecimento.

Conheci o mesmo local onde Sócrates, Platão e Aristóteles iam para refletir. Foi incrível!

Vi que estava realizando meu sonho, quando estive de fronte a Acrópole, onde destaco o Parthenon, que é um templo da deusa grega Athena, considerado a divindade guardiã do povo de Atenas. Indescritível ver aquilo tudo em pé desde 450 anos antes de Cristo.

Quebrei todas as regras, mas eu não podia sair de lá sem tocar naquilo. Toquei e chorei de emoção.

De todos os países que já visitou, se arrependeu de algum? Substituiria ele?

A questão não foi me arrepender, mas a Coreia do Norte eu não voltaria. Esse país tem o título do “País mais fechado do Mundo” . E, de fato, é isso. Eu fui o brasileiro número 122 que entrou naquele território.

Para isso, estive com um guia 24h grudado em mim. Eu não podia falar com ninguém, a não ser com meus guias, além de ficar recluso no meu hotel, podendo sair, apenas, quando o guia me buscasse para conhecer o que ele queria me mostrar.

E o que vi? Apenas o que tratava do imperador Kim Jong-un.

Além disso, era minha “obrigação” comprar rosas e oferecer a estátua imensa Kim pai e Kim avô.

Detalhe, ao sair da reverência das estátuas, tinha-se que sair de ré, para que nunca vire as costas para a estátua .

Um culto à personalidade em torno da família Kim, que estabelece o país como uma ditadura de um homem só, através de sucessivas gerações.

Uma realidade dura, sem qualquer acesso ao mundo externo. Um mundo deles, afinal. Apenas para eles. Mídias sociais não existem. Televisão e jornais impressos, apenas três! E, mesmo assim, apenas com conteúdo do ditador, sendo que a capa deve ter, necessariamente, a foto dele todos os dias.

Internet apenas para a família dele e amigos. Tudo do mundo externo, sem acesso. Comidas, culturas, diversão. Exatamente nada.

Quando perguntei ao guia, a título de curiosidade, onde o ditador Kim morava, fui reprimido logo em seguida e informado da possibilidade de prisão, caso repetisse o ato de indagar qualquer coisa referente a ele.

Além disso, tive que abandonar uma Bíblia na entrada do País, a fim de não doutrinar ninguém. Me chamavam atenção toda hora! Essa experiência foi marcante. Sentia que, a qualquer momento, eu poderia estar sendo preso ou até morto.

Meu total respeito ao país e aos norte coreanos, mas esse local eu não voltaria.

Você citou que passou por alguns fenômenos naturais e desastres naturais, quais foram?

O primeiro foi um terremoto em Zagreb, capital da Croácia. O primeiro a gente não se esquece. Uma sensação de que você está tonto, desmaiando.

Também já peguei tempestade de neve nos Estados Unidos. Assim como, tempestade de areia no deserto em Dubai. Ambas são desesperadoras, e um inicio de tufão no Norte do Japão, na ilha de Hokkaido.

Você morou um tempo fora do país. Como foi dividir apartamento com estrangeiros?

Foi uma experiência incrível. Você dividir uma casa com pessoas da mesma nação, mesmos costumes culturais já é complicado, imagina com outras nacionalidades.

Teve uma época que morei com nove nacionalidades diferentes. Era um exercício de paciência, mas de aprendizado. Eu brincava que a qualquer momento poderia explodir uma Terceira Guerra Mundial naquele apartamento.

Quais os países que você pretende conhecer nos próximos anos?

Para ser sincero, todos lugares que sonhei em ir já conquistei. Japão e Coreia do Sul eram os últimos da lista de desejos. Já realizados. Agora, procuro lugares mais exóticos e que não tenham muito fluxo de turistas. Na lista, está Arábia Saudita.

Conta pra gente a diferença do Diego de hoje para o Diego que saiu do Brasil em busca dos seus sonhos

Uma pessoa completamente diferente. Posso te assegurar: um Diego mais resiliente e com mais empatia ao próximo. Lá fora vi um Diego inteligente, com facilidade de aprendizagem, um Diego sagaz para aproveitar as oportunidades, um Diego que tinha medo, mas na mesma proporção, um Diego corajoso.

E para finalizar, você esteve na Ásia agora com essa pandemia do Coronavírus. O que tem a dizer?

A situação lá na Ásia iniciou já no final ano passado, em 2019, quando o vírus já se espalhava. Estive na China, Coreia do Sul e Japão, onde passei o Natal e o Ano Novo. A vida lá ocorria normalmente, pois o cuidado com a higiene pessoal e do próximo é algo que vem de berço. Cultural. Todos fazem isso. E o uso da máscara é de praxe todos os dias, menos em casa, mas até na balada eles usam.

Infelizmente, tenho amigas coreanas e japonesas que contraíram a doença e estão em recuperação.

Rezo a Deus que passe logo isso e que isso seja momento de reflexão para o mundo! Meus sentimentos à todos que perderam entes queridos.

OLHOS

Me vi sozinho e perdido no Deserto Saara. Foi desesperador. Na Lapónia, tive a certeza que Papai Noel existe. “Aprendi com o medo”

Coisas que você gostaria de saber de um homem como Diego Freire

• Lugar mais bonito do mundo: O famoso Parque Plitvice Lakes na Croácia.

• Local mais inusitado: Rovaniemi, a terra do Papai Noel, na Lapónia,.

• A melhor culinária: russa.

• A culinária menos agradável: Cambodja.

• Bar favorito: Hotel Ritz de Hemingway, Paris.

• O melhor aeroporto: aeroporto Internacional Hamad, no Catar.

• A melhor praia: em qualquer lugar na costa da Croácia.

Comida mais estranha que já experimentou

Experimentei carne de cachorro e ovo centenário preto na China

E a mais nojenta

O surströmming, da Suécia, e o Durian, do Vietnã, ambas consideradas a comida e a fruta, respectivamente, as mais fedorentas do mundo. Esses alimentos são extremamente proibidos de serem comidos em lugares públicos, com pena de prisão, pelo cheiro que eles emitem.

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