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Veja como funciona arma de choque de 50 mil volts que PM de SP começou a usar na pandemia para reduzir letalidade policial

A nova arma de choque que a Polícia Militar (PM) de São Paulo começou a usar durante a pandemia de Covid-19 é uma das apostas da corporação para tentar

Veja como funciona arma de choque de 50 mil volts que PM de SP começou a usar na pandemia para reduzir letalidade policial
Veja como funciona arma de choque de 50 mil volts que PM de SP começou a usar na pandemia para reduzir letalidade policial

Redação Publicado em 27/09/2021, às 00h00 - Atualizado às 08h18


A nova arma de choque que a Polícia Militar (PM) de São Paulo começou a usar durante a pandemia de Covid-19 é uma das apostas da corporação para tentar reduzir a letalidade policial em ocorrências no estado. O g1 acompanhou um curso que a PM deu a jornalistas para demonstrar como funciona o Taser X2, marca do aparelho americano de 50 mil volts, e para mostrar vídeos de operações reais (veja acima).

Desde a introdução dessa arma de choque, em março de 2020, aliada a outros equipamentos menos letais, houve uma redução de 34% no número de pessoas mortas em supostos confrontos com a PM. O índice leva em conta a comparação do primeiro semestre do ano passado com o mesmo período deste ano. Nesse período, alguns policiais também passaram a usar câmeras nos uniformes.

Nos seis primeiros meses de 2020, policiais militares de folga e em serviço mataram 498 suspeitos, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP). De janeiro a junho de 2021, o número de mortes decorrentes de intervenção policial diminuiu para 330.

“Eu acho que não há dificuldade de entender que o uso de armas menos letais como Taser pode reduzir a letalidade policial. É um dos fatores, mas não exclui uma série de outras medidas”, disse ao g1 o advogado Ivan Marques, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O especialista cita outros três pontos que considera importantes para contribuir também para a redução da letalidade policial.

“Principalmente a supervisão do patrulhamento, do trabalho de rotina das polícias. Segundo fator é a construção dos protocolos de engajamento da polícia e seu cumprimento. A terceira coisa é a questão da liderança. Qual é o discurso da liderança em relação aos enfrentamentos. Há a percepção e estudos de que quando a liderança estimula o enfrentamento, essa letalidade aumenta”, falou Marques.

De março de 2020 a julho deste ano, a PM usou a nova arma de choque em 234 operações no estado. Levantamento feito pelo g1 e confirmado pela corporação, mostra que duas pessoas morreram em janeiro e em julho após serem atingidas por armas de choque nessas ocorrências. Até a última atualização desta reportagem, não havia confirmação das autoridades sobre o que causou as mortes: se foi por causa do aparelho ou devido a algum outro motivo (saiba mais abaixo).

Redução da letalidade

Em contrapartida, a Polícia Militar comemora a queda dos números de mortes cometidas por policiais. Segundo a corporação, a redução da letalidade policial se deve ao emprego de munições menos letais, como balas de borracha, gás de pimenta, bombas de gás e de efeito moral, e câmeras de monitoramento nos uniformes dos agentes, além do uso do Taser X2.

A arma é empregada principalmente em ocorrências que envolvam suicidas e pessoas armadas com facas. Seu uso não é recomendado, no entanto, com suspeitos com armas de fogo e em multidões ou manifestações.

O equipamento funciona de duas maneiras: encostando o cano da arma no corpo da pessoa ou disparando dois dardos nela a uma distância de 7 metros. Fios conectados ao aparelho conduzem a corrente elétrica. Nas duas situações, o alvo é imobilizado ao sentir dor ou fica paralisado ao receber uma descarga por 5 segundos.

Dois especialistas consultados pelo g1 disseram que a pessoa que recebe o choque perde o controle do seu corpo em razão do forte impacto. E cai como se tivesse levado um “soco” (leia ao final do texto).

Arma de fogo continuará

Vídeo mostra uso real da arma de choque em São Paulo. Homem tenta atacar PMs com foice e depois é atingido por disparo com dardos eletrificados para cair e ser imobilizado — Foto: Reprodução/PM de SP
Vídeo mostra uso real da arma de choque em São Paulo. Homem tenta atacar PMs com foice e depois é atingido por disparo com dardos eletrificados para cair e ser imobilizado — Foto: Reprodução/PM de SP

O policial que usar a nova Taser não deixará de portar a arma de fogo, geralmente a pistola calibre .40, que continuará a ser usada. A arma de choque poderá ser acionada antes da pistola na escala progressiva do uso da força, dependendo da ocorrência.

Para o coronel Robson Cabanas Duque, porta-voz da Polícia Militar de São Paulo, na maioria das ocorrências a PM poderia usar a arma de fogo, mas, com o uso do Taser, isso tem diminuído. “É por isso que esse número de morte decorrente de intervenção policial vem caindo.

Armas de choque não são novidade na PM de São Paulo. São usadas há cerca de 20 anos. Mas, de acordo com a corporação, o Taser X2 é mais moderno do que as versões anteriores da mesma marca, que possuíam a mesma voltagem e amperagem, mas não tinham os recursos eletrônicos da atual, que facilitam seu uso. Considerados obsoletos, os aparelhos antigos foram recolhidos.

A PM comprou 6.875 armas de choque em três licitações desde 2019. Segundo a corporação, 3.750 chegaram, e as demais deverão ser entregues até dezembro. Cada uma custa em torno de US$ 1.200 o kit (o que equivaleria a R$ 6 mil em valores atuais). Como toda arma de choque é um produto controlado pelo Exército, ela só pode ser adquirida somente por forças de segurança.

O efetivo da PM é de 83 mil policiais no estado atualmente. Até 2023, a corporação espera ter um total de 13 mil armas da Taser X2.

Coronel Robson Cabanas Duque fala para jornalistas sobre uso da nova arma de choque da PM: a Taser X2 — Foto: Kleber Tomaz/G1
Coronel Robson Cabanas Duque fala para jornalistas sobre uso da nova arma de choque da PM: a Taser X2 — Foto: Kleber Tomaz/G1

Mortes após armas de choque

Apesar da redução no número de mortes decorrentes de intervenção policial, a PM também registrou as mortes de duas pessoas após terem sido atingidas pela nova arma de choque. Isso não significa, porém, que o Taser X2 as matou. Um dos laudos sobre a causa da morte foi inconclusivo e o outro ainda não ficou pronto. Em outras palavras: não havia confirmação do que causou as mortes delas.

g1 perguntou ainda à PM se mais alguém morreu em ações que tiveram o uso do Taser X2, desde que ele começou a ser usado, e como essas pessoas teriam perdido a vida. Fato é que em algumas das 234 operações com o uso da nova arma de choque foi preciso usar também a arma de fogo. Mas até a última atualização desta reportagem a corporação não havia respondido se mais pessoas morreram durante ações com o Taser e quantas delas foram baleadas por arma de fogo.

Em 28 de janeiro deste ano, um paciente morreu após ser atingido por uma arma de choque da PM quando teve um surto psicótico no Hospital Samaritano, em Sorocaba, no interior paulista. O homem tinha 27 anos e foi imobilizado pelos policiais depois de agredir parentes e funcionários.

Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança, a Polícia Civil investigou o caso e não conseguiu concluir o que matou o paciente. De acordo com a pasta, a causa da morte foi considerada “indeterminada”.

Em nota, a comunicação da PM complementou que “remeteu o Inquérito Policial Militar à Justiça. Há dois exames necroscópicos realizados, e nenhum dos laudos aponta taxativamente que a causa da morte seja pelo uso da ‘Taser‘”.

O empresário Matheus de Oliveira, de 27 anos, morreu em julho de 2021 após ser atingido por disparo de arma de choque feito pela PM quando era perseguido em São Paulo. Ele não havia obedecido ordem dos policiais para parar seu veículo, uma BMW, que bateu — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
O empresário Matheus de Oliveira, de 27 anos, morreu em julho de 2021 após ser atingido por disparo de arma de choque feito pela PM quando era perseguido em São Paulo. Ele não havia obedecido ordem dos policiais para parar seu veículo, uma BMW, que bateu — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Outro caso de morte após o uso da arma de choque ocorreu em 7 de julho, quando o empresário Matheus de Oliveira, também de 27 anos, foi atingido por três disparos de Taser X2 na Zona Leste de São Paulo. Ele dirigia sua BMW de maneira imprudente, foi perseguido por viaturas da PM, bateu o carro e saiu “totalmente descontrolado” do veículo, segundo o boletim de ocorrência do caso. O motorista não estava armado.

Um policial militar tentou algemá-lo, mas não conseguiu. Outro disparou a arma de choque com os dardos, mas Matheus “arrancou os fios do corpo”. Mais um PM então encostou o Taser no empresário, dando uma descarga elétrica, mas não conseguiu contê-lo. Um terceiro agente disparou sua arma de choque e então o homem “desmaiou”.

Matheus foi socorrido pelos próprios PMs e acabou levado ao Hospital Ermelino Matarazzo, onde morreu. Até a última atualização desta reportagem, a causa da morte não havia sido informada. No atestado de óbito consta morte “não determinada” e que “aguarda exames”.

Atestado de óbito de Matheus de Oliveira informa que causa da morte de empresário ainda não foi determinada porque depende dos resultados de exames que não ficaram prontos — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
Atestado de óbito de Matheus de Oliveira informa que causa da morte de empresário ainda não foi determinada porque depende dos resultados de exames que não ficaram prontos — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

A Polícia Civil investiga se Matheus morreu por causa do choque que levou da arma, pelo uso de drogas ou pela combinação da descarga elétrica do Taser X2 com a presença de entorpecente no organismo. A família dele confirmou ao g1 que o empresário estava sob efeito de entorpecente quando foi abordado. O laudo necroscópico, que informa a causa da morte, ainda não ficou pronto, no entanto.

Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) apreendeu as três armas de choque usadas pelos PMs “para perícia”.

“A autoridade policial realiza a oitiva de testemunhas e busca por elementos que auxiliem no esclarecimento dos fatos”, informou a pasta da Segurança por meio de nota. O caso foi registrado como “morte decorrente de intervenção policial” após “resistência”, “desobediência” e trafegar veículo em alta velocidade.

Vídeo mostra viatura da PM com agentes (no círculo vermelho) faz abordagem a BMW branca (em amarelo), onde estava Matheus de Oliveira. Empresário foi contido com três choques de Taser X2. Depois ele morreu — Foto: Reprodução/Redes sociais
Vídeo mostra viatura da PM com agentes (no círculo vermelho) faz abordagem a BMW branca (em amarelo), onde estava Matheus de Oliveira. Empresário foi contido com três choques de Taser X2. Depois ele morreu — Foto: Reprodução/Redes sociais

Segundo um parente de Matheus que não quis se identificar, a PM “errou na abordagem” ao dar diversos choques no empresário, que estava desarmado e, segundo ele, rendido.

“Na minha opinião, não deveriam ter feito isso. Deram choque numa pessoa que não reagiu. Deram três choques, que é desnecessário. Um corpo não consegue aguentar isso, a polícia tem que saber”, disse o familiar de Matheus.

Segundo o capitão Wellington Reis, chefe de pesquisa de material bélico da PM de SP, “não é para ficar dando choque naquela pessoa”.

Reis também falou aos jornalistas que participaram do curso de arma de choque como é o procedimento padrão de uso do Taser durante as ocorrências. “Efetuou o primeiro disparo, já usei a incapacitação, os policiais têm de ir de forma rápida lá e fazer a imobilização e contenção. Então não é deixar aquela pessoa lá: ela vai levantar.”

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G1

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