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Uma Nova Onda Rosa?

Imagem Uma Nova Onda Rosa?

Redação Publicado em 22/06/2022, às 00h00 - Atualizado às 09h20


A região da América Latina e o Caribe consiste de 33 países, com uma população de mais de 640 milhões de habitantes, e uma presença relevante no cenário global, devido à sua elevada produção de alimentos, minerais, energia e outros recursos naturais.

Não há dúvida de que a América Latina tem passado por inúmeras mudanças nas últimas décadas. Dos períodos ditatoriais das décadas de 1970 e 1980, com militares ilegitimamente ocupando a liderança de muitos dos países, aos períodos de maior democracia e neoliberalismo, como nas décadas de 1980 e 1990, vimos a América Latina transitar no início do século XXI para governos de esquerda e centro-esquerda, na chamada Onda Rosa, com lideranças como Lula, Chávez e Morales, dentre outros, na região. O processo começou em 1998, com a eleição de Hugo Chávez, na Venezuela. Logo seguiram vitórias com Cristina Kirchner na Argentina; Pepe Mujica no Uruguai; Rafael Correa, no Equador; Evo Morales na Bolívia; Dilma Rousseff no Brasil; Ollanta Humala no Peru e Michele Bachelet no Chile. Obviamente que cada país apresentava suas próprias particularidades durante esse tempo e os governos adaptaram-se às circunstâncias impostas pela realidade do momento.

Estes governos, invariavelmente, tinham o antiamericanismo, como uma de suas principais características, com particular rejeição ao Consenso de Washington, e uma elevada coloração populista. O resultado é que todos estes países passaram por situações econômicas complicadas, com graves problemas de corrupção e um atraso educacional, político e econômico. A reação conservadora observada, nos ciclos eleitorais seguintes, emergiu como um ricochete a essa onda rosa, na tentativa de buscar-se uma solução alternativa àquilo que havia condenado a região à situação econômica grave em que se encontrava. Os governos que sucederam enfrentaram a pandemia da Covid-19 e o desabastecimento global, com o crescimento da inflação. Os resultados alcançados, no entanto, ficaram aquém das expectativas, e vem-se notando o surgimento de uma nova onda rosa – talvez mais radical que a anterior – iniciada no México em 2018, seguida pela Argentina em 2019, Bolívia em 2020, Chile, Honduras e Peru em 2021 e, agora em 2022, na Colômbia.

Existem algumas peculiaridades observadas na primeira onda rosa que parecem repetir-se no atual momento, à medida que os partidos de esquerdaretomam o poder e se fortalecem. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a via democrática tem legitimado o processo de ascensão ao poder – com ou sem urna eletrônica, ressalte-se. É fato que, em algumas circunstâncias, como é o caso da Venezuela, tem ocorrido um abuso da democracia, no sentido de a fraude eleitoral servir como forma de viabilização e consolidação eleitoral. Outro aspecto relevante a enfatizar é o recorrente uso da retórica da justiça social, claramente polarizando a disputa do “nós contra eles” ou requentando, ainda, com elevada ênfase, o discurso da luta de classes.

No campo econômico, observamos também o retorno a ideias clássicas da esquerda como a oposição à questão da privatização, num discurso favorável à maior participação do estado na economia e o respetivo abandono das medidas liberais implementadas por governos anteriores. Adotam, ainda, uma amenização na questão da economia de mercado, além do favorecimento a uma retórica de maior integração econômica, com particular ênfase a um discurso integracionista de uma América Latina unificada, com o sonho bolivariano da união dos povos colonizados das Américas. Embora seja difícil de precisar o conceito chavista de Socialismo do Século XXI, estas matrizes têm sido as molas propulsoras do discurso.

Não há dúvida de que a pandemia da Covid-19 e os resultados pífios alcançados pelos governos de direita durante e no pós-pandemia é que tem legitimado o ressurgimento desta nova onda rosa na América Latina. Os governos conservadores sucedâneos da primeira onda não souberam – ou foram incapazes – de resolver os desafios que a região enfrenta. O eleitor precisava de respostas rápidas e o que se observou foi um elevado nível de incapacidade, por parte da direita, de atender às demandas. Além disso, ao invés de resultados substanciais, houve uma intensificação no debate ideológico, num cenário anterior à Queda do Muro de Berlim.

Num cenário em que a alternativa à direita não logrou os resultados esperados, o eleitor tem retornado à situação anterior, esquecendo – ou até mesmo perdoando – os erros do passado. Tampouco a retórica empregada pela direita quanto ao medo do retorno à situação anterior parece surtir efeitos no eleitorado. Caberia questionar a razão por que o eleitorado tem sido tão impaciente com a direita latino-americana quanto aos resultados obtidos e um tanto mais leniente com os partidos de esquerda, a despeito do histórico negativo desta em sua trajetória de poder na região. Seria, ainda, o resultado de uma ojeriza ao dramático e equivocado período dos regimes militares na região? Não há dúvida que o aparelhamento do Estado, da mídia e das universidades, além do capitalismo de compadrio, constituem barreiras importantes a qualquer governo que represente uma ameaça aos interesses anteriormente consolidados.

Pelos resultados destes novos governos da região, pouco se espera de grandes avanços. Observamos uma América Latina sem rumo, com a perspetiva de vivenciarmos mais uma década perdida. Talvez seja por isso que a Cúpula das Américas concentrou na questão migratória. Afinal, quando tudo falha, a migração para os Estados Unidos parece ser a única alternativa. Esta é a tristeza de repetir pessoas e fórmulas do passado. Ainda não aprendemos que “insanidade é fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes”.

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