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AMILTON AUGUSTO: TUDO É UMA QUESTÃO DE PRINCÍPIOS

Quando nos deparamos com questões levadas ao STF, como se deu no caso recente da contrariedade entre a liberação dos cultos religiosos presenciais face as

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Redação Publicado em 11/04/2021, às 00h00 - Atualizado em 12/04/2021, às 16h18


Quando nos deparamos com questões levadas ao STF, como se deu no caso recente da contrariedade entre a liberação dos cultos religiosos presenciais face as proibições dos decretos de prefeitos e governadores, em virtude do agravamento da pandemia em nosso país, necessário se faz a análise detida dos direitos e garantias constantes da nossa Constituição da República, em sua grande parte no corpo do artigo 5º.Tamanha a importância dos preceitos constitucionais e do estudo detido de tais conteúdos e impactos, que a própria busca da jurisdição do STF para dirimir tais controvérsias se encontra amparada no texto do artigo 5º, mais precisamente no inciso XXXV, este que assegura o o direito à jurisdição enquanto instrumento de proteção contra lesão ou ameaça de lesão ao direito, devendo a prestação jurisdicional estar, não somente acessível a todos, mas principalmente ser a mais pronta possível, a fim de conservar sua utilidade e adequação ao interesse social.
Deve-se destacar que os princípios são normas informadoras de todo um sistema de um país. Estes possuem mais força normativa que as próprias normas, pois são elaboradas no plano idealista. Em uma pirâmide hierárquica, os princípios estão no topo, decorrendo de certas normas constitucionais e, não raro, constituem desdobramentos dos fundamentais, como o princípio da supremacia da Constituição e o consequente princípio da constitucionalidade, o princípio da legalidade, da isonomia, etc., além dos chamados princípios-garantias, constantes da nossa Carta Magna.
Desse modo, numa análise principiológica, não restam dúvidas que a Constituição Federal assegura, tanto a liberdade de religião e de crença, quanto assegura o respeito máximo à saúde, à vida, além da plena observância à dignidade da pessoa humana, onde é dever de todos, assegurando harmonia no livre exercício dos direitos e garantias fundamentais. Por tudo isso, não há que se falar em princípio absoluto no Brasil.
Fato é que o Direito, assim como a sociedade, deve se adaptar às mudanças, levando em consideração a realidade atual, respeitando sempre os preceitos mais sensíveis e fundantes da República, em especial a dignidade da pessoa humana e à vida, não sendo o impedimento de reuniões presenciais, sejam quais forem, de modo temporário, um obstáculo ao livre exercício de qualquer direito, logrando aceitabilidade ou razoabilidade, admitindo assim um relativo sacrifício aos moldes tradicionais da realização dos atos da vida civil, em prol da segurança sanitária e da ordem pública, resguardando-se as garantias constitucionais de todos.
Assim, há que se interpretar o princípio de acordo com a natureza jurídica da medida adotada, razão pela qual, medidas excepcionais e cautelares que exijam, para sua plena eficácia, a adoção de regras rígidas de preservação de direitos e garantias de igual ou maior relevância, admite-se que a lei, em seu amplo aspecto, possam restringir o exercício pleno de algumas liberdades, quando se tratar de exigência de interesse social, consoante o que dispõe a Constituição.
E a prova cabal que a liberdade, no sentido mais amplo e genérico, não é um preceito absoluto, é que nossa Constituição, em seu artigo 5º, inciso LIV, permite a sua privação, claro, sempre em caráter excepcional, como expressamente consta do texto que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Cumpre destacar, por sua vez, que a dignidade da pessoa humana, além de princípio constitucional, é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 1º., inciso III, da nossa Carta Magna, sendo, portanto, imprescindível a observância desse fundamento quando da ponderação de qualquer preceito constitucional, em especial quando se está em jogo a saúde e a vida das pessoas.
E não se pode falar em conflito de interesses e ponderação, sem analisar o princípio da proporcionalidade, este que se encontra intrinsecamente ligado à evolução dos direitos e garantias individuais da pessoa humana, tendo sua utilização, no ordenamento jurídico pátrio, pautado na interpretação constitucional e infraconstitucional, como técnica de controle de limites aos direitos fundamentais, vez que a dignidade da pessoa humana, acolhido como fundamento da República, determina que as normas sejam aplicadas de acordo com a gravidade do ato e o grau de importância do bem jurídico constitucionalmente protegido.¹
Sendo assim, numa ponderação de interesses e realização a adequação principiológica constitucional, pode-se inserir que a exigência de distanciamento social, com as medidas de fechamento de estabelecimentos pelos governadores e prefeitos, por certo que acarreta uma evidente mitigação do princípio da liberdade religiosa, em especial quando do direito a presença, mas não o suficiente para sua inviabilidade, visto que a sua essência está preservada, tendo em vista ser medida temporária, além de, com fundamento no princípio da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, a plena possibilidade de se professar a fé, ainda que não fisicamente, além de se estarem resguardados a vida e a saúde de todos.

Amilton Augusto
Advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com a ALESP da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro fundador e Diretor Jurídico do Instituto Política Viva. Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes – org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018). Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020). Palestrante e consultor. E-mail: [email protected].

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