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TODO PODEROSO CHEFÃO

Depois de um ano tão tenso, o Corinthians finalmente tinha um dia de celebração naquela terça-feira, 15 de dezembro. Dois dias antes, havia vencido o São

TODO PODEROSO CHEFÃO
TODO PODEROSO CHEFÃO

Redação Publicado em 29/12/2020, às 00h00 - Atualizado às 14h15


Entre lágrimas e cigarros, Andrés Sanchez se despede de mais um mandato como presidente, repassa história no Corinthians e diz: “Não vou participar mais de nada”. Será?

Depois de um ano tão tenso, o Corinthians finalmente tinha um dia de celebração naquela terça-feira, 15 de dezembro. Dois dias antes, havia vencido o São Paulo, líder do Campeonato Brasileiro, mantendo o tabu de nunca ter sido derrotado pelo rival em Itaquera. Os jogadores, aliviados pela distância da zona de rebaixamento e satisfeitos com o salário que voltava a ser pago em dia, confraternizavam em volta da churrasqueira do CT Joaquim Grava.

Sem muita formalidade, o presidente Andrés Sanchez pediu a palavra e iniciou um discurso. Mencionou as dificuldades do ano atípico por conta da pandemia, agradeceu aos atletas e funcionários e falou em tom de despedida. Calado, o elenco viu o dirigente ficar com os olhos marejados, mas se segurar para não chorar.

Não era a primeira vez que aquilo acontecia na semana. Andrés foi às lágrimas em conversas com amigos, no Parque São Jorge, e também ao parabenizar o elenco feminino, campeão paulista e brasileiro na temporada.

O lado emotivo de Andrés pode surpreender quem está acostumado a vê-lo sendo agressivo e grosseiro nas entrevistas, mas não é novidade para quem o conhece mais intimamente. O cartola é descrito por amigos com adjetivos que soam estranhos para o personagem público: carente, brincalhão, sentimental.

Alguns também o definem como solitário. Na autobiografia “O Mais Louco do Bando”, publicada em 2012, Andrés admite:

– Acho que meu destino é viver sozinho. De boa: mesmo nos momentos de maior tensão, nas horas mais difíceis, eu não desabafo com ninguém, não peço ajuda. Fica tudo na minha cabeça, no meu peito. Resolvo sozinho. Não é bom, acabo apelando para o cigarro mais do que deveria, mas sempre fui assim, não é agora que vou mudar.

Andrés, de fato, seguiu o mesmo. Aos 57 anos, ele insiste em falar que não acredita no amor entre homem e mulher e, apesar de reconhecer ter dias difíceis vivendo sozinho, se declara um “solteirão convicto”.

Já a vida de cartola passou por transformações. De volta à presidência do Corinthians em 2018, Andrés viveu dias muito menos glamorosos do que na passagem anterior. Segundo ele próprio, fez um mandato “nota 6,5” e governou “sem tesão”.

Viu amigos virarem opositores políticos e a dívida corintiana disparar em ritmo bem maior do que o de conquistas. Mas, quando menos se esperava, tirou algumas cartas da manga: vendeu os naming rights da agora Neo Química Arena e encaminhou um acordo com a Caixa para pagar o estádio, sua principal promessa de campanha.

Para traçar o perfil de um dos mais emblemáticos dirigentes do futebol brasileiro e contar bastidores da presidência dele no Corinthians, o ge colheu depoimentos de pessoas que acompanharam de perto Andrés Sanchez e também o entrevistou no último dia 19, em Itaquera.

De bermuda e chinelo, bem mais relaxado, mas ainda afiado nas respostas, ele contou por que não fala mais com seu ídolo e (ex) amigo Neto, disparou contra aqueles que julga serem traidores e reconheceu: merecia sofrer um processo de impeachment pelo que fez na categoria sub-23 do Timão.

FIEL

Andrés estranhou quando o seu celular tocou àquela altura da noite. Eram quase 23h de uma sexta-feira, no fim do inverno de 2019. Como ele já imaginava, uma ligação naquele horário não seria para trazer boas notícias.

Avisado que o volante Ralf se envolvera em um acidente de carro e apresentava sinais de embriaguez, o presidente não pensou duas vezes. Trocou de roupa e saiu de seu apartamento, no Alto de Pinheiros, bairro nobre da Zona Oeste paulistana, direto para o Tatuapé, do lado oposto da cidade.

Quando as primeiras equipes de reportagem chegaram ao local, Andrés já estava lá. Mas não exatamente perto da casa que o SUV do jogador invadiu, e sim um quarteirão abaixo. Escorado num carro, à sombra de uma árvore, com cigarro na boca, o presidente não saía do celular.

Trocava mensagens com amigos e conhecidos que poderiam ajudar, ligava para pessoas próximas ao atleta. E assim foi até quase 4h, quando teve a certeza de que Ralf não precisaria prestar depoimento naquela madrugada e que a crise estava gerenciada.

– Se você quer ter um clube legal, fazer história, não ser mais um, você tem que se dedicar 24 horas – argumentou.

Dez anos antes, Andrés já havia sido chamado para apagar um outro incêndio, este com um protagonista muito mais badalado. Ronaldo ainda nem sequer tinha estreado pelo Corinthians e já virava de ponta cabeça a concentração alvinegra em Presidente Prudente, cidade do interior de São Paulo onde o time jogaria dias depois.

O técnico Mano Menezes liberou os atletas até as 22h, mas o Fenômeno decidiu esticar a folga. Depois de participar de um churrasco, foi a uma casa de entretenimento adulto chamada Pop’s Drinks e voltou acompanhado para a concentração.

Os relatos de que Ronaldo quebrou uma porta e discutiu com funcionários do hotel para liberar as garotas com quem estava nunca puderam ser comprovados. Andrés tratou de pegar as imagens das câmeras do local antes que jornalistas fossem buscá-las.

Andrés Sanchez, presidente do Corinthians - Marcos Ribolli
Andrés Sanchez, presidente do Corinthians – Marcos Ribolli

Figura importante no futebol do Corinthians há quase duas décadas, o cartola coleciona incontáveis histórias deste tipo, muitas das quais gosta de contar aos mais próximos em momentos de descontração, de preferência tomando uísque.

Nas “resenhas” com os amigos, a bola está sempre em pauta, até porque Andrés respira futebol. Nos sete anos em que esteve na cadeira de presidente do Corinthians, divididos em três mandatos, ele pode ser acusado de muita coisa, menos de ser ausente. O cartola bate cartão no CT Joaquim Grava, faz questão de acompanhar o time nas viagens e quase sempre está no vestiário.

Ele gosta de ser presidente e sabe tudo o que engloba o cargo, todas as atribuições, desde sentar e negociar com a CBF e a Conmebol até estar presente na festa do pessoal que joga tênis no clube – conta Donato Votta, diretor de esportes terrestres do Corinthians.

Nem mesmo de 2012 a 2018, quando ocupou os cargos de diretor de seleções da CBF e depois de deputado federal, Andrés conseguiu se afastar do Timão – motivo, inclusive, que o fez ter desavenças com os sucessores Mario Gobbi e Roberto de Andrade.

O apego é ainda maior em questões referentes à Arena. “Ele trata o estádio como se fosse dele” é uma frase repetida com frequência por quem o conhece. Isso se aplica não só à centralização das questões financeiras, mas também ao cuidado com pequenos detalhes.

Em 2019, Itaquera recebeu a partida entre Brasil e Peru pela fase de grupos da Copa América. Por sorteio, foi definido que os visitantes ficariam com o vestiário número 1, o que Andrés considerou uma afronta.

– Isso não existe. O Tite já conhece nosso vestiário, e a Seleção é que está jogando em casa – bradou.

Andrés discutiu com representantes da Conmebol, ligou para Rogério Caboclo, presidente da CBF, e quando parecia que nenhum dos xingamentos dele resolveria a questão, determinou que os vestiários fossem trancados. Ou seria do jeito dele ou não seria nada. No fim das contas, o Brasil ficou onde o cartola queria e acabou goleando por 5 a 0.

Andrés Sanchez ao lado de Tite, quando o técnico era do Corinthians - Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians
Andrés Sanchez ao lado de Tite, quando o técnico era do Corinthians – Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians

A dedicação integral de Andrés ao Corinthians é vista também no Parque São Jorge, onde ele chega quase todos os dias por volta de 8h. Em sua sala no quinto andar, lê documentos, conversa com diretores e dedica boa parte do tempo a atender sócios, que levam a ele os mais variados pedidos, de ingressos para jogos a melhorias nos banheiros do clube social.

Graças a uma rede de contatos não só no Corinthians, mas no mundo do futebol, o dirigente parece estar sempre por dentro dos últimos acontecimentos.

– Ele sabe de tudo o que acontece. Do que se passa na peteca e na bocha do Parque São Jorge até do que estão falando no vestiário do Real Madrid – afirmou Donato Votta.

Muitas vezes a gente vai contar uma coisa para o Andrés e ele já está sabendo, talvez até com mais detalhes do que você. Ele tem olhos e ouvidos em todos os lugares – relatou Carlos Nujud, diretor da base corintiana.

Toda essa influência, construída ao longo de mais de 25 anos na política alvinegra, foi reafirmada no mês passado, na eleição corintiana. Andrés chegou ao ginásio do Parque São Jorge logo cedo, antes do início da votação, e ali ficou até 17h, quando as urnas foram fechadas. Postado na entrada da zona eleitoral, foi recebendo quase que um a um os sócios do clube. Alguns ganhavam um beijo no rosto, outros levavam tapas carinhosos, muitos eram abraçados e riam com o cartola.

O presidente não quis ficar para a apuração dos votos. De casa, comemorou a vitória de Duílio Monteiro Alves, candidato apadrinhado por ele. Iniciada em 2007, a dinastia de Andrés e seus aliados no comando do Corinthians está garantida, pelo menos, até 2023.

FESTEIRO

Poucos ambientes deixam Andrés tão à vontade quanto uma roda de samba. A expressão sisuda dá lugar ao sorriso no rosto e o gingado no pé. Sim, acredite, Andrés é um bom pé de valsa.

Os amigos o definem como um “meninão”. Mesmo no dia a dia de trabalho, gosta de contar piada, tirar sarro de quem está por perto e falar besteiras.

– Ele tem um senso de humor muito grande. Às vezes parece bravo, mas quem o conhece vê o coração enorme que ele tem – declarou Edna Murad, vice-presidente do Timão.

Certa vez, ainda em seu primeiro mandato como presidente do Corinthians, Andrés estava com membros da bateria da Gaviões da Fiel que se preparavam para animar uma festa de casamento. Ele decidiu que iria com o grupo e assim o fez. Subiu no ônibus, pegou um tamborim e entrou disfarçado no evento, de cabeça baixa para fazer surpresa. Ao ser descoberto, celebrou com os noivos e, obviamente, permaneceu comendo, bebendo e se divertindo até altas horas.

O cartola se declara um “solteirão convicto”, mas nem sempre foi assim. Aos 25, casou-se com a paixão da sua vida: Maria Bernardete, a Dete. Eles se conheceram na escola, por volta dos 13 anos, quando os olhos verdes da moça já faziam Andrés se derreter.

Tanto no período de namoro quanto no de casado, ele garante nunca ter dito a frase “eu te amo”:

Homem e mulher hoje se amam e amanhã se odeiam, não consigo entender isso. Eu não acredito (no amor entre um casal). Acredito na paixão, no tesão, no carinho, no respeito, na amizade, mas não no amor. Minha ex-mulher cansa de falar isso: o filho da puta nunca me chamou de “meu amor”. E é verdade.

Andrés Sanchez com Maria Bernardete, mãe dos seus filhos - Arquivo pessoal
Andrés Sanchez com Maria Bernardete, mãe dos seus filhos – Arquivo pessoal

Após 12 anos, o casal se separou em 2001, mas até hoje mantem boa relação. Ele conta que desde o fim do matrimônio teve muitas namoradas, mas voltar a se casar não está nos planos.

– Não tem coisa melhor do que a sua liberdade. Jogar a cueca no chão e ninguém me encher o saco é a melhor coisa do mundo. Quem vai ter que tirar, sou eu. Posso deixar lá o tempo que eu quiser. É liberdade, cara. Você ir para um lugar sem dar satisfação, voltar a hora que quiser – afirmou Andrés, que também ponderou:

– Mas tem momento que você precisa (de companhia), que tem solidão e fala: “Pô, podia ter alguém do lado”. Mas é mínimo, garanto que a liberdade é melhor.

O dirigente carrega a fama de mulherengo e faz questão de cultivá-la. Quando a reportagem do ge o questionou sobre o que gostava de fazer quando não estava cuidando das coisas do Corinthians, ele prontamente respondeu com a sua “sutileza” habitual:

Procuro trepar o máximo possível! Está acabando já o tempo.

Em diversos momentos da vida como cartola, Andrés foi a festas com jogadores, sobretudo no primeiro mandato, quando tinha mais energia.

Porém, fazia questão de agir de forma que a gandaia não prejudicasse a sua atuação no clube. Odair de Souza, o Caveira, seu motorista e fiel escudeiro, por diversas vezes o deixou em casa por volta das 5h e foi buscá-lo duas ou três horas depois, para levá-lo ao Parque São Jorge.

Andrés também se esforça para estabelecer uma separação entre o parceiro e o patrão dos boleiros.

– Ele tem uma maneira única de se relacionar com os atletas, dá toda liberdade até a esquina, mas passando da esquina tem a cobrança. Ele consegue separar isso muito bem e faz com que o atleta entenda: olha, até aqui você tem uma amizade, a partir daqui você precisa correr, se dedicar, ser profissional porque o clube paga o seu salário – contou Emerson Sheik, que trabalhou com Andrés como jogador e depois como gerente de futebol do Timão.

O jeito peculiar de lidar com o elenco foi visto em diversas situações. Em 2018, após uma goleada sobre o Deportivo Lara, na Venezuela, pela Copa Libertadores, o Corinthians seguiu em voo fretado para Pernambuco, onde enfrentou o Sport dias depois.

Como forma de agradar aos atletas e também alguns torcedores organizados que viajavam com a equipe, o presidente mandou encher dois isopores com cerveja e as distribuiu durante a viagem, que também contou com animadas disputas de truco entre os atletas e os fãs.

Fumar com jogadores também foi uma prática corriqueira nestes anos.

Andrés Sanchez fumando durante a entrevista ao ge - Marcos Ribolli
Andrés Sanchez fumando durante a entrevista ao ge – Marcos Ribolli

O lado festeiro e os hábitos pouco saudáveis custaram caro no ano passado. Após ser flagrado curtindo o Carnaval ao lado de Neymar e Gabriel Medina num badalado camarote da Marquês de Sapucaí, Andrés foi internado com um quadro de encefalite viral.

– Ele chegou inconsciente ao hospital, não reconhecia ninguém. Ele olhou para o Sheik, que já tinha se aposentado, e disse: “O que você está fazendo aqui? Vai para a concentração, você tem jogo amanhã” – relatou Jorge Kalil, médico e diretor-adjunto de futebol do Corinthians.

O Andrés estava com os olhos saltados para fora e o cérebro inchado, parecia que não cabia mais no crânio. De tanta dor, ele queria bater a cabeça na parede e dizia: “Eu vou morrer” – comentou Kalil, um dos responsáveis por preparar os socorros ao amigo.

O presidente corintiano ficou internado na UTI e viveu 48 horas de muita tensão. Familiares chegaram a temer pelo pior, mas após dez dias ele recebeu alta médica sem apresentar nenhuma sequela.

Uma das recomendações para Andrés após deixar o hospital foi a de que parasse de fumar, algo que ele conseguiu por poucos dias. No começo, como forma de se controlar, ele deixava o maço com Márcia Cristina, secretária da presidência há mais de duas décadas. Logo a prática foi abortada, visto que a todo momento ele ligava para a funcionária.

Hoje, Andrés e pessoas próximas garantem que ele tem fumado menos. Porém, também há relatos que durante uma partida do Timão ele chega a consumir sozinho um maço inteiro de cigarros.

Quando o presidente foi internado, lá estava a ex-mulher. Segundo amigos, quando as coisas apertam, é para Dete que ele corre.

Andrés Sanchez com a ex-esposa e os filhos - Arquivo pessoal
Andrés Sanchez com a ex-esposa e os filhos – Arquivo pessoal

Com ela, Andrés teve Lucas, hoje com 29 anos, e Marina, de 24. Ambos têm formação superior, algo que o pai não conseguiu. Ele largou os estudos aos 17, tendo concluído o Ensino Médio após repetir o último ano.

Lucas é formado em Publicidade e Propaganda e administra parte do patrimônio do pai – na versão de adversários de Andrés, seria o “laranja” para ocultar os bens. Ele é sócio de cinco empresas, dentre restaurantes, bar e agências de promoções de festas.

Já Marina está se formando em medicina e é o xodó do pai. Além de pegar no pé para ele largar o cigarro, a filha cobra que Andrés se vista melhor e seja mais vaidoso.

O presidente afirma que ficou com o coração mais mole após se tornar pai de uma menina, mas admite que ainda tem atitudes e pensamentos a corrigir:

Não me digo machista, mas um pouco mais atrasado em relação à modernidade que tem aí hoje.

RANCOROSO

Andrés Sanchez chegou a julho de 2020 esgotado. Era reta final do mandato dele e tudo parecia dar errado. Seguia sem desatar o nó das contas da Arena, não conseguia receber pela venda de Pedrinho ao Benfica e corria até o risco de enfrentar um processo de impeachment caso tivesse as contas de 2019 reprovadas pelo Conselho do clube, algo que ganhava força nos bastidores.

Para piorar, um grupo de oposição entrou com uma ação na Justiça para afastá-lo da presidência – dias depois, o pedido de liminar foi rejeitado.

Sem jogos por conta da pandemia de coronavírus, as receitas do Corinthians despencaram, a dívida cresceu, e os salários atrasaram, algo que o cartola sempre tratou como inaceitável.

Reconhecido por ser “cascudo”, Andrés dava mostras de que sentia os golpes. Numa “live” com o ex-jogador Basílio, ele disse estar decepcionado e de saco cheio. Dias depois, em entrevista coletiva, repetiu por diversas vezes que sabia o seu tamanho na história do Corinthians.

– Senti que ele estava esgotado. Só levava cornetadas! Da imprensa, da oposição no clube, de parte da torcida. As pessoas esquecem que, nos últimos 10 ou 12 anos, tudo o que o Andrés se propôs a fazer, ele conseguiu. Até consertar falhas de outros presidentes – opinou a vice Edna Murad.

– Ele sabe que errou e estava chateado. As contratações não deram certo, ele errou a mão. Mas o que mais o deixou puto foi ver as pessoas que antes estavam com ele debandarem. Ele se sentiu traído – contou Caio Campos, ex-superintendente de marketing do Corinthians.

ita citar os nomes daqueles que, em sua avaliação, o traíram. Quando os menciona publicamente, algo que tem sido frequente de uns tempos para cá, usa apelidos que são conhecidos somente por quem transita nos bastidores do Parque São Jorge: abóbora, tomate, menino prodígio, Tio Patinhas…

Trata-se da cúpula do Movimento Corinthians Grande, grupo oposicionista formado por pessoas que estiveram com Andrés no primeiro mandato dele. É o caso de Felipe Ezabella, Fernando Alba, Raul Corrêa da Silva, Sérgio Alvarenga, entre outros.

– Depois do Corinthians faturando 450 milhões, saneado e bem, um monte de gente quer o poder. São os engravatados, os estudados, só eles pensam que sabem. Eles não conhecem o clube, talvez muitos nunca foram na biquinha do Parque São Jorge, mas eles acham que tem o poder de conseguir comandar – disparou o presidente.

Quem também esteve com a oposição foi o conselheiro Fran Papaiordanou. Curiosamente, foi por um favor a ele que Andrés sofreu algumas das mais duras críticas neste mandato. Em 2019, ele contratou o meia Franzinho, filho de Papaiordanou, para a categoria sub-23. Na época, o jogador tinha 27 anos.

Merecia o impeachment. Não queriam me dar um impeachment para cima e para baixo? Esse era um motivo. Lógico que era. Como o presidente contrata um jogador com 27 anos para o sub-23? Faz contrato, paga salário. Tinha que ter impeachment. Mas eles achavam que impeachment era o déficit do balanço – afirmou o presidente, em tom irônico.

Andrés Sanchez deu entrevista ao ge na Neo Química Arena - Marcos Ribolli
Andrés Sanchez deu entrevista ao ge na Neo Química Arena – Marcos Ribolli

O Movimento Corinthians Grande surgiu há alguns anos e enfrentou Andrés quando ele se candidatou em 2018. Mas foi só em 2020 que o grupo ganhou a adesão de Mario Gobbi Filho, um dos braços direitos de Andrés no primeiro mandato. Gobbi esteve com Andrés na oposição a Alberto Dualib e foi o diretor de futebol do Timão de 2008 a 2012, ano em que foi eleito para suceder o amigo.

A relação com o delegado de polícia foi esfriando no decorrer dos anos, mas Andrés não imaginava que o teria como adversário político. Em relação a Gobbi, o sentimento é de decepção. Já com os outros, de ódio.

Chegou aos ouvidos do presidente que Ezabella, Alba e outros ex-aliados fizeram uma aposta em 2016 para tentar adivinhar quando ele seria preso. Era o auge da Operação Lava Jato, que investigou o pagamento de propina na obra da arena corintiana.

Segundo a “Folha de S. Paulo”, o ex-diretor-superintendente da Odebrecht, Luiz Bueno, e o ex-presidente de Infraestrutura da construtora, Benedito Júnior, afirmaram em delação premiada que houve repasse de R$ 2,5 milhões em caixa dois para a campanha de Andrés Sanchez em 2014 a deputado.

A Polícia Federal chegou a realizar busca e apreensão no clube, e André Luiz Oliveira, conhecido como André Negão, fiel escudeiro de Andrés, foi conduzido coercitivamente para prestar depoimento. O presidente corintiano foi investigado, mas nunca virou réu.

A poucas semanas da eleição do Corinthians, em novembro, Gobbi e seus aliados ainda tiveram o apoio de Paulo Garcia, outro companheiro de longa data de Andrés. Mesmo unidos, os opositores ficaram em último lugar na eleição.

Enquanto celebra a queda dos inimigos, o presidente lamenta as decepções com aqueles que outrora chamou de irmãos:

Perdi muitos amigos no Corinthians, espero não perder mais.

Dentre essas muitas perdas, uma que se destaca é a do ex-jogador e hoje comentarista Neto. Eles se conheceram na década de 1980 em um boteco na rua José Paulino, no Bom Retiro, que ficava em frente à casa de Andrés e próximo ao prédio de Ana, então namorada do meia.

Tempos depois, jogaram juntos no Imbatíveis, time de futsal amador de Campinas. Neto o introduziu à política corintiana, ao apresentá-lo para o ex-bicheiro Jacinto Antônio Ribeiro, o Jaça. O vínculo entre os dois só aumentou com o passar do tempo.

Faz alguns anos que os dois não se falam. Andrés nega que a desavença tenha a ver com críticas feitas pelo comentarista à gestão, mas não dá detalhes do que motivou o entrevero com aquele que é o seu maior ídolo no Corinthians.

– O problema é que ele mexeu com a minha família, falou da minha família, e isso é desagradável. Ele conhece minha família talvez melhor do que eu. Ele convivia muito mais do que eu até com meu pai e minha mãe, que, infelizmente, já morreram. Minha mãe morreu magoada com ele. Então, não tem mais conserto.

Andrés Sanchez, o primeiro de pé à esquerda, e Neto, o terceiro, no mesmo time de futsal - Arquivo pessoal
Andrés Sanchez, o primeiro de pé à esquerda, e Neto, o terceiro, no mesmo time de futsal – Arquivo pessoal

Procurado, Neto não quis conceder entrevista e, por meio de assessoria, declarou que “está em um momento feliz da carreira e com a consciência tranquila de que está fazendo o mais correto”.

Um espaço importante do estoque de mágoas de Andrés é destinado à imprensa. Ele se sente perseguido por parte da mídia e vê preconceito de alguns jornalistas por conta da origem dele e dos erros de português que comete.

Em sua biografia, o presidente reconhece o lado rancoroso de sua personalidade:

– Eu me lembro de tudo. Para falar a verdade, a única coisa boa que eu tenho mesmo é a memória. Eu não sei escrever direito, em reunião com muita gente eu me perco todo, o meu português é defeituoso. Mas não esqueço de nada nem de ninguém. E principalmente não esqueço de quem me ajudou ou de quem me atrapalhou nessa vida.

NEGOCIADOR

Há quem diga que o talento de Andrés Sanchez é genético, herança do avô materno Tadeo, que deixou a Espanha rumo ao Brasil em 1954 para fugir da miséria. Em Limeira, interior de São Paulo, o patriarca mudou a vida dele e de vários outros familiares com o cultivo e a venda de laranja.

Já outras pessoas têm certeza que as habilidades foram desenvolvidas nos tempos de feirante e posteriormente no Ceasa, onde trabalhou vendendo embalagens plásticas.

Não é possível determinar exatamente de onde vem a capacidade de negociação do presidente corintiano, mas ela é um dos traços mais marcantes da personalidade dele.

– Na época do projeto da arena, eu fazia 20 reuniões com a Odebrecht e avançava 3cm em relação ao acordo que buscávamos. O Andrés entrava na reunião, mandava todo mundo para puta que pariu e saíamos de lá com a conquista de metade do caminho percorrido.

O relato é de Luis Paulo Rosenberg, diretor de marketing do Timão na primeira passagem de Andrés e nos 11 primeiros meses da volta dele ao clube. Questionado se a parte do “mandava todo mundo para puta que pariu” é mera figura de linguagem, o economista dá risada e explica:

– Nem sempre. Às vezes, ele também mandava tomar no c…

Juntos, Andrés e Rosenberg participaram de incontáveis reuniões sobre os mais variados temas, dos patrocínios para o Corinthians de Ronaldo às tentativas frustradas de vender os naming rights da Arena.

Quando o assunto envolvia contas complexas e interlocução com o mercado financeiro, o economista tomava a frente, mas era o presidente o responsável por bater o martelo. Embora se sinta mais à vontade em ambiente menos formal e requintado, Andrés também sabe se virar no meio da high society.

– É muito interessante. Ele chega totalmente constrangido. Nas vezes em que eu participei, o Andrés me passava a palavra na abertura, e eu fazia a exposição, aquele discurso de elite para o público presente. De repente, ele entrava com aquela vibração, aquele linguajar franco dele. Ele reexpõe a grossura e deixa todo mundo de quatro. Entra de cabeça baixa e sai carregado nos ombros da elite – falou Rosenberg, hiperbólico.

No meio deste ano, o dono da Hypera Pharma, João Alves de Queiroz Filho, conhecido como Júnior, ligou para o presidente alvinegro convidando-o para uma reunião. A ideia da empresa era voltar a patrocinar o Corinthians, algo que já havia dado certo no começo da década. Com ótima relação com o alto escalão, Andrés aceitou o chamado de pronto e levou o superintendente de marketing Caio Campos a tiracolo. Porém, ele foi para o encontro decidido a fazer uma outra venda, que não a de espaço no uniforme: a do nome da Arena.

Após uma longa reunião, quando já estava no elevador rumo ao estacionamento para pegar o carro e deixar a empresa, Andrés virou-se para Caio Campos e disse que o acordo estava fechado. Não sabia se seria por 10, 20 ou 30 anos, nem por qual valor. Mas sentenciou: os naming rights, finalmente, seriam vendidos, algo que se confirmou mais de três meses depois.

É o cara mais inteligente que eu conheço. Ele tem muito feeling para os negócios. É intuitivo. E uma intuição muito assertiva das coisas – analisou Caio Campos.

Quem negocia com Andrés elogia a sua sinceridade e confiabilidade. O que ele diz não precisa estar em contrato para ser honrado. O presidente adora relembrar que a contratação de Ronaldo foi sacramentada em um guardanapo, no qual ele e o Fenômeno assinaram, após discutirem todos os detalhes do vínculo enquanto fumavam escondidos em um banheiro de hotel no Rio de Janeiro.

Porém, não foram poucos os acordos descumpridos pelo presidente neste retorno ao Timão. O clube sofreu nos últimos anos uma enxurrada de cobranças judiciais de fornecedores, empresários, atletas e outros parceiros comerciais que alegaram calote.

Ao longo dos últimos três anos, Andrés contratou 39 jogadores. Alguns em transações para lá de questionáveis, como a de Matheus Matias, que custou R$ 1 milhão e fez somente quatro jogos como profissional, ou de Matheus Alexandre, que foi adquirido da Ponte Preta em 2019 mas nunca atuou pelo Corinthians – ele segue emprestado à Macaca e nos últimos meses foi rebaixado à equipe B. A lista de reforços sem sucesso ainda tem Jonathas, Régis, Yony González…

As apostas mais caras também não surtiram efeito, casos dos gringos Ángelo Araos e Bruno Méndez, que custaram R$ 24 milhões e R$ 18 milhões, respectivamente, e de Luan, que foi comprado por R$ 22 milhões e termina o ano na reserva.

Andrés admite os erros, mas se justifica alegando que estava mais focado em resolver os problemas da Arena do que em cuidar das questões ligadas ao futebol:

Deixei muito para os outros fazerem, porque eu não estava participando. Tenho minha culpa, sou culpado 100% de tudo, do bom e do errado, mas não tinha participação como eu sempre tive (na primeira passagem). Voltei sem tesão, contrariado, mas tinha que tentar fazer o melhor possível.

Andrés Sanchez durante a entrevista ao ge - Marcos Ribolli
Andrés Sanchez durante a entrevista ao ge – Marcos Ribolli

O excesso de transações é visto não apenas no time profissional. O sub-23 corintiano contratou 14 jogadores somente nesta temporada e não revelou ninguém para a equipe de cima. A categoria, alvo de críticas de parte da torcida, é comandada por Jaça, padrinho político de Andrés no clube. Ele exerce influência na base do Timão há mais de três décadas e tem Andrés como um irmão. Veja aqui um raio-x da categoria.

Em 1996, Jaça comprou uma BMW 323 e convidou o amigo para fazer uma viagem até o pantanal mato-grossense. Numa noite, Andrés pegou o carro novo e dirigiu sozinho rumo à fazenda do colega, mas se envolveu num acidente no caminho. O automóvel capotou e teve perda total. Já o futuro presidente alvinegro quebrou a vértebra C-4 e teve de ficar mais de três meses com um colete de gesso no pescoço.

Embora represente um símbolo de aparelhamento político no Corinthians e seja apontado por críticos de Andrés como um exemplo da má gestão de recursos do clube, o sub-23 teve participação pequena no incremento da dívida alvinegra, que disparou nesta gestão. O custo anual da categoria é de aproximadamente R$ 5 milhões. O presidente deixará o cargo na próxima semana com quase R$ 1 bilhão a pagar, sem contar os débitos referentes à Arena. O que fica para Duílio?

– Os cheques, porque todo jogo vai ter cheque, dinheiro para o clube, algo que há seis anos não temos. Você ve hoje o desespero dos clubes aí porque estão há 10 meses sem público. Estamos há seis anos, e ganhando titulo. Contratou certo, errado, tem tudo isso de erro, mas ganhando campeonato. Ganhamos em 2015, 2017, 2018… e sem público há seis anos. A partir do ano que vem, quando voltar público, no mínimo, 50%, 60% vai para o clube – disse Andrés, lembrando que antes do acordo com a Caixa os valores de bilheteria não eram do clube.

Gráfico mostra a evolução da dívida do Corinthians - ge
Gráfico mostra a evolução da dívida do Corinthians – ge

Apesar dos atrasos de salários em 2020, os jogadores gostam de Andrés. Ele é sincero, sabe falar a língua dos boleiros e faz elogios em público, mas críticas em particular. É apontado como alguém que pode se ausentar nos momentos de comemoração, mas nunca nos de crise.

Não há relatos de broncas dadas pelo presidente no vestiário. Já os “bichos” de surpresa foram corriqueiros nestes anos. Após vitórias em clássicos ou jogos importantes, o cartola gostava de premiar o elenco com quantias em dinheiro.

Nas negociações para contratar atletas, Andrés usa o tamanho do Corinthians e de sua torcida como fator de sedução.

– Ele faz o jogador pensar que está indo para o Real Madrid – comentou Luisinho Piracicaba, sócio da empresa Casa Soccer, que ajudou na campanha de Andrés em 2018 e ganhou espaço no clube nos últimos anos, contando com 11 atletas em diferentes categorias do Timão.

Embora tenha tido divergências com um ou outro empresário, o presidente tem boa reputação entre os agentes de futebol. Um dos mais próximos é Giuliano Bertolucci, sócio do iraniano Kia Joorabchian, outra figura com quem o cartola se dá bem. Os filhos de Sánchez e Bertolucci também são amigos.

O empresário Carlos Leite é mais um muito ligado ao presidente há anos. A base do time que subiu para a Série A em 2008 era formada por atletas que trabalhavam com ele. Uma década depois, o agente foi investigado pela Comissão Eleitoral do Corinthians por pagar mensalidades atrasadas de sócios do clube em troca de votos para Andrés. Ninguém nunca foi punido.

Um dos atributos de Andrés comumente elogiado é o fato de ele estar sempre disponível para atender ligações ou responder mensagens. Se um jogador não interessa ou o clube não tem condições de pagar o que é pedido, o presidente fala na lata, sem rodeios.

– Na negociação, o Andrés tenta te tirar o máximo, ele busca o que é o melhor para o Corinthians, mas não te faz “sangrar”. É um cara justo – afirmou Piracicaba.

Neste terceiro mandato, caiu o mito de que o presidente não demitia técnicos. Em três anos, ele mandou embora Jair Ventura, Fábio Carille e Tiago Nunes, além de “rebaixar” Osmar Loss e Dyego Coelho.

Causa e consequência, os resultados em campo não foram tão bons como outrora. O presidente faturou apenas dois títulos, os Paulistas de 2018 e 2019.

Pouco, né? Mas tem clube aí que gastou muito e não levou nem isso – ironizou Andrés, em clara alusão ao rival São Paulo, com dívidas altas e na fila de títulos desde 2012.

POLÍTICO

O Corinthians entrará em 2021 sem ainda ter votado as suas contas de 2019. Culpa da pandemia de coronavírus, que dificultou a reunião dos conselheiros do clube, mas também das articulações de Andrés nos bastidores.

Inicialmente, o Timão registrou R$ 177 milhões de déficit no ano passado. O dado que já era ruim ficou pior após o Conselho Fiscal corintiano encontrar dívidas que não estavam contabilizadas no balanço, fazendo o prejuízo na temporada saltar para R$ 195,4 milhões.

Uma eventual reprovação das contas representaria não apenas uma mancha no currículo de Andrés como também o risco de um processo de impeachment. O presidente chegou a ameaçar antecipar as eleições caso isso ocorresse – algo que nem lhe compete – mas, graças a sucessivos adiamentos, a reunião para analisar o balanço de 2019 ficou apenas para o ano que vem.

A decisão de agendar o encontro cabe a Antônio Goulart, presidente do Conselho do Corinthians e aliado de Andrés. Ele foi um dos convidados para estar no palco da festa de anúncio do naming rights da Arena, em setembro, um agrado do cartola.

– O Andrés é um engenheiro político, sabe articular como ninguém – falou Jorge Kalil, figura influente no Parque São Jorge e diretor-adjunto de futebol desde 2018.

Alianças e trocas de favores não são novidade no Corinthians, mas se intensificaram de 2018 para cá, quando o sistema eleitoral para o Conselho do clube foi modificado. Antes, quem ganhava a eleição para presidente levava todo o colegiado. Agora, a votação é independente, permitindo maior participação da oposição, mas também de pessoas interessadas apenas em barganhar por cargos e benesses.

Se não fosse eu, vocês iam ver o inferno que ia estar isso aqui – repetiu Andrés a jornalistas diversas vezes ao longo dos últimos anos.

Andrés Sanchez na obra da Neo Química Arena - Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians
Andrés Sanchez na obra da Neo Química Arena – Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians

A habilidade política dele foi suficiente para acomodar interesses no Parque São Jorge e ganhar as últimas seis eleições, mas não para chegar ao comando da CBF, posto que almejou por muito tempo.

O motivo, segundo o corintiano, foram as difíceis regras para se tornar candidato à presidência da confederação. São necessárias oito assinaturas de federações e cinco de clubes, um sistema que atrapalha a troca do poder de mãos.

Mesmo dizendo-se menos motivado a entrar nessa disputa, Andrés não descarta uma nova tentativa:

Já pensou eu na CBF hoje, a confusão que eu ia arrumar? Deixa quieto. Se tiver que um dia ser, vai ser, mas não trabalho mais para isso. E não tenho mais aquela convicção que eu tinha.

Muitos dos que convivem ou conviveram com o dirigente no Timão fazem campanha para que ele ocupe um cargo de comando no futebol nacional. Segundo eles, seria um desperdício não utilizar a experiência e a capacidade de articulação de Andrés em prol dos clubes brasileiros.

Embora quase sempre coloque os interesses do Corinthians à frente, Andrés cultivou boas relações com presidentes de outras agremiações.

– Sempre que surgia algum boato envolvendo o interesse do Corinthians num jogador do Santos, ele me ligava para negar. Quando o Atlético-MG foi atrás do Ederson, do Sasha e do Soteldo, ele me telefonou para prestar solidariedade. Sempre dizia: precisamos respeitar uns aos outros – relembra Peres.

A relação com Juvenal Juvêncio, ex-presidente do São Paulo, que morreu em 2015, era emblemática. Nos microfones, os cartolas trocavam farpas e alimentavam uma rivalidade acirrada. Fora deles, se encontravam para longos almoços regados a uísque, nos quais Andrés aproveitava para pegar referências da gestão do rival, reconhecida por ele como modelo na década passada.

Nesta volta à presidência, houve tapas e beijos com alguns adversários, entre eles Alexandre Mattos, ex-executivo do Palmeiras. Embora os dois se dessem muito bem, Andrés reagia sempre que sentia que o dirigente do rival tentava lhe prejudicar.

Logo que reassumiu o comando do Timão, no início de 2018, o presidente ficou sabendo que Mattos fora o responsável por vazar para a imprensa que o Corinthians estava contratando o atacante Alex Teixeira. Após a informação vir a público, o clube não conseguiu fechar o negócio.

O troco veio semanas depois, quando Andrés foi para uma entrevista coletiva e dedicou vários minutos para tumultuar o ambiente palmeirense. Contou que o rival pagaria cifras milionárias a Ricardo Goulart e disse achar um absurdo Dudu, o craque do time, ganhar metade do que outros atletas do elenco.

Ao deixar a sala de imprensa do CT Joaquim Grava, ele não conseguia esconder o sorriso no rosto.

– Bota fogo lá! – ordenou aos jornalistas.

Andrés sempre teve inclinação à esquerda do espectro político, embora de uns anos para cá venha dizendo que a sua preocupação é em ajudar quem precisa, sem preferência ideológica.

Andrés Sanchez quando serviu ao Exército - Arquivo pessoal
Andrés Sanchez quando serviu ao Exército – Arquivo pessoal

Pouco mais de um ano após servir ao Exército (a contragosto), ele se filiou ao PCdoB, em 1983. Uma década depois, colaborou na fundação do núcleo do PT em Barcelona, ao transportar da sede do partido em São Paulo até a Espanha materiais que seriam distribuídos aos militantes.

A aproximação ao ídolo e amigo Lula viria tempos depois. Em 2003, ele foi um dos responsáveis por transformar o petista em conselheiro vitalício do Timão. Anos mais tarde, a boa relação seria fundamental para construir a sonhada casa alvinegra, em Itaquera. Em seu último ano à frente da presidência da República, Lula intercedeu com a construtora Odebrecht para que a companhia baiana ajudasse a viabilizar o projeto.

Foi nesta época que, abonado pela então ministra e candidata Dilma Rousseff, Andrés se filiou ao Partido dos Trabalhadores, pelo qual seria eleito deputado federal em 2014.

Os quatro anos em Brasília não foram como ele esperava. Andrés percebeu que era apenas mais um entre as raposas da política e sentiu que tinha pouca ou quase nenhuma influência no que era decidido na Câmara.

Foi lá que ele conheceu Jair Bolsonaro, com quem alega ter relação cordial, apesar de profundas discordâncias.

Tal qual o presidente da República, o cartola alvinegro recorreu ao Twitter para se comunicar diretamente com o público, sem precisar da intermediação da imprensa.

Andrés Sanchez ao lado do ex-presidente Lula - Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians
Andrés Sanchez ao lado do ex-presidente Lula – Daniel Augusto Jr./Agência Corinthians

De abril a maio deste ano, a empresa contratada para cuidar da comunicação do Corinthians diagnosticou uma profunda crise midiática envolvendo Andrés. A rejeição ao cartola era enorme, turbinada pelos problemas dentro e fora de campo – o Timão foi eliminado na primeira fase da Libertadores, corria risco de rebaixamento no Campeonato Paulista e enfrentava dificuldades financeiras graves.

Embora conte com auxílio profissional para alimentar a sua conta na rede social, ele faz questão de saber de tudo o que será postado ali e vira e mexe faz seus próprios posts, quase sempre sem respeitar regras gramaticais. Quando o anúncio da venda dos naming rights era iminente, ele se deleitou usando o Twitter para confundir e provocar os jornalistas.

Nos últimos tempos, as interações envolvendo o presidente passaram a ser menos negativas, mas Andrés ainda é alvo de muitos protestos e xingamentos nas redes sociais. Ao vivo, porém, quase sempre é abordado com elogios e pedidos de selfies.

– Cansei de ver torcedores até de rivais chegando nele, falando que gostariam que ele fosse presidente de seus clubes. É quase sempre a mesma coisa. As pessoas chegam e falam: “Presidente posso tirar uma foto?” E ele sempre responde: “Melhor foto do que pedrada, né?” – afirmou Duílio Monteiro Alves, braço direito de Andrés nos últimos anos e sucessor dele a partir de 4 de janeiro.

O cartola nega ser vaidoso, mas admite que esse tipo de reconhecimento o conforta:

– Isso tira um pouco as minhas frustrações internas pelas cagadas que eu fiz – revelou Andrés.

Eu sei que sou amado e odiado. Odiado por poucos e amados por muitos. Dá uma volta comigo na rua e você vê. A cada um que reclama, dez falam bem.

Andrés Sanchez posa ao lado de quadro do PCdoB e de Che Guevara - Arquivo pessoal
Andrés Sanchez posa ao lado de quadro do PCdoB e de Che Guevara – Arquivo pessoal

Quando confrontado com a afirmação de que muitas pessoas o consideram o maior presidente da história do Corinthians, ele diz que também acha. Depois, porém, pondera que cada um dos mandatários desde 1910 teve a sua importância.

Andrés afirma que foi um excelente presidente e que será fortíssimo na política do clube pelos próximos 20 anos (“não sou hipócrita, porra”). Entretanto, garante que irá se afastar completamente do comando alvinegro nos próximos anos:

Vocês não acreditam: eu estou fora do Corinthians politicamente, me esqueçam do Corinthians, me esqueçam, eu não vou participar mais de nada do Corinthians, nada!

Será?

– Ele está cansado, magoado, chateado por tudo que passou. Acho que não volta mesmo. A gente conversa muito e nas questões da montagem da minha diretoria ele não quer se envolver em nada, eu peço opinião e ele nem quer dar – falou o sucessor Duílio.

Os próximos anos podem até ser incertos, mas Andrés já tem em mente como será a vida na velhice. Nada de arquibancadas cheias, salas esfumaçadas ou vestiários inflamados. O mais louco do bando quer sossego.

– Eu me vejo nessas casas de clube de coroa, morando lá com os amigos, jogando baralho com quem morar nesses condomínios. Vou ter horário de tomar remedinho… Palavra de honra. Não quero dar trabalho para ninguém.

LINHA DO TEMPO

Pai vira sócio do clube, e a família passa a frequentar o Parque São Jorge

Aprovado na peneira do Timão, ingressa na categoria “dentão”

Desiste de ser lateral-direito no Corinthians e vai jogar futsal no Ilha Verde, de Osasco, e futebol de várzea pelo Real Madrid, da Vila dos Remédios

Participa da fundação da torcida organizada Pavilhão Nove

É apresentado pelo ex-jogador Neto a Jacinto Antônio Ribeiro, o Jaça, então diretor de base do Corinthians

Nomeado diretor-adjunto da base, responsável pela escolinha de crianças entre 10 e 13 anos

Eleito conselheiro pela primeira vez. Na sequência, compra um título de sócio remido do clube

Nomeado vice-presidente de Esportes Terrestres pelo presidente Alberto Dualib

Passa a integrar o departamento de futebol profissional ao lado de outros dois dirigentes: Fran Papaiordanou e Antônio Roque Citadini

Deixa a direção e começa a articular um grupo de oposição

A convite de Dualib, viaja a Londres para negociar a parceria com a MSI

Assume o cargo de vice-presidente de futebol

Deixa a diretoria e retoma as articulações com o grupo de oposição, que ganha o nome de “Renovação e Transparência”

Volta a Londres para falar com Kia Joorabchian, em junho, desta vez com outros membros da oposição. Era o fim da parceria com a MSI. Em setembro, Dualib renuncia à presidência

Em 9 de outubro, derrota Paulo Garcia e Osmar Stábile e é eleito presidente do Corinthians, em eleição indireta pelo Conselho. Dois meses depois, cai para a Série B

Volta à primeira divisão e contrata Ronaldo

Reeleito presidente, desta vez em votação dos sócios. Conquista o Paulistão e a Copa doBrasil

Na festa do centenário do Timão, anuncia a construção da arena, em Itaquera

Rompe com o Clube dos 13, contrata Adriano Imperador e fatura o Brasileirão; obras da Arena são iniciadas

Em 15 de dezembro, se licencia da presidência do Corinthians para se tornar diretor de seleções da CBF

Ajuda a eleger Mario Gobbi como seu sucessor na presidência do Corinthians

Segue ativo nas negociações referentes à Arena Corinthians, inaugurada no ano seguinte

Mantém sua dinastia no comando do clube, com a eleição de Roberto de Andrade

É eleito presidente do Corinthians pela terceira vez e, meses depois, ganha o Paulistão na casa do rival Palmeiras

Mais uma vez campeão paulista, diante do São Paulo

Consegue, finalmente, vender os naming rights da Arena, encaminha acordo com a Caixa pela dívida do estádio e consegue eleger Duílio Monteiro Alves como sucessor

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GE – Globo Esporte.

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