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Sociedade Brasileira de Pediatria condena ‘Super Drags’, animação brasileira que é voltada para adultos

A série “Super Drags” ainda está em fase de produção, mas é motivo para debate. De acordo com uma nota oficial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o

Sociedade Brasileira de Pediatria condena ‘Super Drags’, animação brasileira que é voltada para adultos
Sociedade Brasileira de Pediatria condena ‘Super Drags’, animação brasileira que é voltada para adultos

Redação Publicado em 20/07/2018, às 00h00 - Atualizado às 16h16


Produção da Netflix ainda não tem ainda data de estreia. Entidade pediu cancelamento do lançamento

A série “Super Drags” ainda está em fase de produção, mas é motivo para debate. De acordo com uma nota oficial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o órgão “vê com preocupação o anúncio de estreia de um desenho animado cuja trama gira ao redor de jovens que se transformam em drag queens super-heroínas”.

O comunicado tem como título “Contra a exposição de crianças e adolescentes a conteúdos impróprios na TV” e “alerta para os riscos de se utilizar uma linguagem iminentemente infantil para discutir tópicos próprios do mundo adulto”. Leia o comunicado na íntegra abaixo.

“Super Drags” não é a primeira animação a discutir tópicos do mundo adulto. “Futurama”, “Simpsons”, “South Park” e “Rick and Morty” são alguns exemplos.

Produzida para a Netflix, a série “Super Drags” vai mostrar a história de três amigos. Segundo descrição da plataforma de vídeos, eles “de dia, trabalham numa loja de departamento e têm que aguentar o chefe escroto. De noite, eles aquendam a neca e se transformam nas super drags, prontas para salvar o mundo da maldade e da caretice, enfrentando um vilão desaplaudido a cada episódio”.

O programa é a primeira animação brasileira a entrar para o catálogo do serviço de streaming e não tem data de estreia anunciada.

Já a Netflix informou que “oferece uma grande variedade de conteúdos para todos os gostos e preferências” e ressaltou que “‘Super Drags’ é uma série de animação para uma audiência adulta e não estará disponível na plataforma infantil”.

“A seção dedicada às crianças combinada com o recurso de controlar o acesso aos nossos títulos faz com que pais confiem em nosso serviço como um espaço seguro e apropriado para os seus filhos. As crianças podem acessar apenas o nosso catálogo infantil e colocamos o controle nas mãos dos pais sobre quando e a que tipo de conteúdo seus filhos podem assistir.”

A plataforma informou ainda que, por estar ainda em produção, a série ainda não tem classificação indicativa, mas está sendo desenvolvida para uma audiência adulta.

A produção de animações originais da Netflix não costuma ser dedicada ao público infantil. Das 22 produções originais no catálogo da plataforma:

  • 2 são de classificação livre (“Glitter Force” e “Glitter Force Doki Doki”)
  • 1 para acima de 18 anos (“Devilman Crybaby”)
  • As outras têm indicação para 12, 14 ou 16 anos

“Qual público vai atingir?”

Em entrevista ao G1, João Coriolano, do Departamento de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria, declarou que apesar do conteúdo ser voltado para adultos a escolha da temática de super-heróinas está associada ao universo infantil.

“O super-herói para a criança vai funcionar como um modelo de comportamento, a criança vai usar o super-herói para tentar imitar o super-herói e com este tipo de situação que vai ser abordado na forma de desenho, é lógico que isso vai ser uma atração para criança. Essa é a preocupação da SBP. Será que os assuntos são adequados para serem levados a um público infantil?”, diz.

Questionado sobre o universo das animações para adultos, que inclui série como “South Park”, no ar há 21 anos, e “Rick e Morty”, cujos protagonistas são crianças e adolescentes, Coriolano voltou a declarar que é a temática de heróis que causa preocupação da SBP com “Super Drags”.

“Na hora que você põe isso na forma de um desenho, na forma de super-herói, que público você vai atingir? É o adulto ou é a criança? É a criança, lógico. É a criança que vai procurar isso aí. O adulto não procura super-herói”, diz Coriolano.

A psicóloga Daniela Prestes, do hospital infantil Pequeno Príncipe, acredita que muitos adultos também se identificam com o universo de super-heróis, frequentemente retratado no cinema e na cultura pop por personagens como Batman, Mulher Maravilha, Homem-Aranha entre outros.

“Sem dúvida não é algo só do mundo infantil. Por outro lado, as crianças tendem a se identificar mais com os super-heróis do que os adultos e pode ter um impacto. O que vai valer nisso é o diálogo e o enlace que essa família dará para o assunto mais do que o assunto em si”, diz Prestes.

Controle dos pais

Para Coriolano, o fato de o programa estar no catálogo adulto e do serviço também disponibilizar controle de acesso aos títulos para os pais não impede que as crianças tenham acesso a ele:

“Mas não são todos os pais que conseguem controlar isso. Depois que você solta as coisas é muito mais difícil impedir. Se o conteúdo não for adequado, você tirar do ar depois é muito mais difícil. Vamos passar por uma aprovação antes de lançar? Vamos consultar primeiro as pessoas que são capazes de opinar e dar uma opinião correta? “.

Já para Prestes é importante que os pais tenham claro quais são os seus valores de vida e como pretendem criar os seus filhos e a partir daí definir os conteúdos que eles vão ter acesso.

“Diante de algum conteúdo que os pais entendam que é inadequado para os seus filhos, eles podem dizer que aquilo é indevido e que eles não permitem, como eles dizem ‘não’ para qualquer outra situação que não achem adequada para os filhos”, analisa.

Prestes também acredita que é possível que os pais controlem aquilo que os filhos assistem e fala também da importância de manter um diálogo aberto com os filhos.

“Há que haver um conhecimento daquilo que os filhos estão tomando conta, é possível fazer um controle sobre isso, dizer ‘sim’ ou ‘não’ para alguma coisa, mas para além disso me parece importante o diálogo”.

“Nem sempre os pais vão conseguir estar perto dos filhos no momento em que eles se depararem com algum conteúdo que os pais entendam como inadequado”, completa.

Coriolano também declarou que a Sociedade Brasileira de Pediatria respeita e defende a diversidade de gênero e a liberdade de expressão e que em nenhum momento a SBP vai contra estes aspectos e nem está criticando a série sobre as drag queens.

“Ela respeita as drag queens, mas a partir do momento que são colocadas na forma de super-heroínas, usando uma linguagem que talvez não seja a mais adequada para a população infantil juntadas em um desenho animado e discutindo temas que seriam do universo adulto”.

“Não tenho acesso à íntegra desse desenho, mas a gente imagina que se tratando de drag queen e sendo super-heroínas elas vão tentar combater violência, os assuntos devem girar em torno disso e o que a SBP questiona é a capacidade cognitiva dessa criança, que ainda está em um processo de formação física, mental e emocional. Isso deixa a gente com um pé atrás e uma preocupação muito grande.”

Leia a nota da Sociedade Brasileira de Pediatria na íntegra:

“A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), em nome de cerca de 40 mil especialistas na saúde física, mental e emocional de cerca de 60 de milhões de crianças e adolescentes, vê com preocupação o anúncio de estreia, no segundo semestre de 2018, de um desenho animado, a ser exibido em plataforma de streaming, cuja trama gira ao redor de jovens que se transformam em drag queens super-heroínas.

A SBP respeita a diversidade e defende a liberdade de expressão e artística no País, no entanto, alerta para os riscos de se utilizar uma linguagem iminentemente infantil para discutir tópicos próprios do mundo adulto, o que exige maior capacidade cognitiva e de elaboração por parte dos espectadores.

A situação se agrava com o fim da Classificação Indicativa, decretado com sentença do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou inconstitucional o dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que estabelece multa e suspensão às emissoras de rádio e TV ao exibirem programas em horário diverso do autorizado pela classificação indicativa.

Essa decisão deixa crianças e os adolescentes dependentes, exclusivamente, do bom senso das emissoras de TV e plataformas de streaming, agregando um complicador a mais às relações delicadas existentes no seio da família, do ambiente escolar e da sociedade, de forma em geral.

Isso por conta do risco de exposição indevida desse segmento, por meio de programas, como esse desenho animado, a imagens e conteúdos com menções diretas e/ou indiretas a situações de sexo, de violência, de emprego de linguagem imprópria ou de uso de drogas.

Vários estudos internacionais importantes comprovam os efeitos nocivos, entre crianças e adolescentes, desse tipo de exposição. Ressalte-se o período de extrema vulnerabilidade pela qual passam esses segmentos, com impacto em processos de formação física, mental e emocional.

Sendo assim, a SBP reitera seu compromisso com a liberdade de expressão e com a diversidade, mas apela à plataforma que cancele esse lançamento, como expressão de compromisso do desenvolvimento de futuras gerações.

Além disso, a SBP pede aos políticos que, considerando a impossibilidade de recurso à decisão do STF, reabram o debate sobre a retomada da Classificação Indicativa ouvindo a contribuição dos especialistas, o que permitirá encontrar solução que não comprometa questões artísticas e assegure mecanismos de proteção para o público composto por crianças e adolescentes.”

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