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Roberto Livianu: Alianças de casamento

Roberto Livianu

Roberto Livianu: Alianças de casamento
Roberto Livianu: Alianças de casamento

Redação Publicado em 13/12/2020, às 00h00 - Atualizado às 11h22


Alianças de casamento

Roberto Livianu

O sol tímido entre as nuvens daquela tarde fria de junho testemunhava a felicidade, que transbordava, por não caber dentro do coração ainda juvenil de Ana Júlia. Ela sonhava em se casar desde menina. E estava naquele exato instante escolhendo as alianças do casamento, junto com seu noivo Arlindo Orlando.

A vendedora, solícita, fazia questão de mostrar várias e várias opções, que faziam a moça flutuar pelo sonho e projetar como seria o grande dia. Mesclava-se o devaneiocom os momentos de realidade, em busca dos modelosideais de anéis – símbolos circulares da ligação infinita que pretendiam estabelecer.

Assim vinha vivendo Ana Júlia desde que Arlindo Orlando a tinha pedido em casamento, um mês antes num jantar romântico no restaurante preferido dela – um japa, à luz de velas, que eles iam sempre, celebrar momentos especiais. Era o desfecho de três anos de namoro, e tudo tinha começado por obra do acaso, porque ele tinha feito uma ligação por engano e ela atendeu.

Mas, o destino os conectou e selou a paixão e mesmo sem que tivessem tido a intenção de ligar um para o outro,conversaram e registraram seus números. Voltaram a falar e isto se repetiu, até marcarem um encontro e quando isto aconteceu se gostaram e logo estavam namorando e, como disse Clarice: viver ultrapassa qualquer entendimento.

Arlindo Orlando era inteligente, bem humorado, publicitário, filho do meio de uma família típica paulistana. Tinha extrema sensibilidade para causas humanitárias. Em resumo: um homem apaixonante que envolveu totalmente o coração e o espírito de Ana Júlia.

Ana era tímida, doce, reservada, observadora e adorava gatos. Arquiteta recém formada, trabalhava numa construtora de grife e tinha verdadeira indignação contra a corrupção, causando-lhe revolta a postura insensível de políticos desonestos que se apropriavam de recursos que deveriam ser investidos em políticas públicas.

Eles adoravam fazer coisas banais juntos, como ir à feira, ao posto de gasolina abastecer o carro, olhar juntos as árvores e o vôo dos pássaros, comprar revista na banca de jornais, conversar com os pedintes moradores de rua, ver a vida a cores ou mesmo em preto e branco. Trocar ideias sobre o último escândalo envolvendo o uso abusivo do poder pelo presidente da república visando a impunidade de algum de seus filhos ou mesmo ficar olhando para o teto sem fazer nada.

Ao se olharem na loja de alianças aqueles sentimentos se mostravam cada vez mais vibrantes, com a certeza de que queriam mesmo compartilhar da companhia um do outro para sempre.

A vendedora procurava cumprir seu papel comercial, mas não tinha condições de decifrar exatamente o que havia por trás das trocas de olhares dos clientes. As perspectivas eram totalmente distintas.

Depois de quase duas longas horas, o casal definiu o modelo das alianças. Começaram a conversar sobre quem entraria na igreja com as alianças, sobre quem seriam as madrinhas e os padrinhos. Saíram da loja junto com os últimos raios do sol daquela tarde e com todos os sonhos do casamento em construção.

Roberto Livianu é procurador de Justiça em SP, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e escritor. Autor de 50 Tons da Vida.
Instagram @robertolivianuoficial

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