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Roberto Livianu: Ética da bandidagem

“Sem Futuro”, “Alemão”, “Fuinha” e “Vai Curintia” foram criados na mesma comunidade, onde conviviam desde crianças e logo desistiram de frequentar a escola. A

Roberto Livianu: Ética da bandidagem
Roberto Livianu: Ética da bandidagem

Redação Publicado em 27/05/2020, às 00h00 - Atualizado às 18h34


Ética da bandidagem

“Sem Futuro”, “Alemão”, “Fuinha” e “Vai Curintia” foram criados na mesma comunidade, onde conviviam desde crianças e logo desistiram de frequentar a escola. A vadiagem e a deliciosa e tentadora vida da rua eram muito mais excitantes.

Ninguém cobrava nada deles. Suas histórias de vida eram todas muito parecidas: famílias desestruturadas, pais desconhecidos ou caídos no mundo, as mães tiveram que se virar para criar os filhos do jeito que Deus permitisse.

Na escola pública, o pouco controle sobre a produtividade foi um passo para a vagabundagem. E assim passavam dias a fio na rua, mentes vazias.

Dali, não era difícil prever o desfecho. No começo, pequenos furtos, passagens pela Fundação Casa e logo de volta para a rua. Mas depois veio o “crack” e então começaram os assaltos e acabaram presos. Estavam no mundo do crime.

Na cadeia, Simão foi desleal e delatou “Fuinha” – punição disciplinar rigorosa e atraso em sua libertação. Vacilar desta forma é pecado capital.

Em liberdade, o bando resolver vingar o companheiro e organizou um assalto na casa de Simão. “Sem Futuro” providenciou o veículo, “Alemão” as armas e “Vai Curintia” organizou a estratégia, “Fuinha” seria o “cavalo” (motorista).

Na noite combinada, a quadrilha se encontrou e foi para a casa de Simão, mas ao perceberem que estavam em local errado, para não perder viagem, deram voz de assalto e começaram a “limpa”. Mas, um dos moradores escapou e chamou a Polícia, que, em poucos minutos chegou e prendeu os quatro em flagrante.

Todos reincidentes, ainda que por crimes não tão violentos, responderam ao processo presos e chega o dia da audiência diante do juiz.

A prova reunida no processo é forte contra eles, sendo reconhecidos pelas vítimas. Além disso os objetos roubados foram encontrados em poder dos acusados. Como se não bastasse, “Vai Curintia”, que tinha esta alcunha como criminoso, praticou o crime usando a camisa do time.

Resolveram confessar, mas negavam ter usado armas. O Promotor, então, fuzila “Sem Futuro”: quer dizer então que você e seus parceiros, todos ladrões reincidentes planejaram assalto a um criminoso perigoso e se dirigiram à casa dele desarmados? Não percebe que isto denigre sua imagem de ladrão profissional?

“Sem Futuro” foi pego de surpresa, pensou no retorno à cadeia onde tudo se sabe, na preservação de sua “imagem” e jogou a toalha. Solenemente anunciou ao Promotor: o senhor tem razão, estávamos armados, sim. Sem saída, os demais o seguiram e confirmaram a confissão.

Dr. Roberto Livianu é Procurador de Justiça em São Paulo e doutor em direito pela USP. Atua na Procuradoria de Justiça Criminal. Idealizou e preside o Instituto Não aceito Corrupção e é um dos diretores do Movimento do Ministério Público Democrático. É articulista da Folha de S. Paulo e do Estado de S. Paulo, colunista semanal do Poder360 e Rádio Justiça, do STF e comentarista do Linha Direta com a Justiça, da Rádio Bandeirantes.

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