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Roberto Livianu: Amor Tricolor

Luisão, desde que se entende por gente, sempre foi sampaulino doente. Com 4 anos, pisou no solo sagrado do Morumbi, e ficou simplesmente alucinado, com tudo

Roberto Livianu: Amor Tricolor
Roberto Livianu: Amor Tricolor

Redação Publicado em 29/11/2020, às 00h00 - Atualizado às 09h07


Amor Tricolor

Luisão, desde que se entende por gente, sempre foi sampaulino doente. Com 4 anos, pisou no solo sagrado do Morumbi, e ficou simplesmente alucinado, com tudo aquilo que vivenciou naquele domingo de sol junto com seu pai.

Devidamente uniformizado, chegou no estádio de peitinho todo inflado para ver o Tricolor amassar o Corinthians, com dois gols espetaculares de Careca – um dos maiores centroavantes que já havia vestido aquela camisa nove.

Ele foi crescendo, com o amor pelo São Paulo sendo assimilado em suas veias e entranhas, com uma força mais avassaladora até que a do amor por uma religião. Luisão respirava, bebia e se nutria daquelas três cores sagradas – preto, vermelho e branco. Ele se alimentava daquele calor e do alarido que vinha dos três anéis do Cícero Pompeu de Toledo. Aquilo alimentava sua alma.

Luisão adorava encontrar com os amigos para comer sanduíche de pernil e tomar umas cervejas geladas na barraca da Dona Ziza. Era um ritual, que ele jurava de pés juntos que dava sorte para o time antes dos jogos.

Por mais incrível que pudesse parecer – no campo afetivo -quando se interessava por alguma garota, logo investigava o time de coração. Se fosse corintiana ou palmeirense, sem chance. Namorou e se casou com Edy, tricolor roxa. Tinha que ser assim, não havia outro caminho.

Quando nasceu Riquinho, levou o filho para o batismo tricolor, e o pequeno ficou enlouquecido por entrar em campo junto com os craques do time, pisando naquele gramado verdinho, naquela grandiosidade infinita do estádio.

Da arquibancada tudo parecia tão especial, tão superior, na perspectiva inteira do campo. E foi de lá que eles testemunhavam a presença forte do líder Rogério Ceni, guardando a meta tricolor. De lá também tiveram o privilégio de assistir a um dos lances mais geniais de todos os já que tinham visto, quando Luís Fabiano, o Fabuloso,entortou a zaga palmeirense e, depois de driblar dois zagueiros que perderam o rumo, encobriu o goleiro,levando o Morumbi ao delírio.

Quando não era possível ir ao campo, o que era raríssimo, Luisão reunia os amigos em casa para assistir ao jogo na televisão, tomando cerveja, comendo petiscos e sofrendo por não receber aquela energia viva do Morumbi. Por não poder sentir o coração pulsante do estádio, celebrando com o time as vitórias e conquistas e chorando junto as derrotas.

Eis que a pandemia aparece e impõe quarentena ao mundo. Os dramas humanos por todo o planeta trazem o novo tempo das partidas de futebol sem torcida. A proibição às aglomerações simplesmente decretou domingos sem sanduíches de pernil na rua, sem o barulho da torcida. O gol sem o grito enlouquecido da Independente.

Luisão é a própria expressão da melancolia e do abandono. Que saudade da fila para entrar no estádio, da gritaria, da bagunça. Que saudade das olas da torcida, dos gritos de guerra, das provocações aos times rivais, do mau cheiro do sanitário. Que saudade de xingar o juiz quando marcava um impedimento considerado indevido. Que saudade de sentir cheiro de gente…

Roberto Livianu é procurador de Justiça em SP, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e escritor. Autor de 50 Tons da Vida.
Instagram @robertolivianuoficial

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