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REVOGAR A LEI DE ALIENAÇÃO PARENTAL É ATENTAR CONTRA O DIREITO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Há uma grande polêmica acerca da lei de alienação parental e algumas questões relacionadas à violência contra criança, especialmente no que tange ao tema do

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Redação Publicado em 26/07/2021, às 00h00 - Atualizado às 09h14


Há uma grande polêmica acerca da lei de alienação parental e algumas questões relacionadas à violência contra criança, especialmente no que tange ao tema do abuso sexual no seio familiar, a ponto do Congresso Nacional começar a discutir a revogação total da Lei nº 12.318/2010 (Lei de Alienação Parental). Cabe aqui, então, trazer ao debate o que é realmente alienação parental, o que versa a legislação em questão e os motivos levantados por aqueles que querem a sua revogação.

Nesse contexto, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 6371/2019 que, como afirmado, visa revogar a lei de Alienação Parental, com o argumento de que há relatos de casos de mau uso da legislação por pais abusadores, que apresentariam falsas denúncias contra o ex-cônjuge, com o intuito de obter a guarda da criança e continuar com a prática de abusos.

Segundo consta do Portal da Câmara dos Deputados, o pedido de revogação aconteceu em decorrência da CPI dos Maus Tratos, encerrada em dezembro de 2018, que teria constatado tais fatos, razão pela qual a Deputada Iracema Portella (PP-PI) decidiu apresentar a proposta. Segundo ela, muitos especialistas e membros das comunidades jurídica e científica alegam que essa lei tem servido, em grande medida, como instrumento para que pais que abusaram sexualmente dos seus filhos possam exigir a manutenção da convivência com estas crianças, inclusive as retirando da presença das mães e que as denúncias, muitas vezes, vem desacompanhada de vestígios, que torna difícil a comprovação judicial.

Afirma, então, a parlamentar: “Nem sempre, mediante perícia e outros meios, consegue-se extrair a prova necessária do abuso praticado. O denunciante passa, via de regra, a ser considerado alienante à vista de ter apresentado denúncia não comprovada contra o genitor abusador (tida como falsa para obstar ou dificultar a convivência dele com a criança ou adolescente) e este consegue a manutenção da convivência com o filho menor, passando, por vezes, a repetir com o menor os mesmos abusos já praticados”.

Diante de tais argumentos, cumpre-nos analisar o que, afinal, é a Alienação Parental, sobre o que versa a lei de Alienação Parental e, dentro dessa correlação normativa, se tem algum fundamento que comporte as referidas alegações e fundamentações para a sua total revogação.

Em primeiro lugar, cabe destacar que a referida lei nº 12.318/2010 tem por objetivo, fundamentalmente, proteger as crianças e adolescentes, trazendo em seu artigo 2º, caput, a sua conceituação, afirmando que alienação parental é a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

No parágrafo único, do mesmo artigo 2º, a lei traz exemplos do que ela considera como formas de alienação parental, além de outros atos que sejam considerados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:

  1. Realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
  2. Dificultar o exercício da autoridade parental;
  • Dificultar o contato de criança ou adolescente com genitor;
  1. Dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
  2. Omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
  3. APRESENTAR FALSA DENÚNCIA CONTRA GENITOR, CONTRA FAMILIARES DESTE OU CONTRA AVÓS, PARA OBSTAR OU DIFICULTAR A CONVIVÊNCIA DELES COM A CRIANÇA OU ADOLESCENTE;
  • Mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

Por sua vez, o caput do art. 3º, ainda no que tange a conceituação da alienação parental, afirma que a prática desse ato fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.

Como se vê, o argumento levantado no Congresso Nacional para derrubada integral da Lei de Alienação Parental, reside especificamente no inciso VI, do parágrafo único, do artigo 2º, ou seja, no fato da não comprovação de denúncia contra o genitor sobre casos de abuso, que passa a caracterizar, em tese, tentativa de “obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente”.

Trata-se de argumento muito simplório, quando comparado com o que realmente se visa derrubar, que é uma lei muito mais ampla, haja visto os exemplos trazidos pela mesma para considerar a caracterização dos atos de Alienação Parental, sem contar o fato de que, no Brasil, segundo dados do IBGE, de agosto de 2019, cerca de 80% dos filhos de pais separados sofrem chantagem emocionais dos genitores, condutas que prejudicam diretamente a saúde mental e emocional dessas crianças.

Conforme esse estudo, as consequências da prática de Alienação Parental para criança e adolescente são gravíssimas e podem trazer os seguintes efeitos psicológicos: a) sentimento de culpa e angústia; b) depressão; c) ansiedade; d) medos; e) dificuldade de aprendizagem; além do perigo do desenvolvimento de uma doença chamada “Síndrome da Alienação Parental”, reconhecida pela OMS e integrante da classificação mundial de doenças desde junho de 2018.

Segundo a OMS, a “Síndrome da Alienação Parental” é caracterizada quando a criança ou adolescente passa a enxergar ou idealizar um dos pais de forma muito negativa *muitas vezes com verdadeiro ódio) e é consequência da prática reiterada de condutas de alienação parental, o que demonstra claramente a gravidade de tais atos e a necessidade de um debate mais aprofundado acerca do assunto, não podendo o Congresso, simplesmente, revogar a norma, com base em um debate não raso.

Por fim, derrubando qualquer argumento contrário a lei, verifica-se que a lei não permite que o ato de Alienação Parental seja declarado de modo tão singelo, exigindo a observância de requisitos processuais específicos, ou seja, quando constatada a ocorrência da prática de alienação parental, seja por ação autônoma, incidental, seja por denúncia, ou de ofício, de modo resumido, teremos os seguintes procedimentos:

  1. O processo passa a ter tramitação prioritária, devido às consequências gravíssimas que a alienação tem para a saúde psicológica da(s) criança(s) vítima(s);
  2. O juiz irá ouvir o Ministério Público acerca da situação e da medida que pretende adotar;
  3. O juiz tomará todas as medidas cabíveis e necessárias para assegurar o bem estar da(s) criança(s) vítimas, bem como a convivência entre elas e o(s) genitor(es);
  4. E, ainda, por fim, o juiz pode determinar uma perícia psicológica ou biopsicossocial para analisar mais a fundo a situação.

Por tudo que aqui expus, verifica-se, claramente, que a lei de alienação parental, não precisa de reparo, pois ela garante a ampla instrução processual, probatória e pericial, inclusive com acompanhamento psicossocial e fiscalização permanente do Ministério Público, principalmente se levarmos em conta que o juiz deve ouvir este órgão para as medidas que for adotar no caso concreto. Ainda assim, caso persista a argumentação dos que visam a revogação da referida lei, o único dispositivo que pode/deve ser revisto é o inciso VI, do parágrafo único do artigo 2º, preservando-se todos os demais casos previstos, protegendo, como é o fundamento da lei, a vida, saúde e integridade física e psicológica das crianças e adolescentes.

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Amilton Augusto

Advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com o Poder Legislativo da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes – org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018).  Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020).  Palestrante e consultor. E-mail: [email protected].
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