Diário de São Paulo
Siga-nos

Renzo Angerami – Rinhas de galo: esporte, cultura ou crime?

Durante anos à frente do setor de investigação da Delegacia de Polícia do Meio Ambiente de Santo André me deparei com inúmeras ocorrências envolvendo as

Renzo Angerami – Rinhas de galo: esporte, cultura ou crime?
Renzo Angerami – Rinhas de galo: esporte, cultura ou crime?

Redação Publicado em 17/05/2020, às 00h00 - Atualizado às 13h40


Rinhas de galo: esporte, cultura ou crime?

por Renzo Angerami
“Projeto Leis e Bichos”

Durante anos à frente do setor de investigação da Delegacia de Polícia do Meio Ambiente de Santo André me deparei com inúmeras ocorrências envolvendo as chamadas “rinhas de galo”. A título de exemplo, apenas em uma dessas ocorrências, registrada no início deste ano, na região do ABC, foram apreendidos mais de mil galos.

Em regra, essas ocorrências são registradas como crime de maus tratos contra animais, previsto na Lei Ambiental. Esse crime é considerado infração de menor potencial ofensivo, o que tem gerado uma sensação de impunidade e indignação em todos àqueles que lutam pelo direito dos animais.

Por necessidade do trabalho e apreço pelo tema acabei por adentrar neste universo e conhecer um pouco dos argumentos prós e contra as “rinhas de galo”.

Por meio de uma série de pesquisas e acompanhamento de ocorrências policiais percebi que as “rinhas de galos”, embora realizadas com certa discrição, devido seu caráter ilegal, ainda são muito comuns no Brasil.

Em linhas gerais, os denominados galistas promovem batalhas entre dois galos, em uma espécie de ringue, onde os animais, que são objetos de apostas, são colocados para lutar até a morte ou até que um deles fique extremamente ferido. Alguns galistas comparam os combates dos animais com lutas de MMA.

Quando interpelados os galistas alegam que a pratica de rinhas não pode ser considerada como crime, pois se trata de verdadeira expressão da cultura brasileira, do esporte, tendo inclusive um forte lobby no Congresso Nacional visando sua legalização.

Alegam, ainda, que os animais são bem tratados, com alimentação adequada e vitaminas. Por fim, ainda se colocam como “salvadores” da espécie, uma vez que  afirmam que os “galos de briga ou combatentes” não conseguem conviver, brigam por instinto e quando apreendidos, muitas vezes,  são destinados ao abate; motivo pela qual entendem que  caso não houvesse as rinhas a espécie estaria destinada a extinção.

Por outro lado, as apreensões realizadas demonstram que há uma verdadeira indústria por trás das rinhas, ou seja, durante os trabalhos realizados descobriu-se que para os eventos há a montagem de verdadeiras arenas para lutas, com estrutura de apostas, treinadores específicos para que as aves se tornem mais fortes e agressivas (o treinamento inclui uso de anabolizantes e mutilações), comercialização e utilização de gaiolas (onde os animais ficam confinados), esporas e bicos de metal ou plástico que são utilizados em substituição as partes naturais da ave, de modo que o “espetáculo” se torne ainda mais violento e sanguinário. Para se ter uma ideia, as aves combatentes podem ter um valor que varia entre R$1.500,00 a R$20.000,00.

Pelos motivos expostos, há no âmbito jurídico-penal àqueles que, como eu, acreditam que as “rinhas de galo”, conforme acima revelado, com estrutura voltada à pratica de abuso de animais e apostas em jogos de azar, configuram muito mais do que mero crime de maus tratos, podendo caracterizar verdadeira associação criminosa.

Ainda nos meandros das “rinhas de galo”, tive a oportunidade de conhecer, por meio do Projeto Leis e Bichos, o trabalho desenvolvido pelo Centro Universitário de Formiga/MG – Unifor e Ministério Público de Minas Gerais, que visa a reintegração no meio ambiente de galos apreendidos em rinhas, sob coordenação do  Médico Veterinário, Prof. Dênio Garcia Silva de Oliveira.

Em entrevista para o Projeto Leis e Bichos, o Dr. Dênio explicou que embora os galos combatentes tenham natureza agressiva, de modo a tentar impor seu domínio, podem conviver de forma pacífica entre si. Segundo o médico, o que torna os animais extremamente violentos e incapazes de convivência é o treinamento, o estimulo dado pelo homem, no caso, pelos galistas. Na Fazenda experimental da Unifor o Dr. Dênio já ressocializou cerca 90 galos apreendidos em rinhas, que  chegaram ao projeto com lesões físicas e psicológicas e hoje convivem harmonicamente.

O Coordenador do Projeto também explicou que após ressocializados os animais são destinados a criadores locais, o que coloca por terra o argumento de que os galos combatentes são incapazes de conviver e que seu destino fatal é o extermínio. Se você quiser saber mais sobre a entrevista com o Dr. Dênio Garcia Silva de Oliveira, consulte www.leisebichos.com.br ou Facebook:@leisebichos.

Na verdade, verifica-se que a solução para o problema das “rinhas de galo” esta intrinsecamente ligada aos sentimentos de humanidade e respeito aos animais, legislação, ética e, sobretudo, políticas públicas.

É bem verdade, que o debate e a argumentação bilateral devem ser observados e respeitados em quaisquer assuntos. No entanto, não consigo encontrar argumentos que justifiquem a dor, a mutilação e traumas psicológicos desenvolvidos em animais  indefesos, apenas e tão somente, para a satisfação de um prazer mórbido e destrutivo que se oculta por meio do manto da cultura e do esporte.

E você? O que acha?

Rinhas de galo: esporte, cultura ou crime?

Renzo Angerami é Chefe dos Investigadores da Delegacia de Polícia do Meio Ambiente de Santo André e idealizador do Projeto Leis e Bichos

Compartilhe  

Tags

últimas notícias