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Reinaldo Polito: Conversa ao pé do ouvido com o Padre Vieira

Convivi com pessoas excepcionais. Daquelas com as quais dava gosto dialogar. Eram conversas que nunca se tornavam cansativas. Ao contrário, quanto mais eu as

Reinaldo Polito: Conversa ao pé do ouvido com o Padre Vieira
Reinaldo Polito: Conversa ao pé do ouvido com o Padre Vieira

Redação Publicado em 16/05/2021, às 00h00 - Atualizado às 20h59


Conversa ao pé do ouvido com o Padre Vieira

Convivi com pessoas excepcionais. Daquelas com as quais dava gosto dialogar. Eram conversas que nunca se tornavam cansativas. Ao contrário, quanto mais eu as ouvia mais interessado ficava no que tinham a dizer. Foi assim com Blota Júnior, o maior orador que tive a felicidade de conhecer, e o melhor apresentador da televisão em todos os tempos.

Não foi diferente com o professor Silveira Bueno, um grande filólogo, autor de mais de 60 livros, que aos 93 anos de idade ainda revisava suas obras para as novas edições. Além da sua cultura admirável, era também um ótimo contador de histórias.

Gostaria também de ter convivido com outras pessoas que sempre me fascinaram pela sua história de vida. Só para citar dois como exemplo, Joaquim Nabuco e o Padre Antonio Vieira. Talvez tenham sido os dois melhores oradores da nossa história. Viveram em épocas diferentes e deixaram suas marcas para a eternidade.

Eu fico imaginando estar em uma sala de visitas trocando ideias com Joaquim Nabuco. Esse abolicionista foi um orador exemplar. Afonso Celso, no seu livro “Oito anos de parlamento”, o descreve como um homem elegante, de voz portentosa, inteligência aguda e muito culto. Quando ele fazia pausas no seu discurso era possível ouvir até o barulho do silêncio.

Viera foi, sem dúvida, o mais importante orador sacro de que se tem notícia no Brasil. Ninguém escreveu melhor que ele. Ninguém foi mais eloquente no púlpito que ele. Nunca se intimidava. Nunca fazia concessões. Criticava a todos, poderosos ou não, com a certeza de que suas palavras eram a perfeita representação da vontade de Deus.

Como, evidentemente, é impossível conversar com essas personalidades, idealizei uma entrevista com uma delas – o padre Vieira. Nesse diálogo hipotético fiz as perguntas e procurei as respostas em seus próprios textos. Essa talvez seja uma ótima oportunidade para aprendermos um pouco mais com seus ensinamentos e também para conhecê-lo melhor.

Polito – Algumas pessoas julgam que o senhor tenha nascido no Brasil, porque fazem essa confusão? Quem foram seus pais?

Vieira – Talvez pelo fato de eu ter vindo ainda menino para o Brasil. Nasci em Lisboa no dia 6 de fevereiro de 1608 e vim para o Brasil quando ainda não havia completado 8 anos. Sou filho de Cristóvão Vieira Ravasco e de D. Maria de Azevedo.

P – Como nasceu sua vocação para o sacerdócio?

V – Iniciei meus estudos no colégio da Companhia de Jesus, na Bahia, e encontrei ali campo fértil para despertar minha vocação. Na verdade, descobri de um momento para outro que esta seria a vida que desejava. Em 1623 ouvi uma pregação do Padre Manuel do Carmo, que falava sobre as penas infernais, e fiquei encantado. Naquele momento senti que seria sacerdote.

P – Como foi o início de seus estudos para se tornar sacerdote?

V – Entrei para a Companhia de Jesus aos 15 anos de idade. Não foi fácil porque meus pais foram muito resistentes a essa minha decisão. Tive de fugir para ingressar no Colégio dos Jesuítas, e pude professar ainda jovem, com 17 anos, no dia 6 de maio de 1625.

P – Seu gosto pela oratória também começou cedo?

V – Aos 18 anos atuei como professor de retórica em Olinda. Escolhi como tema das minhas aulas as obras de Sêneca e Ovídio. Confesso, entretanto, que não me sentia bem com essa atividade fechada em sala de aula, meu anseio era o de me envolver com a vida missionária. Ao contrário do meu contemporâneo Manuel Bernardes, que sempre foi mais contemplativo, eu desejava ação.

P – Não vejo o Padre Manuel Bernardes como sendo um homem apenas contemplativo.

V – Eu não disse que ele foi apenas contemplativo, mas sim que foi mais contemplativo. E estava fazendo essa observação apenas para tentar esclarecer a vida que escolhi para mim.

P – Quando se tornou padre?

V – Os jesuítas pediram que eu ficasse na Bahia para concluir os estudos de Filosofia e Teologia. Assim, pude ser ordenado padre em 1635. Sempre gostei do púlpito. Em 1640 proferi um dos meus sermões preferidos, Sermão contra os holandeses – Bom sucesso das armas de Portugal contra a Holanda.

P – Não foi nesse sermão que o senhor confrontou e interpelou Deus?

V – Absolutamente. Meu objetivo foi o de levantar o ânimo da nossa gente, usando argumentos legítimos para persuadir Deus a nos ajudar. Jamais poderia confrontar Deus sendo eu um de seus servos mais fiéis.

P – O senhor disse, entretanto, nesse sermão – “Não hei de pregar hoje ao povo, não hei de falar com os Homens, mais alto hão de sair as minhas palavras ou as minhas vozes: a vosso peito Divino se há de dirigir todo o sermão”.

V – Sim, disse. Foi apenas um recurso retórico para chamar a atenção daqueles que me ouviam. Se na verdade eu desejasse apenas que Deus me ouvisse faria sozinho uma prece silenciosa, não um sermão.

P – Acho difícil entender.

V – Entenderia melhor se você estivesse lá no ano de 1640, diante de uma batalha.

P – Embora, de certa forma, a nossa conversa esteja ligada a arte de falar em público, gostaria de ser mais específico neste assunto. Lendo seus sermões será possível aprender a falar em público?

V – Não produzi os sermões com essa finalidade. O objetivo das minhas pregações sempre foi o de levar às pessoas a palavra de Deus. Por outro lado, não posso ser hipócrita e ficar com falsa humildade dizendo que não. Os sermões que proferi, embora tenham sido respaldados na verdade e na sinceridade, foram elaborados no que pude encontrar de melhor na arte oratória. A leitura criteriosa e crítica poderá dar ao leitor um bom caminho para o aprendizado da comunicação em público.

P – O senhor recomenda algum em especial?

V – O mais apropriado para essa finalidade é o Sermão da Sexagésima, que preguei na Capela real em 1655. Nessa pregação mostrei aos padres como deveriam agir para planejar e proferir seus sermões. Foi na verdade uma aula de oratória. Trato ali de todos os aspectos relevantes sobre o orador, o tema e os ouvintes.

P – O senhor julga que esses princípios pregados há mais de 300 anos teriam aplicação prática nos dias de hoje?

V – Tenho certeza que sim. Quer algo mais apropriado para os dias de hoje que o trecho desse sermão? “Sabem, Padres Pregadores, por que fazem pouco abalo os nossos sermões? Porque não pregamos aos olhos, pregamos só aos ouvidos. Por que convertia o Batista tantos pecadores? Porque assim como as suas palavras pregavam aos ouvidos, o seu exemplo pregava aos olhos”.

Diga-me, será que existe matéria mais atual que essas palavras? Já pensou se todos seguissem esses mesmos conselhos?!

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