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Reinaldo Polito: O segredo de Churchill para falar bem em público

Reza a boa lenda que certa vez perguntaram a Winston Churchill como ele elaborava suas apresentações. A curiosidade devia ser muito grande, já que seus

Reinaldo Polito: O segredo de Churchill para falar bem em público
Reinaldo Polito: O segredo de Churchill para falar bem em público

Redação Publicado em 18/07/2021, às 00h00 - Atualizado às 10h19


O segredo de Churchill para falar bem em público

Reza a boa lenda que certa vez perguntaram a Winston Churchill como ele elaborava suas apresentações. A curiosidade devia ser muito grande, já que seus discursos empolgavam as plateias, sendo admirados até mesmo pelos adversários. Esse era, portanto, um segredo que todos gostariam de desvendar.

Afinal, como ele idealizava a mensagem? Onde buscava exemplos para ilustrar e reforçar sua sempre precisa e avassaladora linha de argumentação?  Como determinava a duração de cada um de seus discursos? Levaria em conta apenas a mensagem? Considerava o contexto e as circunstâncias que cercavam cada evento?  Ou possuía outros pontos para tomar a decisão?

Um antigo e conhecido professor de oratória me afirmou que essa história é verídica. Bem, verídica ou não, desconfio que, provavelmente, esteja acontecendo com você o mesmo que se deu comigo – fiquei muito curioso para saber qual havia sido a resposta. Seria mais ou menos o que costumamos dizer hoje: a pergunta de um milhão de dólares.

Provavelmente os mais detalhistas imaginavam que ele fosse dar uma aula completa de retórica, esclarecendo com detalhes cada uma das etapas de seus discursos. Que explicaria os diferentes tipos de exórdio de que costumava lançar mão, e como adaptava cada um desses inícios as mais distintas circunstâncias, considerando o perfil do público e o contexto da apresentação.

Talvez pudesse discorrer a respeito das estratégias utilizadas para instruir convenientemente os ouvintes com o objetivo de facilitar a compreensão de cada um de seus argumentos. Se ele estivesse inspirado, quem sabe desse uma colher de chá com preciosas indicações para organizar a sequência da argumentação.

E ainda haveria a expectativa de que ele revelasse uma das informações mais aguardadas – como ele refutava as objeções, pois em toda a sua vida teve de se confrontar com opositores poderosos que viviam pondo resistências às suas propostas.

Aí sim estaria pronto para trazer à luz o poderoso segredo de suas perorações, já que era no final de seus discursos que conseguia levar as plateias a agir de acordo com sua voz de comando.

Ah, e caberia ainda uma boa discussão sobre o famoso gesto do V da vitória que ficou imortalizado. Afinal, todos gostariam de saber se o gesto foi espontâneo, nascido no calor do discurso, ou se foi criteriosamente planejado para que pudesse tocar a emoção dos ouvintes e atingir seus objetivos.

Imagino que, se o fato ocorreu mesmo, a resposta de Churchill deva ter frustrado quem fez a indagação. Segundo dizem, Churchill respondeu com uma simplicidade que chocou quem estava ouvindo. Disse simplesmente: eu preparo o início e o final.

Penso também que após alguns instantes de pausa silenciosa alguém tenha ousado buscar outros esclarecimentos. Sim, o senhor prepara o início e a conclusão da fala, mas e o meio do discurso como é planejado? A explicação deve ter decepcionado ainda mais quem aguardava uma aula do grande orador. Churchill teria respondido: bem, no meio eu vou falando.

Analisando essa conversa que mais se assemelha a um fato anedótico, dá a impressão de ela ser inconsistente e sem nenhuma fundamentação técnica. Se, entretanto, avaliarmos com mais atenção, essa simples orientação encerra um conjunto teórico que abarca toda a essência do conhecimento retórico.

Se recorrermos, por exemplo, à “Arte retórica”, de Aristóteles, escrita no século IV a. C., a mais antiga obra de oratória que chegou aos nossos dias, e espremermos cada orientação dada pelo extraordinário pensador, vamos concluir que a estrutura desenvolvida por ele não difere muito do que foi dito pelo primeiro-ministro inglês.

O filósofo grego diz em seu livro que no início o orador deve conquistar o público. Segundo Cícero, um dos maiores oradores da antiguidade, é nessa etapa que se deve conquistar a benevolência, a atenção e a docilidade dos ouvintes. Por ser um momento complexo e delicado da apresentação, nada mais natural que deva ser bem pensado.

A conclusão é ainda mais difícil de ser idealizada. Aristóteles ensina que nessa etapa o orador deve dispor o ouvinte a seu favor, e dispô-lo mal contra o adversário. Caberão aqui os esforços para amplificar ou atenuar o que disse. E, antes de proceder a uma brevíssima recapitulação, deve excitar as paixões no ouvinte.

Considerando que o orador tenha planejado com bastante critério o início e a conclusão da fala, no meio, como disse Churchill, cada um vai falando sobre o que sabe. Se o assunto for de completo domínio de quem se apresenta, saberá alinhavar as ideias de tal forma que sua fala seja bem concatenada, facilitando sua exposição e a compreensão da plateia.

Esse é, portanto, o grande segredo: prepare o início e a conclusão, e no meio fale sobre o que sabe.

Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão Corporativa e Gestão de Comunicação e Marketing na ECA-USP. Escreveu 34 livros com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no [email protected]

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