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Reforma Política, Sim; Coronelismo, Não!

Mais uma eleição se avizinha e, como ocorre em todo ano pré-eleitoral, novamente, o Congresso Nacional começa a se debater sobre mais uma Reforma Política e

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Redação Publicado em 31/05/2021, às 00h00 - Atualizado às 07h24


Mais uma eleição se avizinha e, como ocorre em todo ano pré-eleitoral, novamente, o Congresso Nacional começa a se debater sobre mais uma Reforma Política e Eleitoral, como ocorreu com maiores impactos nos anos de 2015, 2017 e 2019, trazendo, dessa vez, os holofotes, entre outras, para a intenção de mudança do sistema eleitoral para as eleições para os cargos do Poder Legislativo.

Entre as propostas de mudança mais efetiva, como dito, está a extinção do sistema proporcional com a adoção do sistema conhecido como “Distritão”, sistema em que os candidatos ao cargo de deputado mais votados em cada Estado ganham as vagas, independentemente do desempenho das siglas no pleito, o que, numa primeira análise pode parecer algo justo, mas no final acaba prestigiando os caciques partidários e os candidatos mais abastados.

Outros pontos em discussão na Reforma são a tentativa de frear os efeitos da cláusula de barreira, além da volta das coligações para as eleições proporcionais, que foram vedadas na última eleição para vereadores, o que, nesse ponto específico, comprova-se a máxima de que o Congresso se utiliza sempre das eleições municipais como “cobaia” para as mudanças que deseja implementar e, quando tais medidas não correspondem ao esperado, acaba por mudar ou retornar ao modelo anterior, visando que os impactos negativos advindos dessa escolha não atinjam aqueles que disputarão as eleições gerais. Em suma, prefeitos e vereadores ainda não se conscientizaram, mas são sempre os mais prejudicados nesse jogo de interesses.

O exemplo clássico disso é que, com o fim das coligações para a eleição de 2020, ficou mais difícil para os partidos menores, vez que não contavam mais com as conhecidas alianças, que somavam os votos para a divisão das cadeiras em disputa, fez com que só conseguissem eleger 1,1% dos vereadores, contra 2,4% na eleição anterior, o que certamente será repetido na próxima eleição, caso permaneça a vedação às coligações.

Outros pontos que estão em evidência e que podem tomar boa parte da pauta da Reforma é, em primeiro lugar, o retorno do denominado financiamento empresarial de campanha, o que entendo ser de extrema importância para o momento atual em que o Brasil atravessa, sendo totalmente inadequada a utilização de recursos públicos em campanha eleitoral, além de impossível se cogitar da ocorrência de campanhas sem recursos, ainda mais quando se verifica o viés pelo ângulo correto, que é o do eleitor, este que tem o direito de tomar conhecimento de todas as opções na hora de escolher em quem votar.

Outro tema em debate é a alteração da janela partidária para o ano pré-eleitoral, ou seja, antecipação para o período de 30 (trinta) dias que antecedem o prazo de um ano antes da eleição, entre setembro de outubro desse ano, fazendo com que no ano eleitoral não haja dúvida dentro das agremiações sobre eventuais migrações de parlamentares, justamente no período em que os partido estão cuidando das alianças e organizando suas chapas para a disputa, mudança que acarretará uma maior segurança para esses.

No que tange à adoção do sistema “Distritão”, diferente do sistema distrital, que visa dividir o Estado em pequenos distritos, aproximando assim o eleitor do seu candidato/parlamentar, o que, como muitos apontam, reduziria os gastos com as campanhas eleitorais e faria com que os eleitos pudessem se dedicar a uma parcela menor do Estado dispensando assim maior atenção e cuidado ao seu reduto, àquele prestigia pequena parcela dos políticos conhecidos e abastados no âmbito geográfico de todo o Estado, retirando, portanto, os benefícios que seriam trazidos pela criação dos distritos eleitorais.

Trata-se de um sistema que não aproxima o eleitor do seu parlamentar e nem reduz os gastos com as campanhas eleitorais, ao contrário, acirra a disputa pelo maior número de votos possível, aumentando ainda mais os gastos com publicidade e maior concentração dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha nas mãos dos dirigentes partidários e dos candidatos que mais interessam a estes, assegurando maior domínio político sobre um território grande, que é todo o Estado, desvalorizando a representação partidária e distanciando ainda mais o eleitor/povo.

Desse modo, importante que tenhamos discernimento para compreender que o sistema “Distritão” só traz benefícios para candidatos mais influentes dentro dos partidos políticos, em especial aqueles que terão controle dos recursos de financiamento das campanhas, bem como aqueles candidatos mais conhecidos, por certo os que já possuem mandato eletivo, entre os quais os oligarcas da política, ressuscitando, assim, o tão nefasto e indesejável coronelismo.

Fato é que o debate acerca da Reforma Política desse ano não pode ser feita sem a participação efetiva da sociedade, pois, distraída que está pela questão urgente e emergencial da pandemia e tudo o que gira em torno desta, não percebe as mudanças que poderão advir e resultar no futuro do País, já tão assolado por inúmeras mazelas, em especial pelo fato de que a reforma deve aperfeiçoar o sistema e não redundar no aviltamento da democracia representativa, por uma evidente prejudicialidade na renovação do Parlamento brasileiro, tão necessária em nossos tempos, vez que muitos dos que lá se encontram não representam os verdadeiros anseios do nosso povo, tão carente do essencial ao seu próprio sustento e dignidade. Reforma, Sim; Coronelismo, Não!

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Amilton Augusto

Advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com o Poder Legislativo da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes – org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018).  Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020).  Palestrante e consultor. E-mail: [email protected].
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