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Recuperada de câncer, Fabíola desabafa ao ter pontuação zerada: “Esgotada”

Celebrada este mês, a campanha Outubro Rosa visa incentivar a conscientização para o diagnóstico precoce do câncer de mama, tipo mais comum entre as mulheres

Recuperada de câncer, Fabíola desabafa ao ter pontuação zerada: “Esgotada”
Recuperada de câncer, Fabíola desabafa ao ter pontuação zerada: “Esgotada”

Redação Publicado em 21/10/2021, às 00h00 - Atualizado às 22h58


Jogadora de vôlei de praia, que retornou às areias em julho, reclama de falta de acolhimento da CBV e cobra mudança em regulamento

Celebrada este mês, a campanha Outubro Rosa visa incentivar a conscientização para o diagnóstico precoce do câncer de mama, tipo mais comum entre as mulheres e líder de mortalidade entre o público feminino no Brasil, onde o risco estimado chega a 61,61 casos a cada 100 mil habitantes, segundo o Ministério da Saúde. Quem viveu essa doença, sabe das suas dificuldades. É o caso de Fabíola Constâncio, atleta de vôlei de praia. O que ela não esperava, no entanto, é que teria que lidar com outro desafio ao retornar às areias. Depois de ter a pontuação zerada no ranking, a jogadora desabafou sobre a falta de acolhimento da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) e cobrou uma mudança urgente no regulamento.

Fabíola Constâncio, vôlei de praia  — Foto: Reprodução

Fabíola Constâncio, vôlei de praia — Foto: Reprodução

Nas redes sociais, a atleta publicou um longo desabafo no qual contou um pouco da nova realidade vivida nas competições e manifestou sua revolta em pleno mês de conscientização sobre uma doença cuja luta interrompeu os 11 anos de serviços ininterruptos prestados ao esporte, como explicou nesta quinta-feira, em entrevista ao ge.

– O que me fez fazer esse post primeiro foi por querer ser ouvida, porque muita gente, até os próprios atletas, não estavam sabendo do que estava acontecendo. Acho que o momento não poderia ser mais cabível também, com o tema da Outubro Rosa. Estou desde o dia 1º de outubro sem dormir direito, comer, pensando nisso o tempo todo, sem conseguir treinar. Sabia que precisava me posicionar de alguma forma e não ficaria bem comigo mesma se deixasse passar. Acho muito triste, uma atleta que está voltando depois de um câncer, de ter brigado pela vida. Achei que teria mais paz, que ia ter uma coisa leve na vida, e não foi assim. Quando vi que ia ser essa dificuldade, vi que seria mais uma luta.

Fabíola retornou às competições em julho. Afastada do esporte desde outubro de 2018, a brasiliense de 37 anos travou uma intensa batalha contra o câncer de mama de 2019 ao segundo semestre de 2020. Por conta do regulamento, no entanto, ela teve a pontuação zerada no ranking, precisando iniciar as disputas ainda no pré-qualifying.

– Estou muito esgotada. Só eu sei o que eu passei enfrentando essa doença. Fiquei afastada por muito tempo. Troquei uma vida que tinha de treino, competição e viagens, por uma rotina de hospitais, exames. Quando se descobre uma doenças dessas, você é bombardeada com informações de todos os tipos. Achei que essa volta ao esporte ia ser uma coisa que ia me trazer mais felicidade, leveza, tudo de bom, voltar a fazer o que eu amava e conseguir. E esse fato de agora ter que brigar pelos meus pontos é extremamente desgastante.

– É surreal você ver que a CBV não se importa com um atleta que está voltando de um câncer. E isso deveria partir deles, não deveria nem ser eu quem deveria ir atrás.

Fabíola conta que chegou a se reunir com dirigentes da confederação e da comissão de atletas, que acenaram positivamente para mudanças no regulamento, sem comprometer a pontuação da jogadora no período que antecedeu seu tratamento. Sem resposta, ela chegou a acionar a CBV na justiça para que tivesse o pedido atendido.

– Achei que já estava tudo certo. Conversei com dirigentes e comissão de atletas e voltei para casa achando que a gente tinha se acertado. Me pediram para fazer um texto que achava coerente para colocar no regulamento. Falaram que iam devolver minha pontuação. Mas dias depois, quando estava em Brasília, me ligaram com uma negativa e falaram que iam me responder juridicamente, porque tinha entrado com uma ação e até hoje não tinha nenhuma resposta. Na verdade, minha intenção nunca foi bater de frente com alguém, mas tenho direito de brigar pelos meus pontos. O fato de ter entrado com uma ação foi simplesmente para levantar para falar da minha questão, precisava que enxergassem o que estava acontecendo. Agora eles alegam que não podem mudar o regulamento nesse momento, o que é estranho porque para outras questões eles conseguiram mudar – afirmou a jogadora, que justificou a importância da mudança.

– Minimamente, eles têm que rever esse regulamento, que está absolutamente fora da realidade de quem faz um tratamento de câncer. Não tem como prever que em dois anos você pode tratar um câncer e voltar. Existem vários tipos de tratamento. No mínimo, seria a pessoa ter um prazo estipulado após o tratamento. Se demorou cinco ou um ano, a partir do momento em que está liberada pelos médicos, em estado de remissão, teria um prazo de dois anos, porque a decisão de voltar também passa muito pelo psicológico. Eu mesma não acreditava, achava que não voltaria a jogar nunca mais. Quando voltei em julho, estava incrédula, em estado de choque, porque muitas vezes a gente não acha que poderá ter uma vida normal de novo, porque fica muito debilitado – conta.

Apoio nas redes sociais

Recentemente, a CBV aprovou um novo regulamento no qual prevê que atletas que voltarem a jogar em até 18 meses após afastamentos por gravidez não perderão seus pontos no ranking. A mudança foi anunciada um mês depois de uma postagem de Maria Elisa Antonelli pedindo para que as regras fossem alteradas. Nesta quinta-feira, a jogadora voltou a usar as redes sociais, desta vez, para endossar a causa da colega de profissão. Um apoio que também foi exaltado por Fabíola.

– Acompanhei o post das mamães, da Maria (Elisa), e achei o máximo. É uma vitória pro esporte. Não achava que teria que fazer isso, mas acho que no final das contas acabou sendo uma referência mesmo, porque o verdadeiro sentido é deixar um legado para o esporte, pensar no próximo. Estou tendo apoio de muita gente. Muitas pessoas do vôlei ficaram assustadas, porque não tinham essa noção, assim como de outros esportes, família, amigos. Gente que nunca vi na vida está compartilhando, e todos de mãos dadas porque chega a ser inacreditável, ter uma instituição que está com a logo rosa, inclusive, e não abraçou a própria atleta que passou por essa situação.

Outubro Rosa

Fabíola, que abraçou a causa da campanha Outubro Rosa, disseminada em todo o país, também aproveitou para alertar sobre o câncer de mama, mas ponderou sobre algo que poderia ser muito maior com o envolvimento da confederação.

– Acho que a sugestão que eu daria para a CBV seria para serem humanos. Às vezes a impressão que me dá é que eles só agem como empresa, e a humanidade fica de lado. É muito triste você ter um atleta voltando de um câncer, onde eu poderia ter sido melhor abraçada, inclusive nesse momento de Outubro Rosa, que era minha intenção, estar juntamente com a instituição passando uma mensagem de positividade para as mulheres, e não só. É muito maior do que aquele núcleo privilegiado de atletas. Quem está ali é um privilegiado de ser um atleta de alto rendimento, e minha causa hoje é maior do que isso, abrange o mundo, porque o câncer acomete milhões de mulheres no mundo inteiro.

CBV responde

Procurada pela reportagem do ge, a CBV se manifestou sobre o assunto. Em nota, a entidade reforçou o compromisso com os atletas e citou algumas das adequações tomadas no regulamento, incluindo em relação a afastamentos motivados por doenças graves.

– A CBV está sempre atentas às sugestões e demandas dos atletas. Um exemplo são as recentes mudanças no regulamento, amplamente discutidas e aprovadas com a Comissão de Atletas. As novas regras ampliaram o prazo de carência de pontos para atletas grávidas de 1 para 2 anos; além de incluir uma menção clara a um período de carência de dois anos para atletas que se afastem das quadras para tratar doenças de difícil cura, como câncer e AVC. É um regulamento ainda mais inclusivo que o da Federação Internacional de Voleibol, por exemplo. A CBV respeita os regulamentos aprovados e continua à disposição dos atletas para ouvir propostas e discutir mudanças.

Confira a íntegra do desabafo de Fabíola:

Essa é a imagem mais linda que já fiz em toda a minha vida! Me traz leveza, paz e a ctz de q tô no caminho certo, o de CONSCIENTIZAR E SER REFERÊNCIA. Engana-se quem pensa que é apenas sobre câncer de mama…

Há dias estou me sentindo esgotada! Há dias que eu não tenho paz, não durmo, não como e nem treino bem. Há dias (semanas!) que passo o dia inteiro criando textos mentalmente, exatamente pra falar disso aqui.

Zerada de pontos, estou tendo que jogar o torneio pré-qualifying – que antecede o qualifying, que antecede o torneio principal – enquanto na vdd, com minha pontuação era pra estar na metade do caminho. Em algumas etapas teria que jogar de 4 a 5 jogos pra passar pra principal e nos próximos torneios, pasmem, em um único dia. E essa é uma realidade de quem está no pré-qualy, não exclusivamente minha. Porém, eu não comecei a jogar vôlei de praia agora, eu tenho uma história (são 11 anos ininterruptos até então) e ter 0 PONTOS é cm se apagassem toda a minha trajetória dentro do esporte. Zero justo!

Bom, espero hoje conseguir dormir em paz. Eu não poderia deixar passar td isso q está acontecendo sem ter a ctz de q fiz minha parte, tanto a de voltar a jogar e a de brigar pelos meus direitos, como o de SER VOZ E DEIXAR UM LEGADO.

Espero que todas essas questões sejam revistas e refeitas, afinal, foi pra isso que voltei: CONSCIENTIZAR E SER REFERÊNCIA. Lembram?

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Globo Esporte

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