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Projeto Inocência: o homem que ajuda a libertar condenados no corredor da morte

Justin Brooks ajudou a libertar 35 pessoas condenadas à pena de morte e prisão perpétua - e foi até retratado em um filme, pelo ator Greg Kinnear. A BBC News

Projeto Inocência: o homem que ajuda a libertar condenados no corredor da morte
Projeto Inocência: o homem que ajuda a libertar condenados no corredor da morte

Redação Publicado em 30/01/2022, às 00h00 - Atualizado às 15h41


Justin Brooks ajudou a libertar 35 pessoas condenadas à pena de morte e prisão perpétua – e foi até retratado em um filme, pelo ator Greg Kinnear.

Justin Brooks ajudou a libertar 35 pessoas condenadas à pena de morte e prisão perpétua – e foi até retratado em um filme, pelo ator Greg Kinnear. A BBC News conversou com ele durante uma de suas visitas à sua residência de férias no condado de Derbyshire, na Inglaterra, para descobrir o que o conduz na sua jornada por justiça.

Um dia, quando era um jovem professor de Direito, o norte-americano Justin Brooks estava lendo um jornal enquanto se preparava para uma aula em Michigan, nos Estados Unidos, quando uma notícia chamou sua atenção.

Era uma reportagem sobre Marilyn Mulero, que havia sido condenada à morte com 21 anos de idade por duplo assassinato na cidade norte-americana de Chicago, depois que seus advogados a levaram a fazer um acordo judicial e desistir da possibilidade de julgamento perante o júri.

Brooks se interessou em saber mais sobre a mulher e por que ela havia feito o acordo judicial. “Ela desistiu do direito ao julgamento com um acordo judicial e recebeu uma sentença de morte”, conta o professor de direito e advogado de defesa criminal, agora com 56 anos de idade.

“Fui conhecê-la e ela me disse que era inocente”, conta ele. “Então voltei para meus alunos de direito e perguntei ‘quem quer me ajudar a investigar este caso?’. Quatro alunos levantaram as mãos.”

O que se seguiu parecia uma cena de filme, com Brooks e seus alunos sentados na cozinha do professor uma noite, examinando todos os relatórios do caso.

Justin Brooks e sua esposa Heidi, nascida em Derbyshire, na Inglaterra — Foto: Justin Brooks/BBC

Justin Brooks e sua esposa Heidi, nascida em Derbyshire, na Inglaterra — Foto: Justin Brooks/BBC

À medida que começaram a investigar o caso, encontraram várias falhas na investigação policial e no caso de defesa.

Entre eles, disse Brooks, estava o fato do interrogatório de Mulero ter durado 14 horas. Investigações posteriores descobriram que os advogados da mulher não conseguiram visitar a cena do crime e coletar evidências, o que significa que eles dependiam de declarações de testemunhas.

Quando o próprio Justin visitou o local, ele descobriu que uma testemunha-chave mentiu sobre ser capaz de ver o que aconteceu da janela de seu apartamento porque as obstruções e o ângulo de sua casa tornavam isso impossível.

“Ele [o advogado] não investigou o caso. Descobrimos que a mulher que alegava ser uma testemunha-chave havia inventado sua história e era namorada de uma das vítimas”, conta Brooks.

“Eu estava exatamente onde ela disse que havia visto o assassinato em um dia claro e ensolarado e eu não conseguia ver [o local do crime]. E esse tiroteio aconteceu à noite. Havia árvores bloqueando a vista e uma van de comida – era impossível ver”, diz.

“Se o advogado tivesse feito uma coisa simples como essa, saberia que a testemunha estava mentindo e o caso teria desmoronado.”

Brooks então assumiu o caso, substituindo a equipe jurídica original da mulher, e apresentou um recurso. Anos de trabalho para derrubar sua condenação se seguiram.

“Ela se apresentou diante de um novo júri para defender sua vida”, disse ele.

Mulero foi finalmente libertada da prisão em abril de 2020 – 25 anos depois que Justin Brooks e seus alunos começaram a investigar o caso. Ela agora tem um novo emprego e voltou para a sua família. A verdadeira criminosa, Jackie Montanez, confessou que havia planejado o assassinato sozinha.

“Passei 25 anos argumentando em todos os tribunais. Quando recebi a informação de que Marilyn seria libertada, eu literalmente não conseguia falar”, conta Brooks.

“Comecei o caso quando tinha 29 anos e terminei com 55. Era algo emocionante. Os alunos de direito que ajudaram são todos de meia idade agora. Houve muitas lágrimas quando contei a eles”, relembra.

Este caso e outros similares inspiraram Brooks a ser um dos cofundadores do Projeto Inocência da Califórnia, uma organização norte-americana sem fins lucrativos que depende de financiamento e doações para continuar trabalhando.

Ele trabalha em conjunto com nove advogados em tempo integral e 100 voluntários que ajudam a libertar pessoas que foram condenadas erroneamente, particularmente as que passam décadas atrás das grades.

Um dos casos de maior visibilidade do grupo foi o do jogador de futebol americano Brian Banks. Com 17 anos de idade, ele foi sentenciado a seis anos de prisão por um estupro que não cometeu.

A mulher chegou a pedir desculpas e retirar sua acusação. Foi quando Banks chamou Justin Brooks para ajudar a reverter sua condenação. A decisão foi revogada com sucesso em 2012 e tornou-se tema de filme – que recebeu no Brasil o título de Brian Banks: Um Sonho Interrompido. O ator Greg Kinnear fez o papel de Brooks.

O trabalho de Justin Brooks para libertar o jogador de futebol americano Brian Banks foi retratado em filme — Foto: California Innocence/BBC

O trabalho de Justin Brooks para libertar o jogador de futebol americano Brian Banks foi retratado em filme — Foto: California Innocence/BBC

Mas Justin Brooks não consegue aceitar todos os casos que recebe. Ele conta que pode ser difícil decidir quais processos aceitar e quais rejeitar.

“A probabilidade de alguém que enviou uma carta sair da prisão é de 1.000 para 1”, afirma ele. “Infelizmente, recuso a maioria dos casos porque é importante poder provar a inocência e não apenas recolher provas.”

“A parte mais difícil do trabalho é dizer ‘não’ todo o tempo. É um desgaste muito grande para mim. Preciso começar a sair desse processo para poder continuar meu trabalho.”

“Todos os casos são trágicos. Mesmo quando as pessoas não são inocentes, o caso é trágico – existem vidas destruídas, vítimas assassinadas. Chegou a um ponto em que não consigo colocar mais um caso na cabeça. É demais”, conta Brooks.

“Eu dirijo pela Califórnia e minha esposa precisa pedir que eu pare de dizer a ela onde aconteceram todos os crimes. Eu aponto para onde um corpo foi encontrado ou onde outro homicídio aconteceu. Simplesmente não consigo passar pelos locais sem pensar nisso.”

Iniciado na Califórnia, o projeto de Justin Brooks já se expandiu para vários países (incluindo o Brasil) — Foto: California/BBC

Iniciado na Califórnia, o projeto de Justin Brooks já se expandiu para vários países (incluindo o Brasil) — Foto: California/BBC

O que é o Projeto Inocência da Califórnia?

  • É uma organização sem fins lucrativos que investiga os casos de pessoas inocentes presas ou aguardando execução.
  • Justin Brooks deixou de lecionar e é um dos cofundadores do projeto na Califórnia, iniciado em 1999. Hoje, é um dos maiores projetos do gênero e cuida de cerca de 150 casos por ano.
  • Em 22 anos, o projeto ajudou a libertar 35 pessoas inocentes.
  • Existem cerca de 60 projetos similares nos Estados Unidos, além de 40 na Europa e na Ásia. Brooks também ajudou a criar outros 25 projetos em vários países da América Latina – incluindo o Innocence Project Brasil.
  • Quando está no Reino Unido, Brooks também trabalha com os projetos das cidades de Londres, Manchester e Cardiff, ajudando a treinar estudantes de direito.
Justin Brooks passa o tempo durante o lockdown em Belper, na Inglaterra, para trabalhar no seu último livro — Foto: Justin Brooks/BBC

Justin Brooks passa o tempo durante o lockdown em Belper, na Inglaterra, para trabalhar no seu último livro — Foto: Justin Brooks/BBC

O estresse do seu trabalho leva Brooks a visitas regulares à sua segunda casa, na Inglaterra – na cidade comercial de Belper, em Derbyshire – onde ele gosta de dar longas caminhadas até perder-se na área rural da Grã-Bretanha.

Ali, ele e sua esposa Heidi – nascida em Derbyshire e que ele conheceu em 1988, quando ela fazia intercâmbio nos Estados Unidos – têm uma casa rural construída há 240 anos.

O casal normalmente passa vários meses por ano na Inglaterra, visitando amigos e a família de Heidi, especialmente no Natal. Três anos atrás, eles decidiram comprar sua própria casa no campo para servir de lugar para ficar durante essas visitas. Justin se apaixonou pela fuga da rotina que o local oferece.

“Tenho corpos demais na minha cabeça e isso fica insuportável”, conta ele. “Por isso, adoro pegar o avião e sair de tudo aquilo.”

“É por isso que adoro ir para Belper. Nunca me envolvi em nenhum caso criminal por ali. Quando saio para andar em Matlock [cidade a 17 km de Belper], posso parar, relaxar e fico totalmente desconectado do mundo”, conclui ele.

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G1

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