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Priorização na volta às aulas de São Paulo faz especialistas discordarem

A nova resolução do estado de São Paulo que determinou as regras para a volta às aulas presenciais nas redes pública e privada em meio à pandemia do novo

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Redação Publicado em 05/09/2020, às 00h00 - Atualizado às 12h17


Por quem aprova a estratégia, o destaque vai para o equilíbrio entre necessidades sanitárias e educacionais. Críticos falam em irresponsabilidade

A nova resolução do estado de São Paulo que determinou as regras para a volta às aulas presenciais nas redes pública e privada em meio à pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), publicada no Diário Oficial na última terça-feira (1º), colocou de lados opostos especialistas da área da Educação. Do ponto de vista de quem aprova as diretrizes, o governo acerta em equilibrar os riscos sanitários e os riscos sociais de um não retorno. Já quem critica as normas diz que o poder público assumiu que não faz o que devia e agora atribui a decisão sobre o retorno aos pais e professores.

De acordo com o texto da resolução, serão priorizados o retorno dos alunos do 1º, 2º, 5º e 9º anos do ensino fundamental, além dos estudantes do 3º ano do ensino médio, sendo que atividades não curriculares nas escolas, como reforço, atendimento psicológico, plantão de dúvidas e atividades culturais, já estão permitidas a partir de 8 de setembro.

Para o diretor de políticas educacionais da Todos pela Educação, Olavo Nogueira Filho, a estratégia do governo do estadual é correta por não menosprezar o risco à vida da retomada das aulas presenciais, principalmente dos alunos mais pobres.

“Nos parece um acerto porque essas regras se ancoram não só em critérios sanitários, mas também nos grupos mais afetados. Ao fazer esse movimento gradual [de retorno], é preciso focar em uma movimentação direcionada a quem foi mais atingido. Algo importante parece estar orientando essa estratégia”, avalia Nogueira Filho.

Ainda segundo o diretor, um bom indicativo das diretrizes é que elas apontam que o retorno às aulas presenciais deve estar contextualizado com a realidade local de cada município, embora ele reconheça que isso é grande desafio para que a estratégia funcione.

“O governo acerta em sinalizar para as necessidades locais, mas, para isso dar certo, cada escola deve criar um comitê a partir desse protocolo maior, já que uma resposta universal nesse momento seria um movimento muito equivocado”, completa o especialista.

Diante disso, Nogueira Filho aponta a dificuldade existente para garantir a qualidade dessas regras em um modelo de gestão mais descentralizado. “A secretaria estadual de Saúde precisa apoiar as escolas, dar formação aos profissionais para lidar com uma situação que é inédita e apoio técnico a esses funcionários. O chão da escola, que é quem está na ponta precisam conseguir implantar as coisas para todo mundo”, alerta.

Em caso de resultados ruins, ele também chama atenção para que as autoridades adquiram a capacidade de mudança rápida da estratégia. “É uma coisa que precisa ficar atento porque nós estamos lidando com vidas. A estratégia tem respaldo nas evidências e merece reconhecimento, mas ela precisa ser reavaliada de forma recorrente e deve haver um plano de correção de rota muito rápido caso dê errado”, diz.

A mesma avaliação positiva não é feita pelo professor de política educacional da Universidade Federal do ABC (UFABC) Fernando Cássio. Integrante do comitê de São Paulo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), Cássio afirma que a forma como o governo estadual lida com a questão da retomada do ensino é incorreta e que é um “desencontro de prioridade” ao permitir o retorno das atividades das escolas depois dos comércios.

“Foi uma decisão muito controversa e agora isso expôs o dilema ético que o governo tem que enfrentar. Nossas escolas ficaram muito tempo fechadas, mas esse período foi tão longo quanto pior foi o combate à pandemia. A educação é um direito social, mas o consumo não. Foi aplicada uma lógica totalmente falsa”, diz o professor.

Segundo Cássio, isso ocorre por conta de uma pressão para o retorno que vem principalmente das escolas privadas, que alegam que a perda de alunos será grande caso a suspensão das aulas dure até o que vem. Para ele, os governantes sabiam que isso aconteceria desde o início da pandemia.

“Esse retorno está ocorrendo por uma razão puramente econômico. E eu não digo que por pressão das escolas particulares de elite, mas por aquelas escolas de bairro que têm ensino apostilado massificado. Essas instituições não vão ter condição de manter todas as normas de segurança. Por isso agora o estado quer dividir essa responsabilidade e deixar para que pais e professor decidam sobre o retorno”, afirma.

Um estudo feito pelo grupo Ação Covid-19 em parceria com a Repu (Rede Escola Pública e Universidade), do qual Fernando Cássio fez parte, simulou a dispersão do novo coronavírus em ambientes escolares e mostrou que de 11% a 46% de alunos e professores de uma escola podem ser infectados com o retorno de aulas. O resultado seria esse, de acordo com a pesquisa, mesmo que a maioria os protocolos de segurança e higiene e as regras de distanciamento social fossem respeitados.

“O que está sendo não é priorizar esses anos, mas colocar essas crianças em risco primeiro. Falta muita vontade política de resolver esse problema e de pensar em uma política pública que esteja à altura dessa crise”, diz Cássio.

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IG

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