Diário de São Paulo
Siga-nos

Por atrás das camêras do 7 a 1: a Alemanha esperava ir aos pênaltis

No ponto eletrônico, eu ouvia as orientações para mais uma entrada ao vivo na Copa do Mundo de 2014. Estava no estádio do Mineirão, em Belo Horizonte. Já era

Diário de São Paulo
Diário de São Paulo

Redação Publicado em 31/05/2020, às 00h00 - Atualizado às 23h45


No ponto eletrônico, eu ouvia as orientações para mais uma entrada ao vivo na Copa do Mundo de 2014. Estava no estádio do Mineirão, em Belo Horizonte. Já era noite naquele 8 de julho.

Reveja Brasil 1 x 7 Alemanha neste domingo, no SporTV, a partir das 18h (de Brasília)

Meu foco estava na pequenina luz vermelha que fica em cima da lente da câmera. É ela que indica que estava tudo pronto e que, em breve, estaria no ar. No entanto, na minha visão periférica, avistava o excelente videorrepórter Thiago Correia correndo em minha direção. Esbaforido, com o (pouco) que restava de oxigênio, ele me disse: “Guido, olha isso! Peguei a lista dos cobradores de pênalti da seleção brasileira! Achei no vestiário da Alemanha!”.

Só que duas horas antes, acabara de acontecer o 7 a 1. Passamos longe de uma possibilidade de ida aos pênaltis, mas a lista mostrava o respeito que aquela seleção tinha pelo Brasil e trazia muitos detalhes: ’’Hulk, canhoto, bate do lado direito; David Luiz, destro, bate alto, na esquerda; Fred, destro, espera antes de bater, cobra na direita; Daniel Alves, destro, bate forte no alto, fique parado; Hernanes, destro, esperar antes de pular, cobra na direita; Oscar, destro, fica olhando pra bola, bate na direita; William, destro, bate com atraso, esperar e pular pra esquerda’’.

Eram, na verdade, fragmentos de uma lista. Os papéis foram rasgados e, presumo, atirados para o alto durante a comemoração. Estavam sujos, haviam sido pisoteados. Se tivéssemos chegado até os pênaltis, eles também estariam muito preparados.

Onde tudo começou

Se você quiser saber só os bastidores de como foi o jogo, sugiro que pule os próximos parágrafos. É que, para entender o que representou o 7 a 1 para os alemães, é preciso contar o que aconteceu até chegar até aquele momento.

O maior vexame da história do futebol, para o Brasil, foi terrivelmente traumático. Para a seleção alemã, foi mais uma festa que eles fizeram em território brasileiro.

Era o meu primeiro Mundial, mas dividi a cobertura com jornalistas experientes, brasileiros e estrangeiros, que me relatavam com espanto que nunca tinham presenciado nada parecido em uma cobertura de Copa do Mundo.

A começar pela estrutura erguida do zero pela Federação de Futebol da Alemanha (DFB). A escolha do local foi a Vila de Santo André, um povoado com menos de mil habitantes, em Santa Cruz Cabrália, no sul da Bahia. Só se chegava de barco. O que, logisticamente, obrigava os alemães a colocarem um ônibus e duas vans dentro de uma balsa para fazer uma travessia de quase meia hora e ainda enfrentar outros 40 minutos de estrada para chegar até o aeroporto de Porto Seguro. Isso era feito sempre que havia partidas, na ida e na volta.

Ônibus da Alemanha atravessa de balsa o Rio João de Tiba a caminho de Santo André — Foto: Victor Canedo

Esse universo paralelo criado pelos alemães proporcionava uma experiência única também para os jogadores. Ou você se lembra de alguma história de um jogador numa Copa do Mundo que saiu para dar um passeio, abordou alguns torcedores (sim, não foram eles os abordados!), colocou uma camisa e cantou o hino do time local?

Foi o que o goleiro Neuer e o meia Bastian Schweinteiger fizeram do lado de fora da concentração, nos primeiros dias no Brasil. Era uma homenagem para o amigo Dante, que jogou muito tempo na Alemanha, é torcedor do Bahia e zagueiro da seleção brasileira – que estava em campo no 7 a 1.

Pé na areia, água de coco e cervejinha

Todas as manhãs, bem cedo, por volta das 6h30, quando estava ali na beira da praia, posicionado para entrar ao vivo no SporTV, recebia o aceno e o bom dia em alemão do técnico Joachim Löw – sempre muito simpático. Se olhasse mais ao longe, era possível ver alguns jogadores tomando sol e lendo um livro.

O contato com a praia era diário. Foi ali, inclusive, que consegui uma entrevista exclusiva e inesperada com o Schweinsteiger. Os jogadores foram fazer um passeio de barco para uma ação de um dos patrocinadores. Quando voltaram, eu estava no lugar certo, na hora certa e com a pergunta engatilhada. A barra da calça já estava suspensa, e, com o pé na areia e na água, fui perguntando e o Schweinsteiger respondendo, por cinco minutos.

O atacante Thomas Müller pegava helicóptero para ir jogar golfe. O também atacante Lukas Podolski fazia posts em português e ensaiava golpes de capoeira. Sem falar no nosso brasileiro Tibúrcio, amigo do Rafinha, hoje lateral do Flamengo, mas que jogara por mais de uma década com boa parte dos atletas daquela seleção alemã, no Bayern de Munique. Tibúrcio tinha, acredite, acesso irrestrito à concentração alemã, onde ministrava aulas de dança na beira da praia. Além de samba, também ensinava como dançar axé. Os alemães adoravam.

Era uma festa para os jornalistas também. A seleção da Alemanha instalou no centro de imprensa uma unidade provisória de uma famosa rede de fast food (com tudo liberado, de graça!), e ainda duas geladeiras gigantes, lotadas de cerveja, que eram reabastecidas diariamente – uma delas, com cerveja sem álcool. Faz parte da cultura dos alemães beber enquanto escrevem um texto ou esperam para entrar ao vivo.

Só que o centro de imprensa era dentro de um resort, que dividia muros com a concentração da seleção alemã, e ali parecia uma colônia de férias. Jornalistas alemães de short e regata, escrevendo na espreguiçadeira à beira da piscina.

Primeiro tempo desesperador

A relação que os alemães criaram com o Brasil despertou o carinho dos brasileiros. Muitos diziam que era a segunda seleção para a qual eles torciam. Numa estratégia de marketing, a seleção alemã escolheu para a sua segunda camisa as cores do Flamengo, time com maior torcida no país – foi com ela, inclusive, que eles jogaram a partida do 7 a 1.

Os alemães sempre respeitaram muito o Brasil e contavam com a possibilidade de chegar até a última etapa, a mais tensa de um jogo de futebol. Isso explica o papel com a lista dos cobradores de pênaltis da seleção brasileira no vestiário.

Só que a preocupação com as penalidades, eles ainda não sabiam, seria desnecessária: com 28 minutos do primeiro tempo, o placar da semifinal já apontava 5 a 0 para a Alemanha. E o final, bem, vocês já sabem…

Quem estava no Mineirão sabia que era um dia histórico. A euforia de poder ver a seleção brasileira disputar a segunda final de uma Copa em casa mexia com as pessoas. O hino nacional foi aquele espetáculo, cantado aos milhares, à capela.

Mas isso durou dez minutos, quando saiu o primeiro gol, marcado por Müller. Foram tantos gols e tão rápido, que era difícil acreditar. A ficha demorou a cair. E o silêncio ficava cada vez maior. Pessoas chorando, incrédulas. Pareciam anestesiadas num primeiro momento. Muitas foram embora no primeiro tempo. Quem ficou, ainda viu mais dois gols da Alemanha, e o de honra do Brasil, marcado por Oscar.

Fim de jogo

Quando acabou a partida, eu recebi do meu chefe a mensagem de que teria que escrever a matéria do jogo. Decidi ficar ali na tribuna de imprensa para sentir a energia do que havia acabado de presenciar. Não havia mais ninguém nas arquibancadas, apenas, claro, os torcedores alemães, que não paravam de cantar.

Mais ou menos uma hora após o apito final, percebo uma movimentação de pessoas entrando em campo. Eram os jogadores alemães, que souberam que os torcedores ainda estavam ali. Eles foram até lá para comemorarem juntos. Alguns deles com um prato de macarrão na mão, quebrando qualquer tipo de protocolo – uma marca da passagem dos alemães pelo Brasil.

Jogo ganho, era hora de a seleção alemã voltar para Santo André pela última vez, se despedir do vilarejo que guardou tantas histórias. Dizer adeus às longas travessias de balsa. Afinal, o time partiria para o seu último destino antes de voltar à Europa: o Rio de Janeiro. Em 13 de julho, eles pisaram no Maracanã para aquele dia histórico. E eu também.

Compartilhe  

últimas notícias