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Parlamentares negros elogiam decisão sobre divisão proporcional de recursos

Para o senador Paulo Paim (PT-RS), que já foi o único negro no Senado brasileiro , a decisão de repartir a verba eleitoral proporcionalmente entre candidatos

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Redação Publicado em 12/09/2020, às 00h00 - Atualizado às 15h09


Ricardo Lewandowski decidiu nessa semana que os partidos destinem recursos do fundo eleitoral de modo proporcional aos candidatos negros

Para o senador Paulo Paim (PT-RS), que já foi o único negro no Senado brasileiro , a decisão de repartir a verba eleitoral proporcionalmente entre candidatos negros e brancos é um avanço.

Ele se lembra de que foi eleito pela primeira vez com “panfletos” feitos com papel de pão: “Em Caxias do Sul, nos anos 1980, eu mandava o pessoal cortar o papel de pão de meio quilo e botar meu número. A gente espalhava dentro das fábricas. Isso foi fundamental. Enquanto isso, outros tinham placas em todos os postes do estado”, conta o senador.

O ministro Ricardo Lewandowski , do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nessa semana que os partidos destinem nas eleições deste ano recursos do fundo eleitoral de modo proporcional à quantidade de candidatos negros. No Congresso, só 17,8% dos parlamentares são negros.

A decisão também abrange o tempo de propaganda eleitoral em rádio e TV, conforme foi estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O tribunal havia determinado que ela passaria a valer no pleito de 2022, mas o STF antecipou a aplicação da regra para as eleições municipais de 2020.

A regra pretende aumentar a representação da população negra no âmbito político. Parlamentares favoráveis à decisão frisam, porém, que a medida só terá efeito se vier acompanhada de um esforço dos partidos para aumentar o número de candidatos negros, o que deve ser fiscalizado.

“Pode estimular que mais negros se coloquem a disposição. Se o partido não abrir espaço para esses que se colocam, a sigla tende a perder lugar”, ponderou o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que também é candidato à prefeitura de São Paulo.

O senador Paulo Paim diz que as cotas são “um meio” para aumentar a quantidade de candidatos negros “e não um fim”, e que sempre sentiu os efeitos da falta de representatividade no Congresso. Autor do Estatuto da Igualdade Racial, por exemplo, o senador lembra que o projeto foi relatado por um parlamentar branco, fato questionado por alguns.

“Eu respondia que não tinha como ser autor e relator do mesmo projeto, porque eu era o único negro . Não tinha outro”.

Como qualquer mecanismo de cotas , Paim diz que a regulação deve ser fiscalizada para evitar “picaretagens” e fraudes, como a Justiça já tem feito no caso das cotas raciais nas universidades.

A deputada Benedita da Silva (PT-RJ), primeira senadora negra no Brasil, teve uma experiência parecida à de Paim quando entrou para a política. Na sua campanha em 1982 para vereadora do Rio de Janeiro, conta que usava um mimeógrafo para fazer os panfletos e “ia de porta em porta”, enquanto outros candidatos tinham estrutura melhor.

“Se não houver essas ações afirmativas dificilmente você alcançará o número de negros e negras para as eleições. A eleição é caríssima, você tem que ter recursos para isso”, concordou a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), que também será candidata à prefeita, mas do Rio de Janeiro.

Deputados de direita contra a medida

Na direita, parlamentares negros ouvidos pelo GLOBO que são contrários a cotas se posicionaram também contra a decisão do TSE.

O deputado Vitor Hugo (PSL-GO) reconhece que há uma subprepresentação da população negra na política. Contudo, ele rechaçou as decisões do judiciário para a reserva de recursos às candidaturas negras, que considerou “inócuas”, além de uma forma de interferência em outro poder.

“Todos que queiram devem participar do sistema eleitoral, se preparar. Agora, você querer maquiar, fazer uma intervenção para tentar aumentar as chances de maneira artificial é igual a você querer intervir na economia desconsiderando as regras de mercado”.

Ele disse que é descendente de negros, mas se declara pardo. Para o parlamentar, os recursos não são determinantes para a eleição dos candidatos. Na opinião de Vitor Hugo, a medida poderia distorcer o sistema político.

“Eu não consigo imaginar algum presidente de partido tomando decisão sobre a forma como ele vai distribuir os recursos dentro da sua circunscrição porque o candidato é negro”.

Hiran Gonçalves (PP-RR), que se declara pardo, diz que é contrário a toda forma de cotas raciais. “Sou de origem negra, mas acho que a maneira de a gente inserir as pessoas no processo de decisões do país é um processo que passa pela educação, passa pelo acesso a oportunidades”.

Dificuldades no Congresso

Para Orlando Silva, o Congresso perdeu a chance de discutir o tema. Por se tratar de recurso público, ele defende que deve haver critérios que atendam ao objetivo de combater o racismo estrutural na divisão da verba.

“(A regra) incide sobre um dos fatores decisivos para ampliar a presença dos negros na política. Está incidindo sobre regras acerca de dinheiro público: quando se tratar de recurso público, tem que se ter políticas alinhadas com os objetivos públicos”.

Apenas a partir de 2014 é que o TSE passou a reunir dados sobre a cor ou raça dos candidatos no registro eleitoral.

Benedita da Silva destaca que na reforma política de 2016 houve uma tentativa de colocar a questão da subrepresentação na pauta. O tema, porém, “não encontrou eco”. Hoje, ela também preside a Frente Parlamentar de Enfrentamento ao Racismo.

“Temos projetos lá, mas demora muito para conseguir. Tem que fazer uma articulação enorme. Para colocar um projeto para votar em urgência você tem que ter 257 assinaturas, não facilitam tem um acúmulo de projetos”.

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IG

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