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Parentes de mortos na chacina de Vigário Geral brigam por pensão, 25 anos após o massacre

O cotidiano de quem sobreviveu à Chacina de Vigário Geral inclui, em muitos dos casos, doenças como síndrome do pânico, depressão e crises de ansiedade. Vinte

Parentes de mortos na chacina de Vigário Geral brigam por pensão, 25 anos após o massacre
Parentes de mortos na chacina de Vigário Geral brigam por pensão, 25 anos após o massacre

Redação Publicado em 21/12/2018, às 00h00 - Atualizado às 11h10


Alguns familiares perderam o direito ao benefício e aguardam sanção de projeto de lei que poderia torná-lo vitalício: ‘É como se eles falassem: Se vira!’, desabafa um deles.

O cotidiano de quem sobreviveu à Chacina de Vigário Geral inclui, em muitos dos casos, doenças como síndrome do pânico, depressão e crises de ansiedade. Vinte e cinco anos depois do assassinato de 21 inocentes, os parentes têm, agora, um sofrimento a mais: o fim do pagamento de pensão a alguns deles.

Os assassinatos foram uma forma de vingança de PMs contra criminosos da região, que no dia anterior tinham feito uma emboscada e mataram quatro policiais militares. Nenhum dos mortos na chacina tinha envolvimento com o crime.

Na lei original, os parentes teriam direito a até três salários mínimos mensais. A regra só entrou em vigor em 2000, no governo de Anthony Garotinho (PRP), sete anos depois do massacre. E para alguns deles durou pouco.

Segundo os próprios familiares, os benefícios deixaram de ser pagos no mês em que os mortos completariam 65 anos se estivessem vivos. A lei 3.421/2000, que versa sobre o tema, não define nada sobre interrupção do pagamento.

É como se eles falassem: Se vira!
— Vera Lúcia dos Santos, 55 anos, parente de oito mortos

Na casa onde morava, Vera Lúcia dos Santos viu oito familiares serem mortos. Aos 55 anos, faz bicos como manicure e cabelereira.

O G1 entrou em contato com as secretarias de Fazenda e de Assistência Social, que, segundo o decreto, são responsáveis pela pensão. Em nota, elas informaram que cumprem a lei rigorosamente.

“Cada concessão de pensão cumpriu regras estabelecidas pela então Secretaria responsável pela concessão do benefício. Para cada pensão foi estabelecida uma regra e editado um decreto. Importante ressaltar que a Fazenda recebeu os acervos do que foi concedido em 2000 e mantém as diretrizes da Procuradoria Geral do Estado (PGE-RJ). Cabe ainda informar que há pensões em vigência e que os pagamentos ocorrem mensalmente”.

Vinte e uma pessoas inocentes foram assassinadas em Vigário Geral — Foto: Reprodução / TV Globo

Vinte e uma pessoas inocentes foram assassinadas em Vigário Geral — Foto: Reprodução / TV Globo

Pensão pode se tornar vitalícia

Um projeto de lei aprovado na última terça-feira (18) na Assembleia Legislativa (Alerj) pode tornar vitalícia a pensão dos parentes de Vigário Geral.

“A dor não passa aos 65 anos”, resume o autor do projeto de lei, Marcelo Freixo (PSOL).

O governador em exercício, Francisco Dornelles (PP), tem 15 dias para sancioná-lo ou vetá-lo. Às vésperas do fim do mandato, o caso pode acabar no colo do governador eleito Wilson Witzel (PSC), que assume em janeiro.

Sobrevivente: ‘Pensão ajuda a pagar os remédios’

Núbia Moreira da Silva é uma das sobreviventes da chacina e tinha 10 anos quando socorreu outras crianças e um bebê de colo da casa onde viu alguns de seus parentes fuzilados. Teve de carregá-los para a laje, evitando encontrar os algozes na porta da frente.

Ela ainda chora e treme o corpo ao se recordar da cena. Com depressão, precisa se medicar no dia a dia e teme pelo futuro de um primo que diz ter vontade de se matar.

A pensão não traz a vida de ninguém de volta, mas ajuda a pagar os remédios
— Núbia Moreira da Silva, sobrevivente da Chacina de Vigário Geral

Aos 35 anos, Núbia tem medo de sair de casa. Moradora de uma comunidade, se assombra quando vê os armamentos nas mãos dos criminosos.

“Não gosto nem de lembrar. Fui acordada a base de tiros. Eu tinha mania de dormir com o rosto coberto pelo lençol. Quando vi, havia um homem com um fuzil apontado para a minha cabeça. Ouvi um deles falando para o outro: ‘Vamos embora, não vamos matar as crianças. Já está ficando claro, vão nos ver’, relata.

A frase serviu de peça-chave na investigação para condenar os policiais, autores do crime ocorrido em 1993 durante um jogo entre Brasil e Bolívia nas eliminatórias da Copa do Mundo para o ano seguinte. Nenhuma das vítimas tinha antecedentes criminais.

Quarenta homens armados invadiram um bar e algumas casas atirando a esmo. Foram denunciadas 52 pessoas, sendo 47 policiais militares, três civis e dois informantes. Até o ano passado, só um deles estava preso.

Viúva do ferroviário Adalberto de Souza, Iracilda se tornou presidente da associação de vítimas e pede que o estado pague por aqueles que, às custas do povo, deveriam protegê-lo e cometeram crimes.

“Tanta coisa para o Estado economizar e economiza logo naquilo que é culpado”.

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