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Paciente em respiração mecânica sem o ‘kit intubação’ com consciência equivale a tortura, diz infectologista da USP

O infectologista do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP) Gerson Salvador aponta que a falta de medicamentos e sedativos para pessoas

Paciente
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Redação Publicado em 11/04/2021, às 00h00 - Atualizado às 12h20


Quase 40% dos serviços de saúde do estado de SP estão sem ‘kit intubação’, que seda paciente em UTI. ‘Alternativas, do ponto de vista de cuidados, não têm. O que se faz são contenções mecânicas, do paciente amarrado para não retirar o seu próprio tubo, mas são cenas que equivalem à tortura’, afirmou Salvador.

O infectologista do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP) Gerson Salvador aponta que a falta de medicamentos e sedativos para pessoas intubadas em unidades de terapia intensiva (UTI), como as em tratamento para a Covid-19, equivale “à tortura”, já que o paciente terá consciência do que ocorre ao seu redor.

Nesta semana, o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de São Paulo divulgou que quase 40% dos serviços de saúde do estado estão sem o “kit intubação”. Outros estados enfrentam o mesmo problema. A Secretaria da Saúde informou, por meio de nota, que “disponibilizou aos hospitais estaduais e municipais a possibilidade de adesão para compra internacional de medicamentos para intubação”. Além disso, a pasta diz que tem cobrado continuamente o governo federal.

Os neurobloqueadores que integram o “kit intubação” são usados para relaxar a musculatura, a caixa torácica e ajudam os pacientes permanecer com ventilação mecânica e a suportá-la, além de facilitar a sedação. Entre os mais usados no país, estão o atracúrio, rocurônio e cisatracúrio.

Desde o fim de março as unidades de saúde do estado de São Paulo estão racionando esses medicamentos. O G1 questionou a Secretaria de Estado da Saúde sobre a atual situação da sedação para UTI, mas, até a última atualização desta reportagem, não havia recebido retorno.

“As alternativas, do ponto de vista de cuidados [para a falta de medicação para intubação e sedação], não têm. O que se faz são contenções mecânicas, do paciente amarrado para não retirar o seu próprio tubo, mas são cenas que equivalem à tortura”, afirmou Salvador.

“A gente não pode cogitar uma pessoa estar intubada, com ventilação mecânica, sem perspectiva de ser retirada, e ter consciência de estar passando por isso. Não estamos falando só de pessoas que estão morrendo por conta doença Covid-19, que é muito grave, mas a gente vai ver pessoas morrendo por mais intenso sofrimento, sem nenhuma possibilidade para a equipe que está cuidando de aliviar. Isso é desumano, isso equivale à tortura”, afirmou o infectologista.

Desde março, com o aumento dos casos de coronavírus no país, elevando o número de internações em UTIs, os estados estão enfrentando dificuldades de conseguir o “kit intubação”. Na época, o governo paulista afirmou que problema ocorria por falta de fornecimento do governo federal e que estava orientado gestores das unidades a utilizarem “racionalmente” os medicamentos e otimizar medidas “para garantir assistência a quem precisa”.

Já o Ministério da Saúde, que estava gerenciando o envio nacional do kit, afirmou que começaria a enviar aos estados os medicamentos conforme um cronograma de entregas feito com base no monitoramento realizado nos estados e municípios, em parceria com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o Conselho Nacional de Secretarias Municipais da Saúde (Conasems) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“Esses medicamentos são sedativos usados em pacientes intubados não só com Covid, mas outras situações de terapia intensivas, usados como anestésicos em cirurgias, são muito necessários em pacientes que precisam de cuidados paliativos”, acrescentou o infectologista da USP.

Segundo ele, os remédios do “kit intubação” “aliviam o sofrimento, aliviam a experiência traumática de uma pessoa passar por intubação”.

“É lamentável e desumano, e é mais uma marca de como a pandemia está descontrolada no Brasil, a gente não tem medicamento, não tem insumo suficiente para cuidar dos nossos pacientes”, afirmou Salvador.

“Os gestores públicos têm que se responsabilizar e principalmente têm que responder pela logística desses insumos. A pandemia está descontrolada no Brasil, a gente já viu faltar oxigênio, a gente já viu faltar vacina, temos visto, e agora a gente não tem medicamento pra cuidar dos pacientes mais graves que estão intubados”, afirmou o médico.

Leitos do Hospital de Campanha Pedro Dell'Antonia, que atende pacientes com a COVID-19 no município de Santo André, na Grande SP, em março de 2021. — Foto: SUAMY BEYDOUN/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO

Leitos do Hospital de Campanha Pedro Dell’Antonia, que atende pacientes com a COVID-19 no município de Santo André, na Grande SP, em março de 2021. — Foto: SUAMY BEYDOUN/AGIF – AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO

Cenário

No estado de São Paulo, em março, a Secretaria Estadual da Saúde alegava que o risco de desabastecimento se devia à falta de envio dos remédios por parte do governo federal. Nessa primeira semana de abril, quase metade das unidades de saúde do estado já apresentava falta ou risco de escassez dos medicamentos, conforme levantamento realizado junto aos municípios pelo Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Conasems).

O governo estadual alegava demora no repasse dos produtos pelo governo federal, que centralizou a distribuição nacional devido ao risco de faltar, em uma ação conjunta com as empresas produtoras.

“O governo federal fez somente uma liberação de neurobloqueadores [usados para sedação] em quantidade suficiente para apenas dez dias de consumo. Atualmente, o estado tem estoque estimado para uma semana para os hospitais públicos que atendem casos de Covid-19″, afirma a secretaria de saúde do estado.

Os neurobloqueadores são usados para relaxar a musculatura, a caixa torácica e ajudam os pacientes permanecer com ventilação mecânica e a suportá-la. Entre os mais usados no país, estão atracúrio, rocurônio e cisatracúrio.

Por conta do baixo estoque dos remédios do kit intubação, a Secretaria da Saúde diz ter orientado os gestores dos serviços de saúde que compõem as redes pública e privada do estado a manter o monitoramento da demanda e a utilizar “racionalmente estes produtos e otimizem medidas para garantir assistência a quem precisa”.

As taxas de ocupação dos leitos de UTI do estado de São Paulo também já superaram os índices registrados no pico de 2020 da pandemia.

Apesar disso, houve uma leve tendência de estabilização na última semana, o que levou o governo do estado a autorizar a passagem para a fase vermelha do plano SP a partir de segunda-feira (13), com a autorização para reabertura de escolas, alguns estabelecimentos comerciais e o retorno do campeonato Paulista de futebol.

O que diz o governo do estado

“A Secretaria de Estado da Saúde disponibilizou aos hospitais estaduais e municipais a possibilidade de adesão para compra internacional de medicamentos para intubação. Trata-se de mais uma alternativa buscada pela pasta para auxiliar no abastecimento da rede e garantir remédios para os pacientes internados com quadro grave de COVID-19.

A Secretaria também tem cobrado continuamente o Governo Federal, por meio de ofícios e reuniões, com o objetivo de auxiliar os serviços de SP. No entanto, a última entrega foi liberada no final de março, totalizando 215.313 ampolas de neurobloqueadores e anestésicos, o que corresponde a apenas 6% do que é preciso para atender a demanda mensal da rede pública de saúde do Estado, de 3,5 milhões de ampolas. A quantidade fornecida segue aquém do que o próprio Ministério da Saúde havia sinalizado, de 258.874 ampolas. Também representa somente 7% da demanda mensal do SUS de SP, o que denota a criticidade do abastecimento atual.

A Secretaria sugeriu ao Ministério a realização de acordos com farmacêuticas, aquisição estratégica internacional, monitoramento diário da demanda e pleiteou a ampliação da disponibilidade de compra por ata federal, até então restrita a 60 dias de consumo, uma vez que ainda na primeira quinzena de março o saldo proporcional do Estado se esgotou. A pasta reitera a importância de providências para que o SUS consiga manter a assistência à população”, diz a nota.

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Fonte: G1 – Globo.

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