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Os dilemas de Putin

Por Marcus Vinícius de Freitas

Os dilemas de Putin
Os dilemas de Putin

Redação Publicado em 02/03/2022, às 00h00 - Atualizado às 14h09


Por Marcus Vinícius de Freitas

Os dilemas de Putin

O objetivo deste artigo é fazer uma análise neutra sobre o trágico cenário atual. Embora a guerra na Ucrânia venha sendo travada em dois campos – a mídia social e no campo de batalha – o fato é que na mídia social, Putin e a Rússia perderam fragorosamente a batalha. Já no campo de batalha, o resultado deverá ser diferente. Afinal, o exército russo tem um histórico de vitórias em suas ações, ainda que substancialmente elevadas baixas possam ocorrer. Para Putin o controle da Ucrânia é importante por três aspectos relevantes, que lhe norteiam a ação:  a necessidade de um amortecedor impeditivo; a certeza de que a Ucrânia não se transformará numa potência nuclearmente armada e a manutenção de uma esfera de influência na região.

A Ucrânia é um dos maiores países europeus. Além de um vasto território e uma população grande, o país serve como um importante amortecedor para desacelerar qualquer avanço militar que possa vir por terra da Europa, caso fosse deflagrada uma ação militar contra a Rússia. Amortecedores são importantes porque reduzem a velocidade de um exército atacante. A Bélgica, por exemplo, foi criada para servir como um amortecedor nas conflituosas relações entre França e Prússia (e depois o Império Alemão). Se este amortecedor inexistir, a Rússia aumenta a sua vulnerabilidade diante da OTAN. Ademais, a Ucrânia também foi, durante grande parte da Guerra Fria, o lugar onde uma parte importante do arsenal nuclear soviético esteve alocado. Quando se tornou independente da União Soviética em 1991, o país detinha o terceiro maior arsenal nuclear do mundo, com ogivas, mísseis balísticos intercontinentais e bombardeiros estratégicos. Por acordo firmado, sob intensa influência dos Estados Unidos, a Ucrânia devolveu todas suas ogivas nucleares à Rússia em troca de ajuda econômica e garantias de segurança. Não foi fácil o processo de remover as armas e infraestrutura nucleares da Ucrânia, particularmente por resistência da liderança política do país. A presença de tecnologia nuclear possibilitou aos ucranianos acumular o conhecimento necessário – e jamais perdido – do domínio da bomba nuclear, seu mecanismo de lançamento e alcance dos alvos preestabelecidos.

Por fim, a manutenção da esfera de influência russa constitui um dos elementos principais da alegação de Putin. A famosa promessa do Secretário de Estado dos Estados Unidos, James Baker, a respeito da não-expansão da OTAN na direção leste: “not one inch eastward” (“nem uma polegada para o leste”), em encontro com o líder soviético, Mikhail Gorbachev, em 9 de fevereiro de 1990, foi um elemento importante da cascata de promessas então feitas – e posteriormente descumpridas pelo Ocidente – nos estertores da União Soviética, quanto à reserva de sua esfera de influência. Muitos poderão queixar-se sobre esta limitação na soberania dos países, mas esta é a realidade global. Alguém conseguiria imaginar o México firmando um acordo militar de defesa com Rússia ou China sem restrições por parte dos Estados Unidos?

Diante deste cenário, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, não contribuiu à melhoria da situação. Buscou aproximar ainda mais o país da OTAN, ameaçando, inclusive, retomar o programa nuclear. Putin – reconhecido por sua frieza no julgamento e ação – viu acender a luz vermelha e a necessidade de enquadrar a liderança ucraniana. Estas premissas foram as molas propulsoras da ação de Putin na Ucrânia.

O fato é que todos sabem como guerras começam. Ninguém sabe como terminam. Mas uma coisa é real: a pandemia da COVID-19 e a Guerra da Ucrânia são elementos disruptivos de uma nova fase da história: o século asiático. Apesar da situação atual, que o século XXI seja menos sangrento que o precedente.

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Marcus Vinícius De Freitas
Professor Visitante, China Foreign Affairs University
Senior Fellow, Policy Center for the New South
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