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Opinião: “Felipe Melo exercitou um direito que ainda não lhe foi tolhido. Está tudo dentro das regras da democracia”

É o momento mais comentado da 25ª rodada do Campeonato Brasileiro. Num final de semana de clássicos como Santos x São Paulo e Cruzeiro x Atlético-MG (ambos

Opinião: “Felipe Melo exercitou um direito que ainda não lhe foi tolhido. Está tudo dentro das regras da democracia”
Opinião: “Felipe Melo exercitou um direito que ainda não lhe foi tolhido. Está tudo dentro das regras da democracia”

Redação Publicado em 17/09/2018, às 00h00 - Atualizado às 15h52


Sobre o direito do jogador falar o que quiser com a camisa do clube, ainda que o torcedor não concorde, ainda que o clube pense diferente

É o momento mais comentado da 25ª rodada do Campeonato Brasileiro. Num final de semana de clássicos como Santos x São Paulo e Cruzeiro x Atlético-MG (ambos sem gols), coube mais uma vez a Felipe Melo o lugar sob o holofote mais forte das atenções.

Não pelo gol marcado no empate por 1 a 1 entre Bahia e Palmeiras, um golpe de força e técnica com a cabeça — a mesma que às vezes ele esquece de usar quando confunde agressividade com violência e, com isso, já acumula 20 cartões na temporada, dois deles vermelhos. É a mesma cabeça que Felipe Melo usou para transformar o gramado da Arena Fonte Nova em palanque eleitoral e fazer campanha política.

Em entrevista ao final da partida, FM dedicou o gol que marcou ao candidato do PSL à Presidência. “Esse gol vai para nosso futuro presidente Bolsonaro”, disse ao repórter Felipe Brisolla, do Sportv. Brisolla, democraticamente, permitiu que Felipe Melo concluísse o que dizia até o final, sem interrupções.

Os aplausos efusivos e os gritos recriminatórios começaram imediatamente, em outro gramado, o virtual. Conclamados, internautas exerceram intensamente do direito garantido pela Lei Universal das Redes Sociais (ou LURS, pra facilitar): “todas as pessoas têm o direito de falar o que quiserem, contanto que eu concorde com a opinião”.

Gols são dedicados à família, amigos, turma do videogame, a Deus, às crianças e podem também, por que não?, ser dedicados a políticos, se assim achar que deve fazer o jogador. Diferente da LURS, que acabei de inventar, a Declaração Universal dos Direitos Humanos existe de verdade e diz o seguinte: “todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão”. Que seja sempre assim.

O torcedor do Palmeiras gostou? É improvável que algum candidato seja consenso numa torcida de mais de 12 milhões de pessoas. Testar a popularidade é um risco que qualquer jogador corre ao se posicionar. Opiniões, de modo geral, colocam a própria imagem à prova com torcedores, patrocinadores e até com o treinador. O próprio clube soltou nota oficial

Em 2016, o jornalista e escritor inglês John Carlin, autor de “Invictus — conquistando o inimigo”, sobre como Nelson Mandela usou o esporte, nominalmente o rugby, para promover a paz na África do Sul, escreveu uma coluna que acabou reproduzida em jornais do mundo todo, cobrando um posicionamento político do principal jogador colombiano.

Em “James é covarde: sim ou não?”, Carlin escreveu que James Rodrigues, então camisa 10 do Real Madrid, deveria manifestar seu apoio ao plebiscito sobre o acordo de paz entre a Colômbia e as Farc. O título, também em forma de plebiscito, já induzia à conclusão do autor, para quem James tinha a necessidade de usar a força de sua imagem a favor do que ele entendesse ser o melhor para o país onde nasceu.

Mas e o clube, caso não concorde com o posicionamento do jogador, deve interferir? Jornalistas, por exemplo, muitas vezes obedecem a um código de conduta da empresa. Algumas vetam a manifestação política em redes sociais. Assim como funcionários da Coca-Cola não devem aparecer bebendo Pepsi, e vice-versa.

Pode isso, Arnaldo? Pode. É uma regra do jogo. Se não estava explicitamente proibido pelo clube, então é permitido.

A melhor definição sobre limites da liberdade de expressão é, provavelmente, a do escritor alagoano Graciliano Ramos, que por acaso era comunista, em “Memórias do Cárcere”.

“Liberdade completa ninguém desfruta. Começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social. Mas nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a Lei, ainda podemos nos mexer”.

Felipe Melo apenas exercitou um direito que ainda não lhe foi tolhido. Está tudo dentro das regras da democracia.

* Tiago Maranhão, 40, é apresentador do programa Troca de Passes, do SporTV

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