Por Marcus Vinícius de Freitas*
Redação Publicado em 10/02/2022, às 00h00 - Atualizado às 08h28
Por Marcus Vinícius de Freitas*
A ida do presidente argentino, Alberto Fernández, à Rússia e China foi um ato corajoso da diplomacia argentina. Afinal, Putin se encontra num momento difícil, com grande parte dos países ocidentais contrários às possíveis ações a serem perpretadas contra a Ucrânia e, também, a resistência norte-americana – quase semelhante aos momentos mais tensos da Guerra Fria – à China, na tentativa frustrada do controle da ascensão daquele país asiático como potência global. A visita, que celebrou o marco histórico do 50º aniversário do estabelecimento das relações diplomáticas entre Pequim e Buenos Aires, no entanto, foi produtiva para um país com a economia devastada e às portas do Fundo Monetário Internacional (FMI). A Argentina enfrenta problemas com o FMI e vários investidores norte-americanos que não estão dispostos a fazer concessões econômicas ao país. Com o acordo chinês, Fernández poderá respirar aliviado e, ainda, ter dinheiro para melhorar a infraestrutura do país.
O fato é que o século XXI vai-se caracterizando, cada vez mais, como o século asiático, particularmente influenciado pela China. Se eventos disruptivos marcam o início de novos períodos históricos, não há dúvida que a pandemia da Covid-19, iniciada em 2020, caracteriza-se como um destes momentos extraordinários e modificadores dos ventos da história. A Gripe Espanhola – que nem espanhola era, mas provavelmente norte-americana – juntamente com o fim da Primeira Guerra Mundial, ensejaram, no mundo, enormes revoluções. Uma das coisas sacrificadas durante o período da gripe foi a verdade dos fatos. Aliás, este é a razão principal pela qual a gripe ficou conhecida como espanhola, afinal a Espanha, que não participara da Primeira Guerra Mundial, ainda retinha a liberdade para informar os números da pandemia, uma vez que os países que lutavam censuravam os dados para não afetar a população. A pandemia da Covid-19 não foi a primeira em que a verdade desapareceu e a censura cresceu. É a humanidade repetindo os erros do passado.
Na Ásia encontramos 3 das 4 maiores economias globais em termos de paridade de poder de compra: China, Índia e Japão. Lá se encontra a maior parte da população mundial. E, por fim, a Ásia tem apresentado uma trajetória ascendente fenomenal em seus indicadores econômicos e sociais. Sua participação no PIB global deverá alcançar 50% em 2040 e 40% do consumo global. Este desenvolvimento tem obtido resultados impressionantes como a retirada de milhões de indivíduos da pobreza e uma elevação geral do nível de renda. Já no Ocidente, observamos a diluição da participação no PIB global por parte da Europa e da América do Norte.
A China, desde a implementação de sua Política de Reforma e Abertura, ao final da década de 1970, vem retomando sua posição histórica de potência global, com uma rede de comércio internacional e de investimentos maior que qualquer outro país na história mundial. Além disso, o país tem construído uma significativa capacidade de inovação. Em 2017, por exemplo, a China contabilizou 40% do total global de pedidos de patentes. O país vem consolidando um papel cada vez mais relevante no comércio global, como o principal parceiro de mais de cento e vinte países.
A Argentina tem apostado muito na China. Possui vários sinólogos brilhantes e, dentre os países latino-americanos, tem uma presença forte em Beijing. Neste momento de realinhamento das grandes potências, Fernández acertou ao buscar incrementar o relacionamento com a China, que, desde 2021, é o maior parceiro comercial da Argentina. Nesta viagem, ele conseguiu aprofundar a cooperação estratégica entre os dois países, incluindo, em particular, a adesão argentina à Nova Rota da Seda, que permitirá à China investir em ferrovias, portos, rodovias e aeroportos – áreas que, indubitavelmente, os chineses têm reputação positiva. A partir disso, o governo argentino esperar obter investimentos de mais de US$ 23 bilhões para obras e projetos, que deverão incluir infraestrutura para o setor de energia, saneamento, transportes e até mesmo habitação. Com tais investimentos, a combalida economia argentina poderia sair do ciclo vicioso em que se encontra.
Os chineses afirmam sempre um velho ditado: “Se você quer ficar rico, construa uma estrada primeiro.” Talvez esta seja a fórmula para que a Argentina saia, desesperadamente, da situação difícil em que se encontra. Por meio de uma renovada infraestrutura, a Argentina deverá aumentar a produtividade e exportação de grãos à China, algo que deveria preocupar o setor agrícola brasileiro num futuro próximo. Por fim, a Argentina, que reiterou o apoio da China continental sobre Taiwan, obteve uma concessão política importante com o apoio chinês à reivindicação argentina de soberania sobre as Ilhas Falklands.
Fernández aproveitou para reafirmar uma demanda importante: fazer parte do BRICS, a parceria econômica que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que é muito pouco explorada ou estimulada pelo Brasil. A Argentina entende que fazer parte deste bloco implicaria acesso constante à China, algo muito importante ao futuro do país. Talvez seja por isso que Fernández tenha sido tão claro ao sugerir a Putin, em Moscou, que a Argentina deveria ser uma porta para a Rússia entrar na América Latina de uma forma decisiva.
O Brasil deveria, logo que uma nova administração se inicie, buscar um acordo de livre comércio com a China para acelerar o processo de recuperação econômica do País pós pandemia. É hora de tratar a China como parceiro e não como cliente.
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