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Número de pedidos de refúgio de venezuelanos em 2017 já é mais que o dobro que o de 2016 em Roraima

A instabilidade política e a grave crise econômica que afetam a Venezuela tem feito com que um crescente número de pessoas venha para o Brasil pela fronteira

Número de pedidos de refúgio de venezuelanos em 2017 já é mais que o dobro que o de 2016 em Roraima
Número de pedidos de refúgio de venezuelanos em 2017 já é mais que o dobro que o de 2016 em Roraima

Redação Publicado em 15/06/2017, às 00h00 - Atualizado às 18h58


A instabilidade política e a grave crise econômica que afetam a Venezuela tem feito com que um crescente número de pessoas venha para o Brasil pela fronteira com Roraima. Só nos primeiros seis meses deste ano a Polícia Federal no estado já recebeu 5.787 pedidos de venezuelanos querendo refúgio, cerca de 3.500 a mais do que em todo o ano de 2016.

Ao passo que avança a tentativa de Nicolás Maduro em promover uma reforma jurídica no país, o número de pedidos de refúgio na sede da Polícia Federal em Boa Vista cresce.

Dados levantados nessa terça-feira (13) a pedido do G1 mostram que a quantidade de solicitações de refúgio feitas em 2017 em Roraima já é consideravelmente maior do que a registrada em todo o ano passado, quando pouco mais de dois mil venezuelanos fizeram o pedido, representando um aumento de 159%.

Até março eram mil pedidos de venezuelanos e 5 mil agendamentos para solicitações, enquanto que nos meses de abril e maio foram formalizados 3.773 pedidos. Agora os agendamentos foram suspensos e todos convocados a formalizar a solicitação. Para dar conta da demanda, a sede da PF trabalha com efetivo reforçado.

O aumento no número de pedidos não é novidade. Desde 2015 tem aumentado sucessivamente o número de solicitações de refúgio recebidos pela PF por parte de venezuelanos que deixaram o país natal e cruzaram a fronteira com o Brasil por Roraima.

O G1 solicitou o total de pedidos e de solicitações de residência temporária feitas em todo o país até o dia 13 deste mês, mas a PF informou que apenas o Comitê Nacional para Refugiados (Conare) poderia fornecer tais dados. A reportagem não obteve retorno do Conare.

O pedido de refúgio é o caminho mais rápido e seguro para legalizar a situação no Brasil, mas depende de análise do Conare, o que costuma levar algum tempo. Prova disso é que até agora, apenas cinco solicitações de refúgio de cidadãos venezuelanos feitas em Roraima já receberam algum tipo de resposta.

Já o governo do estado, em levantamento próprio, afirma que 30 mil venezuelanos entraram em Roraima desde 2016.

Pedidos de residência temporária

De acordo com a Polícia Federal em Roraima, em três meses também foram recebidas 124 solicitações de venezuelanos que desejam obter residência temporária no Brasil.

Esta modalidade de permanência foi oficializada em março deste ano pelo governo federal. Ela é destinada a cidadãos de países que não integram o Mercosul, mas fazem fronteira com o Brasil. A medida permite que os estrangeiros obtenham residência temporária de até dois anos, desde que entrem no país por via terrestre.

‘Números correspondem à realidade’, avalia especialista

Para o professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e especialista em questões fronteiriças, João Carlos Jarochinski, os números de pedidos de refúgio somados às solicitações de residência temporária recebidos pela PF refletem índices reais de migrantes.

“Obviamente, há pessoas que entraram irregularmente no Brasil, mas eu particularmente não acho que os irregulares sejam muitos, até porque eles têm feito o pedido de refúgio para fins de obtenção de documentação e acesso aos serviços de saúde, por exemplo”, explica.

No entendimento dele, no entanto, a quantidade de venezuelanos buscando refúgio em Roraima é pequena se levado em consideração o número de pessoas que têm deixado a Venezuela nos últimos meses e grande se pensada na perspectiva local.

“Para a média histórica de Roraima o número de venezuelanos vindo para o estado é grande, mas se pensarmos na realidade nacional ou mundial, não é um número absurdo”, afirma.

Abrigo na capital recebe centenas de venezuelanos fugidos da crise que assola o país (Foto: Emily Costa/G1 RR)

Abrigo na capital recebe centenas de venezuelanos fugidos da crise que assola o país (Foto: Emily Costa/G1 RR)

A vida em Roraima

Com poucos recursos econômicos, muitos venezuelanos se instalam em Boa Vista, capital de Roraima, ou em Pacaraima, cidade de fronteira entre Brasil e Venezuela. Outros, mais abastados, se mudam para o Amazonas ou São Paulo.

Muitos dos que vem para Boa Vista buscam moradia em um abrigo provisório instalado desde 27 de dezembro na periferia da capital. A permanência no local, administrado pela Defesa Civil estadual e Federação Humanitária Internacional, deve ser de no máximo 15 dias.

Venezuelanos índios da etnia Warao em abrigo na capital Boa Vista (Foto: Emily Costa/G1 RR)

Venezuelanos índios da etnia Warao em abrigo na capital Boa Vista (Foto: Emily Costa/G1 RR)

O abrigo improvisado funciona em um ginásio poliesportivo com problemas estruturais, mas oferece comida e atrai muitos venezuelanos, entre eles dezenas de índios da etnia Warao. Recentemente, o governo do estado recebeu R$ 480 mil do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário e diz que fará reparos no local.

Um levantamento realizado no dia 5 deste mês apontou que há 289 venezuelanos morando no abrigo. Desse total, 205 são índigenas da etnia Warao e 84 não-índios.

O pintor profissional Erison Herrera, de 42 anos, foi um dos venezuelanos que recentemente pediu refúgio à PF em Roraima. Ele está vivendo no abrigo da capital, longe dos filhos e da mulher que ainda moram em Maturín, no estado de Monara, na Venezuela.

Pintor venezuelano deixou mulher e filhos para tentar a vida em Roraima (Foto: Emily Costa/G1 RR)

Pintor venezuelano deixou mulher e filhos para tentar a vida em Roraima (Foto: Emily Costa/G1 RR)

“Na Venezuela não há comida e nem emprego. Se eu conseguir me regularizar aqui no Brasil não irei voltar para lá. Pretendo trazer minha família para morar em Roraima assim que eu conseguir me empregar. Agora, a dor da saudade é grande, mas tive de vir para cá”, diz.

Diferente de Erison, a venezuelana Rosibel Del Valle Diaz trouxe dois dos quatro filhos que têm. Ela já está há dois meses no abrigo. Antes de se mudar para a capital de Roraima, viveu nas ruas de Pacaraima por meses.

Cuidadora de idosos e babá, ela diz que não pensa em voltar para a Venezuela e culpa o presidente Nicolás Maduro por ter prejudicado a economia do país. Ela e o marido, de 23 anos, também pediram refúgio à PF.

“Com Maduro no poder não volto para a Venezuela. Lá até dá para conseguir emprego, mas o dinheiro não alcança os preços”, diz a venezuelana que vivia em Cumaná, no estado de Sucre.

Índios venezuelanos vivem como podem nas ruas de Pacaraima (Foto: Reprodução/Rede Amazônica Roraima)

Índios venezuelanos vivem como podem nas ruas de Pacaraima (Foto: Reprodução/Rede Amazônica Roraima)

Outros venezuelanos decidem ficar na fronteira com o país natal e buscam moradia na cidade de Pacaraima, distante 190 km de Boa Vista e a 17 km de Santa Elena de Uiarén, primeira cidade venezuelana após a fronteira com o Brasil.

A cidade com pouco mais de 10 mil habitantes recebe diariamente centenas de venezuelanos. Alguns só estão interessados em comprar comida e voltar para o país de origem, provocando uma verdadeira corrida por alimentos na cidade.

Outros decidem se tornar moradores de Pacaraima e ficam em situação de rua, chegando até mesmo a viver dentro de banheiros públicos junto com dezenas de conterrâneos.

Devido ao crescente número de imigrantes na cidade, o governo federal planeja ofertar 200 vagas a venezuelanos em um centro provisório de acolhimento em Pacaraima, segundo a Casa Civil da Presidência da República informou no mês de maio, em visita ao estado.

Até hoje nada foi montado na fronteira, mas reuniões foram feitas entre representantes dos governos federal e estadual e do Alto Comissariado da Agência da ONU para Refugiados (Acnur), juntos eles estudam soluções emergênciais para lidar com o crescente número de venezuelanos em Roraima.

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