Mesmo com um volume excepcional de saques e rentabilidade maior em 2017, o FGTS não deve perder a capacidade de financiar projetos de construção civil,
Redação Publicado em 07/05/2017, às 00h00 - Atualizado às 19h12
Mesmo com um volume excepcional de saques e rentabilidade maior em 2017, o FGTS não deve perder a capacidade de financiar projetos de construção civil, avaliam especialistas. Por outro lado, eles ressaltam que estas mudanças no fundo e a própria dinâmica da economia, via queda de juros, levariam a uma perda de receitas capaz de limitar os subsídios concedidos e o lucro do fundo, que passará a ser dividido com o trabalhador este ano.
O FGTS destina cerca de um terço do dinheiro das contas vinculadas para financiar projetos de habitação, saneamento e infraestrutura. Outra parte – praticamente metade dos recursos – é aplicada em títulos do Tesouro que rendem taxas atreladas à Selic.
A distribuição de 50% do lucro do FGTS com os trabalhadores e a esperada queda da taxa Selic devem ter um impacto mais significativo sobre o caixa do fundo que os saques das contas inativas até 2015, na visão do especialista em gestão governamental e consultor legislativo no Senado Federal, Marcos Kohler.
“A queda da Selic deve reduzir o ganho financeiro do FGTS com as aplicações em títulos do governo. Isso reduzirá o spread [diferença entre o que o fundo ganha ao investir e o que paga ao trabalhador]”, considera Kohler. Na prática, estes investimentos tendem a ficar menos rentáveis e gerar perdas de receita para o fundo.
O consultor de orçamento da Câmara, Leonardo Rolim, considera que a receita menor afetaria a capacidade do FGTS em conceder subsídios (emprestar a juros mais baratos) em programas populares como o Minha Casa, Minha Vida (MCMV). “Isso não afetaria a capacidade do FGTS em investir em habitação, mas reduziria o potencial de gerar lucro para dar crédito subsidiado”.
Em 2015, os descontos (subsídios) do Minha Casa, Minha Vida representaram 24% dos R$ 28 bilhões dos financiamentos concedidos pelo programa. Esses subsídios são computados no balanço do FGTS como despesas.
“Isso não afetaria a capacidade do FGTS em investir em habitação, mas reduziria o potencial de gerar lucro para dar crédito subsidiado”.
Na avaliação do economista e professor da Saint Paul Escola de Negócios, Maurício Godoi, o spread menor do FGTS não representa uma ameaça completa à política social de subsídios, já que parte dos recursos vem do orçamento da União. “Isso não levará a um aumento dos juros do crédito”, considera.
No último mês, a Caixa Econômica suspendeu a oferta da linha de crédito habitacional pró-cotista, que usa recursos do FGTS para financiar imóveis residenciais a juros mais baixos. Segundo a Caixa, “os recursos disponíveis da modalidade, atualmente, são suficientes apenas para atender as propostas de financiamento já recebidas pelo banco”.
O banco, no entanto, negou ao G1 que a suspensão seja consequência do saque de contas inativas do FGTS e disse que vai liberar nas próximas semanas R$ 3 bilhões para a linha.
“A liberação das contas inativas foi analisada e estudada pela equipe técnica do governo federal. O saque das contas inativas por parte do trabalhador faz parte do modelo conceitual do FGTS e não fragiliza a capacidade de investimentos, autorizados pelo Conselho Curador do FGTS, nas áreas de Saneamento, Infraestrutura e Habitação”, informou o banco em comunicado.
Os R$ 43 bilhões que o governo espera que sejam resgatados das contas inativas do FGTS até julho deste ano representam quase 40% de todo o volume sacado das contas vinculadas pelos trabalhadores no ano passado (R$ 108,8 bilhões), quando as retiradas alcançaram um volume recorde em meio ao aumento do desemprego.
O economista Godoi reforça que não há risco de um esvaziamento de caixa do fundo, já que o saldo das contas ativas (que ainda recebem depósitos) é mais que suficiente para bancar o financiamento de projetos populares como o MCMV.
Dados de novembro de 2016, os mais recentes, mostram que o FGTS tinha folga de recursos disponíveis: R$ 47 bilhões investidos em habitação e outros R$ 105 bilhões aplicados em títulos públicos federais. “A disponibilidade de recursos [não investidos no crédito] é muito grande”, aponta Kohler.
Para o consultor legislativo do Senado, o fluxo extraordinário de saques não vai afetar o FGTS estruturalmente por tratar-se apenas de um “adiantamento” de valores que seriam liberados quando as contas inativas completassem 3 anos sem depósitos, pela regra vigente. “A saída pontual de recursos será compensada por uma menor saída nos próximos três anos”.
O economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Nicola Tingas, não vê risco de faltar recursos para o crédito habitacional com as medidas anunciadas. “A demanda pelo dinheiro do fundo caiu em meio à crise econômica. Poderia ser problema em um cenário de demanda abundante”, afirma.
Os desembolsos do crédito imobiliário com recursos do FGTS cresceram de R$ 54 bilhões para R$ 64 bilhões em 2016, superando o “funding” da poupança pela 1ª vez em mais de 10 anos. Apesar desse aumento, o Conselho Curador do fundo previu uma queda de 1,5% no volume desses recursos em 2017.
“De maneira geral, a desaceleração macroeconômica ensejou a redução da contratação de financiamentos com recursos do FGTS”, afirmou o ministério das Cidades ao G1.
Para estimular o setor de construção, abalado pela recessão e pelos efeitos da operação Lava Jato, o governo ampliou este ano o acesso ao Minha Casa, Minha Vida para famílias com renda mensal de até R$ 9 mil.
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, diz que a ampliação do Minha Casa Minha Vida este ano não comprometerá os subsídios já concedidos porque atende a uma faixa superior de renda, com juros mais elevados. “Essa ampliação vai gerar um efeito ‘Robin Hood’, porque vão sobrar mais recursos para emprestar para as faixas mais baixas”, defende.
A partir de agosto, o governo distribuirá 50% do resultado positivo do fundo à rentabilidade das contas vinculadas do FGTS, hoje em 3% ao ano mais a taxa referencial (T.R.). O governo espera que, com a nova regra, esse retorno fique próximo ao da poupança, que rendeu 8,30% em 2016. O FGTS pagou 5,01% aos trabalhadores.
Para o economista do Mercantil do Brasil, Carlos Costa, não há risco para o caixa do fundo.“Essa divisão só representaria um risco para o resultado do FGTS se o governo estipulasse um percentual fixo de remuneração, que teria impactos se não houvesse o retorno esperado”.
Segundo o consultor legislativo Kohler, a distribuição do lucro, por sua vez, irá eliminar a fonte de acumulacao de patrimônio liquido (diferença entre o que tem a pagar e a receber), como vinha acontecendo, que não é o objetivo primordial do fundo”.
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