Em todo o país, residentes da área de saúde têm trabalhado sem receber a bolsa-salário à qual têm direito e em condições precárias, segundo o Fórum Nacional
Redação Publicado em 13/05/2020, às 00h00 - Atualizado às 15h37
Em todo o país, residentes da área de saúde têm trabalhado sem receber a bolsa-salário à qual têm direito e em condições precárias, segundo o Fórum Nacional de Residentes em Saúde (FNRS) e a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG). A remuneração, no valor de R$ 3.330,43, é de responsabilidade do Ministério da Saúde, que se comprometeu a colocar em dia os pagamentos até a próxima sexta-feira (15).
O anúncio foi feito após intervenção da Defensoria Pública da União (DPU), que oficiou a pasta, nesta segunda-feira (11), estabelecendo que deveria se posicionar sobre a questão em até três úteis. O órgão exigiu que o ministério informasse publicamente o cronograma de pagamentos e prestasse esclarecimentos adicionais, como a situação da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS). As entidades representativas também acionaram o Ministério Público Federal (MPF).
Atualmente, 55.618 bolsas de residência estão ativas no Brasil. Desse total, o governo federal financia 22.302, sendo 13.489 de residência médica e 8.777 de residência em área profissional de saúde, que abrange especialidades como fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional, enfermagem, fisioterapia, entre outras.
Em nota publicada na tarde de ontem (12), o ministério informava que 4.199 cadastros apresentaram “inconsistências nas informações transmitidas pelos próprios residentes e/ou instituições de ensino”. Até aquele momento, correção dos dados de 1.329 bolsistas ainda estava pendente.
O FNRS e a ANPG refutam o argumento de que foram erros nas informações fornecidas o que impossibilitou a efetuação de pagamentos e afirmam que o governo federal descumpriu seis vezes prazos que havia estabelecido, anteriormente, para normalizar a situação. Em entrevista à Agência Brasil, o psicólogo João Costa, membro do fórum, conta que sabe de casos de bolsistas que receberam a quantia devida, mas apenas parcialmente, o que indica que o ministério dispõe de seus dados bancários corretos. O fórum também foi avisado por coordenadores regionais, responsáveis por enviar as informações ao ministério, de que o sistema que utilizam para lançá-las estava fechado em alguns períodos.
Tanto o FNRS como a Associação Nacional de Médicos Residentes falam em atraso recorrente no pagamento das bolsas. No caso das categorias representadas pelo fórum, que são todas, com exceção à de medicina, têm sido quitadas sem a devida regularidade desde 2017, segundo Costa.
Contudo, o atraso nos pagamentos é apenas um dos problemas que os residentes vêm enfrentando durante a pandemia do novo coronavírus. Conforme relatou Costa à reportagem, a crise sanitária tem acentuado debilidades que há muito são denunciadas e irão compor a agenda de reivindicações do Dia da Mobilização Nacional em Defesa das Residências em Saúde, que será realizado amanhã (14).
Além das vulnerabilidades, as possibilidades de protestar tornaram-se restritas para os residentes, já que também não contam com anteparo sólido dos direitos trabalhistas, incluindo o de fazer greve. Uma parcela dos residentes já decidiu interromper as atividades e outra já se organiza para aderir à paralisação, ao mesmo tempo em que pondera que a população também não deve ficar sem atendimento. “São questões que vão se acumulando e a bolsa é apenas um retrato”, sintetiza Costa.
Os residentes, avalia Costa, se veem em um limbo de salvaguarda de seus direitos, que acaba ampliando a desproteção em meio à pandemia. “A gente está sem orientação nenhuma, fica nessa dualidade. Uma hora, é trabalhador e, outra hora, é residente. Legalmente, nós somos estudantes”, explica.
Por vezes, residentes não estão tendo os direitos igualados aos dos colegas que já se profissionalizaram, fator que gera consequências graves no contexto da pandemia, considerando-se que muitos estão na linha de frente do combate à covid-19. Em uma mesma unidade de saúde, por exemplo, enquanto a administração distribui Equipamentos de Proteção Individual (EPI) aos profissionais, residentes têm ficado sem acesso aos itens, fundamentais para evitar o contágio do novo coronavírus.
Sem receber a bolsa, muitos deles também acabam ficando sem sustento, já que há exigência de dedicação exclusiva para que possam receber a remuneração pela especialização, de forma que não ficam liberados para exercer outra atividade. Outra dificuldade assinalada é o assédio moral que vitima parte significativa dos residentes.
As entidades criticam, ainda, a extensa jornada de trabalho, de 60 horas semanais, e o fato de que residentes têm ido trabalhar doentes, porque são impedidos de se ausentar mesmo quando estão indispostos e poderiam ter sua falta justificada mediante apresentação de atestado médico. Costa explica que a parte prática totaliza 48 horas semanais e a teórica, 12 horas. “Só que isso é descumprido historicamente, devido ao desinvestimento na área da saúde, à defasagem de recursos humanos. O que tem sido feito? Substitui-se a mão de obra [profissionalizada por residentes]. Mas ele [o residente] não tem a expertise da especialização e ele é jogado no cenário de prática. A gente tem várias denúncias de que eles [gestores das unidades de atendimento] eliminaram a contratação de novos profissionais”, explicou.
“Temos denúncias de instituições filantrópicas, que são, na verdade, privadas, que criam programas de residência e demitem todo seu corpo técnico e lucram com o programa”, acrescenta.
Costa também defende que o governo federal promova uma fiscalização mais rigorosa das residências, para garantir que haja uma formação de qualidade, e que a prioridade seja fortalecer o Sistema Único de Saúde. “Não há nenhuma fiscalização dessa formação. [A formação] Deveria ser no SUS, ser construída para o SUS. A gente não tem política nacional. Isso é um déficit histórico. Por isso, ficamos presos a legislações muito simplistas.”
EBC
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