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Etarismo: onde começa a discriminação?

Etarismo: onde começa a discriminação? - Imagem: Pixbay
Etarismo: onde começa a discriminação? - Imagem: Pixbay

por Danilo Talanskas

Publicado em 26/01/2023, às 08h11


A discussão a respeito de etarismo e a utilização e aceitação de profissionaiscom idade mais avançada, tem sido sempre focada na visão de fora para dentro desse universo: a aceitação por parte de pares no ambiente de trabalho, aberturas de vagas para pessoas mais maduras, até mesmo a pré-seleção de currículos ao se disputarem uma vaga.

É necessária, em primeiro lugar, a visão sobre si mesmo, daqueles que estão na casa dos 50 anos ou mais. A primeira barreira a ser vencida é a de sua própria visão e de como você acha que o mundo olha e avalia a sua própria imagem.

Este fato traz a lembrança de um episódio pessoal, quando eu considerava uma mudança profissional e estava com os meus cinquenta e três anos. Meu primeiro impulso foi o de me comparar a outros profissionais do mercado, que a exemplo de hoje, vemos cada vez mais jovens ocupando cargos de liderança. Tive aquele sentimento de “fim da linha” e que seria preterido em razão da idade.

Naquele mesmo período, em um café da manhã de negócios no HotelUnique, em São Paulo, ainda no restaurante encontrei com um velho conhecido, o dono daquele hotel e um dos fundadores do Grupo Aché, uma grande potência no mercado farmacêutico, Victor Siaulys. Tive a oportunidade de conhecer o Victor ao longo de décadas e acompanhar sua fabulosa trajetória como empresário. Além disso, tínhamos algo em comum: ambos éramos descendentes de imigrantes lituanos.

Ficamos conversando descontraidamente por alguns minutos, depois do término de meu encontro formal. Em certo momento, passei os meus sentimentos de dúvida, falando sobre o meu momento e a minha idade. Victor olhou-me com um olhar de desaprovação, do alto de sua estatura que se igualava à minha e disse: “O que é isso, rapaz?”. Obviamente a surpresa começou com a expressão do “rapaz”. Depois continuou: “Você está em seu auge de maturidade, experiência e capacidade. Não duvide disso e vá em frente!”

Impressionante como às vezes precisamos de um daqueles “chaqualhões” na nossa própria imagem! Ao sair daquele hotel naquela manhã eu tinha, de uma hora para outra, mudado o pensamento a meu respeito. Fui em frente com os meus planos, tive a minha mudança profissional e ainda outras oportunidades se abriram no meu futuro, que eu já estava considerando como passado.

Estamos em uma época em que um presidente dos Estados Unidos de 78 anos substitui o antecessor com 74 anos. No Brasil, um presidente de 77 anos substitui o antecessor de 68 anos. Veremos em breve um rei ser coroado na Inglaterra aos 74 anos. Situações como estas não são exceções, mas o reflexo de uma sociedade global mais longeva e com grande capacidade de realizações.

Winston Churchill, foi em minha opinião, um dos maiores estadistas de todos os tempos. Comandou a Inglaterra durante os anos mais obscuros de sua história durante a Segunda Guerra Mundial perto da casa dos 70 anos. Anos depois foi reeleito Primeiro-Ministro com 77 anos e comandou o país até os seus 81 anos de idade.

No auge do conflito mundial, em um discurso à Câmara dos Comuns, Churchill disse: “Na verdade, se sou alguma coisa, sou aquele que motiva. Minhas dificuldades residem mais em tentar ter paciência e comedimento ao esperar durante muitas e ansiosas semanas para que os resultados sejam alcançados". [1]A experiência da maturidade somada à tenacidade de uma mente jovem, transformaram um país e uma geração.

O preconceito começa em primeiro lugar, em nossa própria mente. É necessária a preparação para enfrentar a realidade de que a participação em oportunidades de emprego e de promoções não ocorrem da mesma forma de quando se é jovem. Começa mesmo na preparação de um currículo, no qual costumamos fazê-lo do tamanho de nossa experiência. Uma pessoa jovem, ao fazer a triagem, pode se assustar só com o tamanho e deixá-lo de lado já julgando o candidato demasiadamente qualificado.

Um headhunter certa ocasião me disse em inglês: “Less is more” (menos é mais). Após décadas de experiência, meu currículo continuou tendo apenas uma página. No próximo passo, o número de companhias interessadas será menor e cairá o número de entrevistas do que você estava acostumado quando jovem. Muita gente começa a desistir por aí.

O principal, o mais importante é a confiança de que sempre haverá companhias que valorizam a maturidade e a experiência. O grande desafio é a paciência para persistir até chegar até elas.

No ambiente interno, o mesmo desafio. Inúmeras vezes estaremos não só trabalhando com pares muito mais jovens, mas chefes também muito mais jovens. A atitude, bom humor, a capacidade de trabalhar em equipe sem nenhum ar de superioridade, somados ao bom desempenho na função, eliminam a maioria das barreiras para promoções. Não esqueça... o imprescindível é derrubar a sua própria barreira.

Encontrei o Victor Syaulis em mais ocasiões. Uma delas quando, sem saber um do outro, estávamos juntos palestrando em um seminário. A última vez que o vi, foi na recepção do hospital onde veio a falecer meses depois. Temos a tendência de pensar que frases que podem mudar a nossa vida são ouvidas na juventude. Tenho um grande respeito pelo legado pessoal e empresarial deste grande líder.

Deixo aqui a frase mudou a minha vida já madura, fazendo-me perceber que a discriminação começava, na verdade, dentro de mim mesmo: “O que é isso, rapaz? Você está em seu auge de maturidade, experiência e capacidade. Não duvide disso e vá em frente!”

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[1] Winston Churchil; Uma vida, Martin Gilbert, Casa da Palavra, 2016

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