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‘No dia seguinte, a gente acorda com um vazio’, diz mulher vítima de racismo

RIO — Um dia depois de ser xingada na rua e chamada de "macaca", a consultora de relacionamentos Ligia Ferreira, 42 anos, acordou com uma sensação "de vazio,

‘No dia seguinte, a gente acorda com um vazio’, diz mulher vítima de racismo
‘No dia seguinte, a gente acorda com um vazio’, diz mulher vítima de racismo

Redação Publicado em 07/03/2020, às 00h00 - Atualizado às 20h02


Autuada pelo crime de injúria racial, Luciene Braga foi presa em flagrante, mas pagou fiança e vai responder em liberdade

RIO — Um dia depois de ser xingada na rua e chamada de “macaca”, a consultora de relacionamentos Ligia Ferreira, 42 anos, acordou com uma sensação “de vazio, humilhada e diminuída”.

No caminho para o trabalho, em São Cristóvão, ela sequer tirou os olhos do chão, “com vergonha das pessoas”. Aos 42 anos, Ligia foi vítima de racismo na porta de um shopping na Zona Norte na última quinta-feira (5).  A acusada, Luciene Braga, 33 anos, foi presa em flagrante e autuada pelo crime de injúria racial, mas pagou fiança e vai responder em liberdade.

“Um dia depois é que você se dá conta do peso e do vazio no peito, o sentimento é de inferioridade, a gente fica diminuída, difícil até encarar as pessoas nas ruas, de tanta vergonha” relata Ligia, que mora com os dois filhos (também negros; um de 24 e uma menina de 16 anos) em Caxias, na Baixada Fluminense.

Por volta das 17h de quinta-feira, ela estava esperando uma amiga na porta do NorteShopping (Cachamb) enquanto falava ao telefone com a comadre, quando Luciene passou e ouviu Ligia dizer “caraca”. Foi, segundo a vítima, quando começaram os ataques.

“Eu estava falando ao telefone e ela achou que era com ela, deu uns três passos e voltou me chamando de “macaca” repetidas vezes, umas 15 acho. Eu paralisei, perdi todas as forças de resistência que sempre tive, esqueci até de desligar o telefone. Foi tão rápido, e de repente havia umas dez pessoas por perto filmando e dizendo que ela precisa ir para a cadeia. Eu paralisei”.

Em seguida, Ligia atravessou a rua e foi até uma cabine da Polícia Militar em busca de ajuda, mas, de acordo com ela, o agente a sugeriu ligar para o 190. Foi quando ela resolveu voltar para a porta do shopping, onde encontrou duas senhoras muito abaladas e outras testemunhas que viram Luciene entrar no centro comercial e se esconder no banheiro.

Daquele momento em diante, a acusada foi guiada pelos seguranças (também negros) do local com a vítima e mais quatro testemunhas para a 21ª DP (Bonsucesso), onde Luciene foi presa em flagrante e Ligia registrou ocorrência.

“Ela (Luciene) argumentou que “estavam armando uma cilada”, simulando um possível problema psicológico. Na delegacia me desencorajaram a registrar ocorrência, ouvi coisas do tipo: “isto não vai dar em nada, ela é tão vítima quanto você”. Mas segui em frente”.

O NorteShopping também se manifestou sobre o caso por meio de um comunicado, em que afirmou repudiar “qualquer ato de discriminação e preconceito “. “Defendemos em nosso espaço um ambiente de diversidade e inclusão. Estamos à disposição da polícia para colaborar com as investigações”, acrescentou.

Sete horas até chegar em casa

O episódio durou sete horas, desde o momento do ataque até Ligia Ferreira chegar em casa, onde, conta ela, recebeu o apoio de toda a vizinhança e, principalmente, da sua família.

“Sou negra mulher e do candomblé, credenciais que fazem com que eu passe por situações assim a vida inteira, mas nunca me senti tão impotente, pois nunca foi tão explícito, diante de tanta gente. Tento empoderar meus filhos todos os dias para que eles não sintam vergonha de quem somos, do cabelo, nariz e a boca que nós temos”.

“E se o racismo acabasse amanhã, o que você faria?”, indagamos Ligia. “Eu seria muito feliz, não só por mim e meus filhos, mas principalmente pelos meus netos, que nunca passariam por nada disto”.

IG

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