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“Ninguém aprendeu”, conta auxiliar de limpeza de hospital sobre uso de EPI’s

“Quando eu soube que os pacientes de Covid-19 ficariam no meu setor, eu senti um frio na barriga”, recorda Diana Torres*, auxiliar de limpeza do Hospital

“Ninguém aprendeu”, conta auxiliar de limpeza de hospital sobre uso de EPI’s
“Ninguém aprendeu”, conta auxiliar de limpeza de hospital sobre uso de EPI’s

Redação Publicado em 08/05/2020, às 00h00 - Atualizado às 21h24


De acordo com auxiliar de limpeza do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, que recebe casos confirmados de Covid-19 em Pernambuco, sua equipe não teve um treinamento adequado para o uso dos equipamentos, além de não ser tratada como prioridade

“Quando eu soube que os pacientes de Covid-19 ficariam no meu setor, eu senti um frio na barriga”, recorda Diana Torres*, auxiliar de limpeza do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, no Recife. Referência no atendimento da doença no estado, o centro médico vinculado à Universidade de Pernambuco registra um problema encontrado em todo o país: a escassez de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s) em quantidade suficiente para enfrentar a pandemia e treinamento ineficaz sobre como usá-los.

“No início, nós chegamos a receber tudo. Óculos, máscara, viseira, macacão. Depois as coisas foram acabando e a gente precisou improvisar. Faz mais de um mês que estamos usando uma capa de chuva para trabalhar”, conta a funcionária, que apesar de trabalhar diretamente com resíduos hospitalares infectados, observa que o seu cargo não é tratado como prioridade. Segundo a Associação Médica Brasileira (AMB), as denúncias sobre a falta de materiais já ultrapassam os 2.500 registros, em vários municípios do Brasil.

Além da falta dos equipamento, falta informações de como usá-los. “A gente não teve um treinamento adequado. Foi uma palestra que ensinava como usar os equipamentos, tudo muito rápido e pronto. Ninguém aprendeu direito. Os técnicos, por exemplo, foram treinados por médicos”, compara.

Outro ítem de higiene básica durante a pandemia faz falta. “Quando pedimos álcool em gel, eles dizem que não tem o suficiente. Quando eu preciso, vou na sala dos enfermeiros, lá sempre tem”, confessa. Aos 49 anos, a mãe de dois diz que a sua maior preocupação não é adoecer, mas contagiar o filho mais novo, que é asmático.

“Eu tomo todo o cuidado do mundo pensando nele”, explica. Entre os procedimentos adotados para ir do trabalho para casa, Diana diz que sua rotina de obrigações aumentou em quase duas horas. “O uniforme que usamos no hospital fica lá. Antes de sair, eu troco e tomo um banho. Depois o meu marido vai me buscar e antes de entrar no carro eu guardo os sapatos e a bolsa em sacolas separadas”, detalha a auxiliar de limpeza. “Para entrar em casa, eu não posso tocar na maçaneta ou no portão. O meu marido abre e eu deixo as sacolas no terraço antes de entrar para tomar outro banho e lavar os cabelos, porque vi que é importante também. Depois da higiene do meu corpo, volto para lavar as roupas e os objetos que usei”, conta.

Mesmo com a lista de cuidados, Diana diz saber das dificuldades de manter a família completamente segura do novo vírus, cuja taxa de transmissão no Brasil já é considerada a maior do mundo. “Muitos dos meus colegas foram afastados por causa da doença. Alguns foram internados e a gente sabe que corre o risco, mas ninguém pode parar de trabalhar, né?”, defende. “Infelizmente a área da limpeza é a que recebe menos atenção”, diz.

Sobre o grau de exposição dos profissionais de limpeza em hospitais, Susanne Edinger, infectologista da Cia da Consulta em São Paulo, comenta que “o ambiente hospitalar não permite improvisações”, destacando a importância do cuidado tanto na segurança do trabalhador, quanto no reforço para manter o espaço limpo para os pacientes. “O vírus permanece nas superfícies por períodos variáveis, a depender do material pode durar de horas a dias”, afirma. Em superfícies plásticas, como no caso das capas de chuva e capotes descartáveis, o vírus pode durar até cinco dias.

A legislação que trata do EPI para a segurança do trabalhador é determinada pela Consolidação das Leis do Trabalho ( CLT ), que define como obrigatório o fornecimento dos equipamentos “certificados, adequados ao risco e em perfeito estado” por parte da empresa, que deve fiscalizar e certificar-se do uso correto dos equipamentos.

Em nota enviada por meio da assessoria de imprensa, o Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco (HUOC/UPE)  afirma que “todos os funcionários de serviços gerais da unidade hospitalar são terceirizados e que contratualmente a responsabilidade de fornecimento de EPI é da empresa contratada”, e reconhece que “infelizmente, a mesma vem falhando na aquisição dos referidos itens”.

O centro médico acrescenta ainda que “por entender sua corresponsabilidade na manutenção da segurança de todos os indivíduos que desenvolvem suas ações profissionais no hospital, vem adquirindo regularmente os EPI para os funcionários terceirizados, de acordo com a indicação para cada atividade, conforme orientações da ANVISA”.  Até o fechamento desta reportagem, não houve resposta da Contec Serviços, empresa responsável pela contratação dos funcionários.

* O nome foi trocado a pedido da entrevistada.

IG

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