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‘Na UTI a gente vê muita morte’, diz biólogo que ficou 15 dias internado com Covid-19 em hospital de campanha na BA

O biólogo Alano Calheira Durães é de Feira de Santana, a cerca de 100 km de Salvador, onde surgiu o primeiro caso de coronavírus na Bahia. Ele esteve

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Redação Publicado em 06/03/2021, às 00h00 - Atualizado às 10h45


Um ano após primeiro caso do novo coronavírus na Bahia, G1 mostra depoimentos de pacientes que venceram a doença.

O biólogo Alano Calheira Durães é de Feira de Santana, a cerca de 100 km de Salvador, onde surgiu o primeiro caso de coronavírus na Bahia. Ele esteve internado no Hospital de Campanha do município entre 23 de janeiro e 13 de fevereiro deste ano – desse total, 15 dias foram na Unidade de Terapia Intensiva.

Alano conta que passava a maior parte do tempo em casa, com a família, desde o começo da pandemia. O primeiro sintoma que apareceu foi uma tosse seca. Ele procurou atendimento médico e foi informado de que estaria sofrendo uma crise alérgica. “Isso já tinha ocorrido comigo outras vezes, então não me preocupei muito”, lembra.

Porém, a tosse ficou mais persistente. Depois veio a febre, dor de cabeça e falta de ar. Com a piora, ele procurou o médico, mais uma vez. Passou por exames e então foi diagnosticado com Covid-19. Como o quadro tinha avançado, Alano logo foi hospitalizado. Durante a internação, respirou com ajuda de aparelhos e chegou a perder 15 quilos.

Alano Calheira ficou internado no Hospital de Campanha de Feira de Santana  — Foto: Arquivo Pessoal

Alano Calheira ficou internado no Hospital de Campanha de Feira de Santana — Foto: Arquivo Pessoal

“Quando entrei no Hospital de Campanha, sabia que ia sair vivo dali, tinha essa certeza porque me amparava na fé. Tive momentos de fraquejar quando via o povo naquele sofrimento todo. Na UTI a gente vê muita morte, vê situações gravíssimas, isso abala o psicológico de qualquer um. Batia a insegurança, mas eu me apegava com a fé, com o amor da minha família”.

O biológo disse que fez contato com familiares através de chamadas de vídeos realizadas pelos setores de Psicologia e Assistência Social do Hospital de Campanha, além dos outros profissionais de saúde. Ele recebeu mensagens de força enviadas por amigos e até por jogadores do time do coração, o Esporte Clube Bahia. Isso foi um combustível para seguir firme na luta pela vida.

“Tem que ter força de vontade e paciência para se recuperar. O processo é demorado e depende também do paciente. É preciso fazer exercícios respiratórios, ‘pronar’, que é ficar deitado de bruços, a maior parte do tempo, usar máscaras e equipamentos que são bem desconfortáveis e muita gente reluta em usar, mas não pode”.

Enquanto Alano estava na UTI, a esposa dele, o filho, o sogro e a sogra se tratavam em casa. Todos contraíram Covid-19 no mesmo período que ele, mas tiveram sintomas mais leves. Agora, o biólogo segue em tratamento domiciliar.

Alano Calheira passo u15 dias na UTI  — Foto: Arquivo Pessoal

Alano Calheira passo u15 dias na UTI — Foto: Arquivo Pessoal

Em casa, ele conta com um aparelho de oxigênio e um equipamento usado à noite, ambos para melhorar a respiração. “Estou ainda em acompanhamento. Faço caminhada e hidroginástica no condomínio onde moro e faço meus exercícios respiratórios. Sigo melhorando a cada dia”.

Para além do aspecto físico, Alano se vê como uma pessoa melhor após a doença. “É uma experiência terrível, mas transformadora, modifica a gente de uma forma que não sei nem dizer. As prioridades mudaram completamente. Vi que o que realmente importa são as pessoas e que a família é o bem mais precioso que alguém pode ter”.

‘Na UTI você não dorme’

O administrador Victtor Serafin enfrentou situação semelhante e também disse que a vida ganhou um novo significado. Ele foi internado em um hospital particular de Salvador. Passou sete dias na UTI, e definiu o período como “o pior da vida”.

“Na UTI você não dorme, pois a movimentação é muito intensa. Você vê pessoas em estado muito grave, vê gente morrendo. É traumático. Eu estava consciente o tempo todo e quando ouvia o médico dizendo que ia me entubar, entrava em pânico, porque estar ali já é uma experiência de pré-morte”.

Victtor Serafin durante o período em que esteve internado  — Foto: Arquivo Pessoal

Victtor Serafin durante o período em que esteve internado — Foto: Arquivo Pessoal

Ele destacou o esforço incessante dos profissionais de saúde e se disse emocionado com a força e cuidado deles. “Mesmo com a sobrecarga de trabalho, eram muito atenciosos, carinhosos com os pacientes. Só com eles que fiz contato na UTI, então viram praticamente uma família ali dentro. Eu já sabia da importância que eles têm no combate à pandemia, mas ver de perto me fez valorizar mais esse trabalho”.

Victtor sofreu comprometimento de 50% do pulmão. Não chegou a ser entubado, mas usou um cateter de alto fluxo que ajuda na respiração. Um mês após ter alta médica, ainda tinha sequelas, como falta de memória, cansaço e falta de ar. Agora, ele está recuperado e voltou a praticar exercícios físicos, além de seguir trabalhando de casa, como está desde o início da pandemia.

“Sou uma pessoa que tem fé e isso me ajudou. Sempre soube que ia sair dessa, mas me sinto aliviado em saber que estou totalmente curado e tomando todos os cuidados para não adoecer novamente”, afirma.

Reinfecção

Fabiany Matos, que é funcionária do estado, sabe o susto que é pegar a doença duas vezes. A primeira foi em novembro do ano passado. “Veio a rinite e pensei que fosse uma crise como outra qualquer. Só que tive contato com uma pessoa que testou positivo e por isso decidi fazer o PCR, foi quando descobri que na verdade não era rinite e sim Covid”.

Ela não apresentou mais sintomas e admite que afrouxou as medidas de isolamento no verão, pois acreditava que ainda estava imune ao vírus. Porém, na primeira semana de fevereiro, começou a sentir calafrios e forte dor de cabeça. Procurou uma emergência hospitalar, onde foi atendida por um otorrinolaringologista, que deu diagnóstico de sinusite.

“O médico me disse que era quase impossível que eu estivesse com Covid, pois tinha contraído há menos de três meses. Eu me tranquilizei, mas logo depois veio a tosse, a dor de cabeça, dor no corpo, perdi paladar e olfato. Aí não teve jeito, era coronavírus”.

Fabiany Matos pegou coronavírus duas vezes — Foto: Arquivo Pessoal

Fabiany Matos pegou coronavírus duas vezes — Foto: Arquivo Pessoal

Da segunda vez, o pai, a mãe e o marido dela também foram infectados. O pai passou seis dias hospitalizado e teve comprometimento de 25% do pulmão. “Eu sofri, me senti péssima, pois eles devem ter pego através de mim”. Desde então, Fabiany está mais cuidadosa e evita sair de casa.

“Tenho muito medo, porque só quem já teve essa doença sabe como se sente”.

Gabriel Urpia, estudante de medicina veterinária, também já teve coronavírus duas vezes. A primeira aconteceu no início de junho de 2020. Tudo começou com sintomas que pareciam uma crise de sinusite, porém, como ele nunca teve febre nesses casos, ficou em estado de alerta e foi orientado a ficar em isolamento total.

Além da febre não ceder, Gabriel começou a sentir dores no corpo e diarreia. Quanto teve falta de ar, sete dias após o início dos primeiros sintomas, Gabriel foi a um hospital privado de Salvador e ficou internado.

“Os médicos queriam me colocar em UTI, só que não tinha leito disponível. Aí veio um medo muito grande de ser entubado, de que acontecesse o pior. Por sorte, fui melhorando na enfermaria de Covid e não precisei ir para a UTI”. O jovem ficou uma semana internado.

Gabriel Urpia teve Covid duas vezes  — Foto: Arquivo Pessoal

Gabriel Urpia teve Covid duas vezes — Foto: Arquivo Pessoal

Quatro meses após o episódio, Gabriel continuou com dificuldades respiratórias. “Até falar cansava. Eu não subia três degraus de escada sem parar para pegar um fôlego”, lembra. No final do ano, quando já se sentia totalmente curado e quando os casos pareciam mais estáveis, o estudante também relaxou com o distanciamento

“Não me descuidei totalmente, mas um pouco, sim. Não fui a bares, restaurantes, mas encontrei alguns amigos em casa, por exemplo. Eu achava que ainda estava com anticorpos ativos”.

Na noite de Natal, Gabriel voltou a sentir falta de ar e achou que fosse uma crise de ansiedade, já que nessa época começou a notar que estava se expondo além do necessário e pensou em retomar os cuidados que teve no início da pandemia. Porém, ele já estava com a Covid-19 de novo.

“No dia seguinte, tive falta de ar e no outro, também. Vi que tinha algo de errado, fiz o teste e deu positivo”. Gabriel voltou ao isolamento total, sem sintomas graves. Depois desse segundo caso, redobrou a atenção.

“Só saio para o estágio, mercado e farmácia. Deixei de ver as pessoas que gosto. Por mais que eu queira, finalmente entendi que o ideal nesse momento é se preservar”.

Gabriel Upria e Diana Andrade tiveram Covid na mesma época, em junho do ano passado  — Foto: Arquivo Pessoal

Gabriel Upria e Diana Andrade tiveram Covid na mesma época, em junho do ano passado — Foto: Arquivo Pessoal

A namorada de Gabriel também teve a Covid-19 em junho, na mesma época que ele. “Não sabemos como pegamos, pois as saídas eram só mercado, farmácia, trabalhar, com máscara e usando álcool em gel o tempo todo”, disse Diana Andrade Silva, engenheira de produção.

Ela apresentou sintomas respiratórios e não chegou a ser internada, apesar de ter sofrido comprometimento de 25% do pulmão. Diana teve crise asmática pela última vez aos sete anos de idade e a doença voltou a atacar por causa da Covid-19. Desde então, ela começou um tratamento que segue até hoje com uso de medicamentos.

“Estou bem melhor, mas ainda sinto medo, pois o vírus está circulando e com novas variantes. Hoje só saio para trabalhar, passear com o cachorro ao ar livre ou quando realmente há necessidade. Tomo todos os cuidados, faço o que posso e entrego na mão de Deus.”

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Fonte: G1 – Globo.

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